NOTÍCIA

Ensino edição 240

As novas pedagogias precisam comprovar sua eficácia

Em entrevista, Inger Enkvist, professora da Universidade de Lund, na Suécia, faz uma crítica às novas abordagens pedagógicas

Publicado em 08/07/2019

por Marina Kuzuyabu

critivas-nova-pedagogia-inger-enkvist Inger Enkvist: o problema das novas abordagens pedagógicas é que seus resultados não são medidos (foto: divulgação)

Os métodos de aprendizagem ativos, que colocam o aluno no centro do processo de aprendizagem, são enfaticamente defendidos no debate educacional. São poucos as discussões que contam com a presença de vozes contrárias à renovação do ensino. Essas vozes, contudo, existem. A sueca Inger Enkvist, 72 anos, é uma das educadoras que faz duras críticas à nova pedagogia, como ela se refere às abordagens educacionais que valorizam o ‘aprender a aprender’ e veem a escola como um lugar de socialização e formação de cidadãos democráticos.

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Professora da Universidade de Lund, na Suécia, Enkvist escreveu algumas obras sobre o tema (no Brasil, foram publicados os livros Educação: guia para perplexos e Repensar a educação) e ganhou notoriedade com a defesa de ideias consideradas conservadoras.  A pedagoga, que também é hispanista e grande conhecedora das obras de Mario Vargas Llosa e Juan Goytisolo, foi convidada pela ESPM para inaugurar o Centro de Discussão Educacional, ocasião em que pode expor, em espanhol, algumas de suas principais ideias. Confira os principais trechos da entrevista.

Qual  nova pedagogia a senhora critica?

É difícil falar com precisão. Posso me referir à nova pedagogia como um movimento ligado ao progressismo do século 20, como a utilização de métodos ativos de aprendizagem ou ainda relacioná-la ao construtivismo, como fazem alguns. Há diferentes denominações para o termo e cada uma delas significa coisas ligeiramente diferentes. Mas o que é comum na nova pedagogia é a importância dada aos métodos, uma importância que supera a própria aprendizagem. Na verdade, essa é uma das vertentes da nova pedagogia, e ela parte da ideia de que os métodos são importantes porque as crianças aprendem a aprender. Dessa forma, ainda que não aprendam dados e coisas concretas enquanto estão na escola, elas aprenderão a aprender mais tarde quando necessitarem. A outra vertente diz que os alunos devem trabalhar juntos para se tornarem cidadãos mais democráticos na idade adulta. Esses dois aspectos são muito fortes na nova pedagogia.

As novas abordagens pedagógicas não são mais adequadas para desenvolver a capacidade de trabalhar em equipe, a autonomia e a habilidade de comunicação, para citar algumas das competências em alta nas sociedades contemporâneas?

Esse é exatamente o discurso dos que defendem a nova pedagogia. Se o trabalho em equipe melhora o aprendizado no tempo que temos à disposição, por que não adotá-lo? Eu não seria contra. O problema é que não se medem nunca como se aprende desse modo. E em vez de aprender a matéria em questão, os alunos aprendem uma metodologia para trabalhar em equipe, o que é um pouco enganoso. De nenhuma maneira sou contra trabalhar de maneira variada. O que eu critico é a adoção de métodos sem eficácia comprovada. No nível universitário, quando se trabalha em equipe, não há garantias de que todos vão trabalhar realmente. Muitas vezes, trabalham um ou dois e os demais apenas assinam o trabalho. E quando substituem a prova por um trabalho, relatório ou algo do tipo, surge o problema do plágio. As metodologias ativas podem ser uma forma de trabalho atrativa, mas não dão bons resultados em termos de aprendizagem.

A Finlândia, que é referência em muitos aspectos, inspirou dezenas de países com suas práticas de aprendizagem baseada em projetos e trabalhos em equipe. Seus bons resultados não seriam indicativos da qualidade desse tipo de metodologia?

Não é bem isso o que acontece por lá. A Finlândia dá muita ênfase para a figura do professor que dirige o trabalho em sala de aula; ele tem autoridade e dá notas. De fato, a Finlândia mudou seu currículo e introduziu formas mais livres de aprendizagem. Como resultado, o nível está baixando. Há, portanto, que identificar de qual Finlândia estamos falando; da Finlândia de três ou quatro anos atrás ou da Finlândia de agora.

