NOTÍCIA
Devido à crise no mercado da comunicação, faculdades de jornalismo atualizam suas grades para formar profissionais mais empreendedores
Publicado em 25/05/2017
A formação clássica do jornalista, voltada à atividade nas grandes redações, está ultrapassada e precisa, com urgência, de um redirecionamento. O motivo é a crise do mercado editorial, que viu seu modelo de negócios ruir com a circulação massiva de notícias pela internet. O número de leitores pagantes caiu, bem como os postos de trabalho. Entre 2012 e 2016, 1.646 jornalistas foram demitidos, e desse total, cerca da metade trabalhava em jornais impressos, segundo números divulgados pela Volt Data Lab.
De olho nessa nova realidade, o Ministério da Educação instituiu uma nova Diretriz Curricular Nacional para o bacharelado em Jornalismo, que entrou em vigor em outubro de 2015. O texto aponta, entre outros, que o curso deve enfatizar o “espírito empreendedor” no aluno e que os egressos precisam ser capazes de “conceber, executar e avaliar projetos inovadores que respondam às exigências contemporâneas e ampliem a atuação profissional em novos campos”.
Sem determinar, pontualmente, a forma de aplicação dessa nova norma – que, na prática, passou a vigorar para os ingressantes do primeiro semestre de 2016 –, as instituições de ensino superior tiveram liberdade para desenvolver o próprio formato. Algumas delas já ofereciam conteúdos com viés empreendedor e ampliaram a oferta destes, concentrando-as em disciplinas específicas. Esse é o caso da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), instituição com sede na cidade gaúcha de São Leopoldo. Atualmente, o seu curso de Jornalismo conta com um eixo de empreendedorismo formado por duas disciplinas de conhecimentos gerais e uma terceira exclusiva à área de comunicação – assessoria de comunicação e empreendedorismo, ministrada por um professor jornalista. Todas as três matérias foram inseridas no currículo de 2012 e a universidade já colocou no mercado profissionais com esses conhecimentos.
Para o coordenador do curso, Edelberto Behs, esse é um caminho sem volta e as instituições que tencionem se manter relevantes precisarão seguir por essa linha. “O jornalismo está passando por uma crise fantástica. Não acho que vai desaparecer, mas vai ter uma transfiguração muito acentuada. A formação de 20 anos atrás, que preparava profissionais para as redações, não é mais o principal. Agora o foco é o novo ecossistema comunicacional que está surgindo. O profissional vai precisar muitas vezes ser o ‘Eu empreendedor’. Sentimos que estávamos preparando os alunos para trabalhar em redação e não para abrir uma empresa”, contextualiza Behs.
Essa percepção do coordenador coincide, em parte, com uma pesquisa desenvolvida pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em parceria com a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e publicada no final de 2012. Com o objetivo de traçar um perfil sobre o jornalista brasileiro, o relatório identificou que 75% dos profissionais devidamente registrados trabalhavam na profissão naquele ano. Destes, 40% atuavam fora da mídia, a maior parte em órgãos públicos ou assessorias de imprensa. Além disso, a pesquisa já adiantava o que poderia ser concebido como um embrião do empreendedorismo no mercado da comunicação. O estudo identificou que uma parcela de profissionais – cerca de 25% deste último grupo da análise – era composta por prestadores de serviços, free-lancers e donos de seus próprios empreendimentos.
Com a mudança no fazer jornalístico, escolas de comunicação passaram a promover conteúdos que pudessem instigar seus alunos a pensar de forma mais empreendedora, tanto na criação de seus próprios negócios, quanto em soluções inovadoras para empresas já consolidadas. Este é um dos trabalhos do professor Luiz Antônio Farias Duarte, que leciona a disciplina de assessoria de comunicação e empreendedorismo na Unisinos. Suas aulas têm formato misto entre teoria e prática, e os alunos, divididos em grupos, precisam desenvolver um plano de negócios para o desenvolvimento (virtual) de uma empresa de comunicação. Para isso, os estudantes fazem um exercício preliminar chamado de ‘empresa espelho’, pelo qual visitam uma instituição do segmento e desenvolvem uma investigação em profundidade – o que posteriormente é apresentado em aula e compartilhado com os demais colegas. “Os alunos recebem um banho de realidade. Nas visitas, eles aprendem sobre a organização total das empresas e como elas fizeram para chegar lá, incluindo toda a parte burocrática. Aprendem também sobre as situações de sucesso, insucesso, mudança de sócios, isso de empresas recentes e outras bem antigas”, comenta Duarte.
Apesar disso, o professor salienta que o caminho que conduz os alunos ao empreendedorismo precisa de tempo para amadurecer. E o principal motivo é cultural. Segundo ele, boa parte dos futuros jornalistas ainda se espelha nos profissionais do passado e deseja um posto de trabalho nas cada vez mais exíguas redações. “A cultura brasileira leva a isso, a busca de um emprego. É muito comum o aluno se apresentar na primeira aula e dizer que está ali apenas cumprindo a grade. Então há uma contribuição nossa de estimular a veia empreendedora do estudante”, completa.
