NOTÍCIA
Por que instituições de ensino superior não priorizam esta disciplina tão fundamental na formação dos hábitos de vida e consumo de uma sociedade?
Publicado em 09/01/2019
Por Franthiesco Ballerini*
Dentro da dinâmica de muitas redações de jornais, revistas e portais, é comum a cobertura cultural não ser tratada com prioridade, ainda que a editoria tenha os maiores índices de leitura e cliques. É comum repórteres e estagiários serem alocados para as editorias “sérias” nos plantões de fim de semana, como cidades e política, forçando o fechamento antecipado de cadernos e a ausência de jornalistas culturais nos fins de semana.
A realidade das redações certamente contribui para ser a causa ou a consequência de tratamento semelhante que as instituições de ensino superior dão para o jornalismo cultural. Se as redações não priorizam, se o mercado está voltado para áreas mais rentáveis, então por que priorizar o ensino do jornalismo cultural?
Antes de mais nada, a definição de que aqui se faz uso de “jornalismo cultural” é aquela que engloba a cobertura de literatura, teatro, música, artes visuais, cinema, televisão, moda, gastronomia e, de forma um tanto híbrida, também games.
Os números do ensino do jornalismo cultural nas faculdades brasileiras são, no mínimo, preocupantes. O último grande censo sobre o ensino desta disciplina no Brasil foi feito em 2008, pelo programa Rumos Itaú Cultural em parceria com o Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação. Naquele período, havia 126 disciplinas que abordam jornalismo cultural e áreas correlatas nos 356 cursos de jornalismo espalhados pelo Brasil. Destas 126, apenas 16 abordavam o tema com exclusividade.
Ou seja, o jornalismo cultural ocupa menos de 13% da grade dos cursos de jornalismo. Destas 16 disciplinas, 14 estão nas faculdades particulares e apenas duas nas faculdades públicas, uma no Rio de Janeiro e outra no Rio Grande do Sul.
O plano de ensino das disciplinas de jornalismo cultural foca, quase todo, a conceituação de cultura, de indústria cultural, para posteriormente abordar artes, cinema, música, literatura, teatro, televisão, relacionando-as com o jornalismo. Em geral, o foco maior está nos temas mais cobertos pela imprensa, além da história do jornalismo cultural e os gêneros e subgêneros.
É importante lembrar, também, que foram aprovadas novas diretrizes para o ensino do jornalismo no final de 2013, entrando em vigor a partir de 2015. Na época, elas foram criticadas por distanciar o pensamento teórico da comunicação ao ensino jornalístico – o jornalismo, inclusive, saiu do guarda-chuva Comunicação Social – bem como desestimular a pesquisa acadêmica, acentuando a formação técnica e prática.
Os números gritam. Nem 15% das faculdades possuem uma disciplina focada na formação teórica e preparação prática dentro do jornalismo cultural, enquanto uma esmagadora maioria – especialmente faculdades particulares – tem aumentado o peso de disciplinas como Comunicação Mercadológica e Assessoria de Imprensa. Volta-se, então, à pergunta: por que priorizar o ensino do jornalismo cultural quando as redações também não a priorizam em sua cobertura?
Porque a formação do olhar jornalístico em assuntos culturais é estruturante para todas as outras áreas. As teorias de comunicação e cultura, costuradas com a história da cobertura cultural e suas práticas são fundamentais para a leitura crítica do mundo. Alguns exemplos para ilustrar: conhecer o sistema de remuneração do Spotfy é entender a lógica da nova indústria cultural musical; entender por que as leis de incentivo são necessárias para os cinemas nacionais e como Hollywood forma nossos valores e opções de hábitos e compras; entender por que o teatro precisa tanto de uma crítica viva para construir sua história; entender como os hábitos modernos estão alterando a indústria de alimentos e o universo gastronômico; entender por que a moda é uma indústria tão poderosa e como torná-la forte em países como Brasil; entender por que Paulo Coelho é um sucesso de vendas e um fracasso de crítica e aquele escritor do qual você nunca ouviu falar possui o texto mais vibrante na atualidade; entender se os formatos televisivos tradicionais, como novela, vão de fato morrer na Era Netflix; entender por que um “borrão” de Kandinski e um mictório do Duchamp foram tão essenciais para a arte como a Monalisa de Da Vinci ou o Davi de Michelangelo.
Investigar, decifrar, traduzir, provocar e desnudar estes assuntos só pode ser feito de forma profissional com a devida formação e prática na área. Lembrando que, com a situação sempre cambaleante da obrigatoriedade do diploma no jornalismo no Brasil, tais atribuições acima não são obrigações de um filósofo, historiador de arte, artista ou sociólogo. São obrigações resultantes do ensino de qualidade do jornalismo, porém não exclusivas a ele, claro. Dentro do jornalismo cultural, não é difícil checar tais aspectos. Qual a diferença de uma opinião cultural apressada – “o gibi é melhor que o filme”; “a peça é parada”; “a música é vulgar”; “isso é só um rabisco” – de um texto jornalístico cultural profissional?
Este último tira as limitações do olhar, te mergulha em novos cosmos do conhecimento, conectando você a outros saberes – política, economia, esportes – sendo sempre por meio de um discurso claro, coerente e coeso, atrativo para leigos. Esta formação, definitivamente, não pode ficar restrita a menos de 15% das faculdades de jornalismo de um país continental como o Brasil.
*Franthiesco Ballerini é jornalista, escritor e professor universitário, autor de livros como Cinema brasileiro no século 21, Jornalismo cultural no século 21, e Poder suave (Soft Power), este último finalista do 60º Prêmio Jabuti
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