E quanto à centralidade do aluno, um aspecto muito valorizado nas novas abordagens pedagógicas? A senhora também critica esse ponto?

Falar na centralidade do aluno soa muito bem, afinal é o aluno que está aprendendo. Mas, em vez de nos centrarmos no aluno, deveríamos nos centrar no que deve ser aprendido em cada aula e dizer isso ao aluno.  Assim é muito mais fácil dar aula e fazer o aluno avançar. Essa ideia de que é preciso colocar o aluno no centro se desdobrou na ideia de que é preciso individualizar o processo de ensino e aprendizagem. Isso tem mais consequências do que se poderia imaginar. Primeiro, o aluno que não quer trabalhar muito – e há milhares de jovens com outros interesses – pode pensar que ele tem direito a isso, e que a escola tem a obrigação de se ajustar a ele. Porém, isso faz com que os alunos aprendam muito menos. Os próprios alunos acabam freando as expectativas e as exigências do curso. Além disso, muitas vezes aqueles que preferem não trabalhar são aqueles que mais necessitam de um empurrãozinho.

O segundo ponto importante dessa discussão é a organização da aula pelo professor. Como ele fará isso se todos têm direito a uma adaptação? Isso quer dizer que ele terá de propor 30, 35 programas por aula?  Isso causa uma fragmentação no trabalho do professor, além de ser física e psiquicamente impossível. Os professores estão desmotivados porque estão lhes pedindo uma coisa impossível. Ainda que a maioria das escolas não esteja pedindo isso, a exigência está no ar, e isso deprime o professor, pois há uma contradição entre o que se diz e o que se pode fazer. É uma exigência alta e inadequada.

A senhora, portanto, acredita na validade do modelo de ensino tradicional? 

Eu defendo um ensino que traga bons resultados. Vamos supor que um professor queira ensinar, em uma aula de inglês, como se utiliza some e any. Se poderia organizar diferentes formas de ensinar isso e depois comparar qual das abordagens fez os alunos aprenderam melhor e mais rápido. O que se passou com as novas metodologias é que elas passaram a ser utilizadas “porque sim”, sem que se buscasse comprovar a aprendizagem correspondente. É isso o que eu estou discutindo.

Algumas pessoas falam que escola tradicional é nefasta para a criatividade. Muitos dizem até que ela aniquila a curiosidade das crianças, como os alinhados com a pedagogia Waldorf e a abordagem de Reggio Emilia, criada na Itália.

Há muitas maneiras de contestar isso. Vou falar sobre o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), que há dois anos mediu a criatividade dos alunos. Quem se saiu como os mais criativos? Os alunos de Xangai, Hong Kong, Coreia do Sul e Singapura, os de sempre. É fácil entender o resultado: eles são os que mais sabem, portanto, são os que têm mais elementos para encontrar soluções para uma nova situação. Para ser criativo, tem que saber muito, inclusive de campos diferentes. Uma definição de criatividade é a capacidade de combinar de maneira nova elementos que são conhecidos. Outra é a capacidade de adaptar-se a uma nova situação, a uma nova demanda. Há uma pressão para seguir como sempre, e quem encontra as melhores soluções são aqueles que sabem muito e, portanto, têm mais elementos para jogar. Isso não fala muito a favor das novas pedagogias.

novas pedagogias
Inger Enkvist: o problema das novas abordagens pedagógicas é que seus resultados não são medidos (foto: divulgação)

E quanto à crítica da curiosidade?

Jamais vou defender que a curiosidade das crianças seja ignorada. A nova pedagogia projeta uma imagem muito sombria sobre tudo que vem antes dela. Me encanta a pedagogia Waldorf, a arte, as cores dos prédios, sua arquitetura original. Acho maravilhoso que façam desenhos para se expressar. Em Reggio Emilia é muito interessante a observação que eles fazem das crianças. Porém, não há provas de que, no longo prazo, estes sejam os melhores métodos globais.