Criar o próprio negócio
Um pouco mais recente nesse processo, a Faculdade Cásper Líbero, de São Paulo, está num momento de transição curricular. Os ingressantes do período letivo de 2016 do curso de Jornalismo já iniciaram a graduação sob a nova matriz, que inclui a disciplina de empreendedorismo e gestão de projetos no 3º ano. Este conteúdo passou por reformulação e substituiu a cadeira de administração de produtos editoriais. O que muda na prática, explica a vice-coordenadora do curso de Jornalismo, Tatiana Ferraz, é que antes os alunos recebiam apenas o conteúdo teórico e agora serão instigados a desenvolver projetos e apresentar trabalhos que serão avaliados em sua execução.
No caso da Cásper, essa mudança, além de estar alinhada com as novas condições de mercado e exigências do MEC, também coincidiu com as aspirações de parte dos seus alunos. A vice-coordenadora comenta que muitos estudantes já direcionavam seus Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) – na falta de uma disciplina específica – para a criação de atividades inovadoras como jornalismo de games e desenvolvimento de canais de música para bandas independentes.
De volta à disciplina de administração de produtos editoriais – que começa a ser ministrada para as primeiras turmas a partir do ano que vem –, Tatiana explica que a matéria tem como intuito transformar ideias em empreendimentos e assim incentivar o aluno a não ser apenas um funcionário. Para isso, os estudantes aprenderão desde os diversos mecanismos de captação de recursos até como patentear seus projetos.
Diferentemente das duas instituições acima mencionadas, a graduação em Jornalismo da ESPM nasceu num ambiente empreendedor e de acordo com a nova diretriz. Lançado em 2011, o curso foi firmado com base num projeto pedagógico que incluiu, além dos conteúdos tradicionais, disciplinas voltadas à gestão, jornalismo nas organizações e empreendedorismo. A coordenadora do curso, Maria Elisabete Antonioli, comenta que a proposta inicial da faculdade era formar profissionais capazes de atuar em qualquer veículo e plataforma, e com as competências necessárias para trabalhar no constante mercado de transformação e, principalmente, no âmbito de pequenos negócios.
Para isso, o currículo abriu espaço para disciplinas como empreendedorismo e gestão em negócios de mídia, finanças de mercado, métodos quantitativos e planejamento de comunicação. O TCC também foi inovado e permitiu, além da tradicional monografia e do projeto experimental, a possibilidade de o aluno desenvolver um projeto empreendedor. Realizado conjuntamente com a cadeira de planejamento, o futuro egresso tem a tarefa de fazer um plano de negócios para colocar no mercado o produto desenvolvido, que pode ser um livro-reportagem, por exemplo.
Mais recentemente, em 2016, a ESPM deu um novo passo e criou o EmpreendaJor. O programa, que integra o Centro Experimental de Jornalismo, foi concebido com o intuito de firmar uma ponte entre os alunos de graduação e a incubadora de negócios da faculdade. Para participar, os estudantes precisam apenas se inscrever no edital e apresentar, em linhas gerais, a ideia de um empreendimento. O professor Daniel Ladeira, que está à frente do programa, conta que são selecionados de três a quatro grupos. Em seguida, eles participam de encontros semanais onde estabelecem um projeto com base nas nove funções do modelo de negócio Canvas. Por fim, os alunos apresentam o piloto à incubadora e, caso haja espaço físico, são automaticamente incubados.
Quem acabou passando por todo esse processo foram as alunas Giovanna Spilborghs, Bárbara Santucci e Carolina Leal, todas de 19 anos. Logo no primeiro semestre de graduação, as calouras precisaram desenvolver um trabalho para a disciplina de introdução ao jornalismo que reunisse diversas mídias em um só veículo de comunicação. Com uma visão empreendedora, elas uniram um gosto pessoal a uma fatia em expansão do mercado. Assim nasceu o blog Pechincha is the new Black, que publica matérias sobre moda com produtos de preço acessível.
O grupo foi um dos selecionados pelo EmpreendaJor logo na primeira turma e neste ano deu um novo passo e inicia o trabalho em tempo integral dentro da incubadora. Agora alocada na ESPM, com toda a infraestrutura e assessoria técnica à disposição, Giovanna comenta que o próximo objetivo das jovens empresárias é firmar parcerias com lojas de vestuário e lançar um e-commerce. “O EmpreendaJor foi um momento essencial. Conseguimos entender o processo de tudo que precisávamos fazer. Lá conseguimos ter uma base forte e desenvolvemos um plano de negócios. Percebemos para que lado e para onde queríamos ir. Estudamos bastante e entendemos melhor esse mundo de negócios”, diz Giovanna.