A pedagogia Waldorf é muito boa até certo ponto; as crianças que seguem com ela até os 15 anos carregam, muitas vezes, defasagem de um ou dois anos de conhecimentos. Elas aprendem outras coisas, têm mais artes, mais música – e estão muito bem nessas áreas. Porém, eles não aprendem o mesmo que as outras crianças e têm de corrigir isso antes de chegar ao ensino médio. A mesma coisa pode ser dita do método montessioriano, que funciona muito bem até os 5 anos ou 6 anos. Mas há escolas que se dizem montessorianas até os 15 anos. Contudo, Maria Montessori não elaborou um programa para isso. Se provarem que funcionam bem, ótimo. Sem provas, deve-se buscar outra coisa.

Como no ensino superior os alunos são adultos e têm, muitas vezes, uma boa base de conhecimentos, é possível trabalhar mais com as metodologias ativas e menos com aulas expositivas?

Sim e não. Essa tendência é muito forte no mundo inteiro. No meu próprio país isso começou há 30 anos. Tem um lado atrativo, mas, novamente, há sinais de interrogação sobre sua eficácia. Em minha cidade se discute muito a formação de Medicina, que adotou muitas dessas metodologias. Mas há indicativos de que os alunos estão aprendendo menos, de que o nível está baixando. Me parece normal que a cada três meses se faça um trabalho em equipe ou que se adote uma abordagem diferente de ensino Mas não o tempo todo, não sem garantir os bons resultados.

Há evidências sobre isso que a senhora falou sobre os cursos de Medicina?

Isso é o que dizem os professores universitários. A carreira de Medicina é muito difícil e sempre teve boa qualidade. Mas agora essa qualidade está em queda. As pessoas abrem os olhos e questionam o que está acontecendo com uma formação tão importante.

As metodologias ativas seriam mais pertinentes a algumas áreas, como a de negócios, onde faz mais sentido ter estudos de caso?

É compreensível que na área de negócios elas sejam mais utilizadas. Nesse campo, tudo está aberto ao futuro. Quando você faz negócios, não há uma receita clara, enquanto que em Medicina há conhecimentos muito precisos sobre o corpo, sobre as doenças, sobre os micróbios etc. Há uma enorme massa de conhecimentos que os alunos devem adquirir. Os conhecimentos são mais amplos e precisos, enquanto a economia é uma ciência social. Há teorias e exemplos, mas não tanta acumulação do que é preciso saber. Por isso poderia ser mais adequado o trabalho com estudos de caso na Economia. Minha sugestão é combinar o tradicional, com a figura do professor que dirige a aprendizagem, com algumas dessas atividades, desde que elas sejam bem pensadas e avaliadas.

A transdisciplinaridade, a multidisciplinaridade e a interdisciplinaridade são tendências muito fortes na educação, pois ajudam a tornar os temas de estudo mais palpáveis. Nesse sentido, a aula não pode ficar mais interessante?

Depende do que se aprende e, mais uma vez, é preciso avaliar os resultados de aprendizagem. As pessoas não se perguntam o que os alunos estão aprendendo com esses projetos e nisso corre-se o risco de perda de qualidade intelectual. Nessas abordagens, as matérias são estudadas a partir de um determinado tema, mas os eixos predominantes da geografia, da demografia, da história etc. não são necessariamente trabalhados. Às vezes isso pode ser bom, mas às vezes debilita o conhecimento. Realiza-se um projeto sobre cidades, outro sobre o mar, outro sobre as mudanças climáticas… Mas qual é a relação entre um projeto e outro? Em muitos casos, essa relação é débil.

As mudanças geracionais não contam? O fato de os jovens terem mais acesso à informação não demanda da escola uma mudança de postura?

Esse é um problema para muitas escolas e universidades. Mas acho que as escolas sucumbem demais aos desejos dos estudantes, em particular as universidades privadas e algumas estatais que enfrentam mais competição para ver quem atrai mais alunos. A formação em qualquer área, seja ela em filosofia, medicina ou literatura, tem que ser séria. Para ser um bom médico é preciso saber muitíssimo. A formação, portanto, deve ser guiada por metas e os alunos devem saber que eles terão uma responsabilidade.

A carreira de professor, por exemplo, é uma carreira que envolve a responsabilidade de guiar outras pessoas, então é preciso ter conhecimento. Acho que as universidades poderiam ser um pouco mais firmes com os alunos. Além disso, acredito que a maioria dos jovens cresceria muito com as demandas, pois eles querem cumpri-las, querem ser adultos responsáveis, querem fazer um bom papel na sociedade. Nesse contexto, os adultos, os professores universitários, precisam ser bons modelos e indicar-lhes o que é preciso fazer para se tornar bons profissionais. Muitas coisas mudaram, mas é preciso ressaltar as exigências das profissões, clarificar as coisas.

O modelo das escolas militarizadas, defendida pelo novo governo brasileiro, dá muita ênfase à disciplina e à autoridade do professor. Esse é um bom modelo?

As regras de conduta não são exclusividade das escolas militarizadas, pois elas são imprescindíveis para qualquer metodologia. Nem as velhas nem as novas funcionam sem um certo nível de ordem. A nova pedagogia teve um azar histórico, pois o auge delas aconteceu na década de 1960, período em que nos Estados Unidos e em todo o Ocidente o movimento de defesa dos direitos humanos estava muito forte. Isto se ampliou para a defesa dos direitos dos alunos contra a escola. Considerou-se que as crianças eram oprimidas e que, portanto, precisavam ser liberadas. Isto chegou muito longe em países como os Estados Unidos, como ilustra um caso que chegou à Suprema Corte de uma criança que havia escrito um texto com palavras obscenas e queria publicá-lo no periódico da escola. Ela alegava que tinha o direito de fazer isso, porque tinha direito a expressar-se. Isso é como dizer que os colégios não podem impor nenhuma regra de conduta. Isso coincidiu no tempo com o auge das novas metodologias, que foram prejudicadas por essa exasperação, que levou as pessoas demasiadamente longe. Beirou a anarquia em alguns casos, e na anarquia não funciona nenhuma metodologia, nem as antigas nem as modernas. Isso é entender mal o funcionamento da escola e o esforço mental de que uma criança pequena necessita para se concentrar e entender uma coisa nova. No primeiro ano, elas têm de aprender a ler e escrever, e isso requer um esforço mental enorme. Alguns falam que este é o maior esforço mental da nossa vida. Ajuda, portanto, se houver uma sala organizada e tranquila. Caso contrário, os que mais perdem são aqueles que não têm ajuda em casa e influências positivas.

No Brasil, o debate educacional está muito politizado e a defesa da escola tradicional ficou associada aos grupos de direita. Como se passa isso em seu país e na Europa, de maneira geral?

Isso se passa em todo o mundo Ocidental. Mas acho que avançaríamos nas discussões educacionais se deixássemos de lado essas etiquetas, que não convêm à aprendizagem. É uma fraude intelectual tentar politizar um assunto que pode ser comprovado. E quando a pedagogia se politiza, se ideologiza, ela deixa de ser científica. Isso oferece um grande perigo para a pedagogia, que está perdendo prestígio em comparação com as outras ciências. A pedagogia está perdendo status na universidade por causa disso.

A formação de professores vem sendo muito debatida em alguns meios sob o argumento de que os educadores precisam, justamente, se renovar. A senhora concorda com a necessidade de mudanças na formação docente?

Essa discussão está presente em praticamente todos os países, com exceção da Finlândia, Estônia e Países Baixos. E onde ela existe, as novas metodologias aparecem como uma imposição muito forte do governo. Na Suécia, me convidaram para elaborar um estudo sobre como reformar a formação docente e, para isso, estou analisando as reformas que foram feitas em diferentes países, pois acredito que será mais fácil aprender com o que os outros países fizeram. Vou escrever, por exemplo, sobre a Grã-Bretanha, que fez uma reforma muito interessante, sobre Singapura, Finlândia, Canadá e, possivelmente, sobre o Chile. Farei uma avaliação e indicarei quais medidas poderiam ser implementadas no contexto do meu país. Não há garantias, contudo, de que vão seguir meus conselhos.

Quais medidas a senhora deve recomendar? Quais reformas claramente precisam ser feitas?

Algo que seguramente entrará é a elevação das exigências para aqueles que querem se tornar professores. As pessoas que entram têm de ter mais
conhecimento, além de um nível cultural mais alto e uma linguagem mais elaborada. A ideia é fazer um teste ou definir um desempenho para os exames de conclusão do ensino médio, algo assim. Depois, na formação docente, outra exigência será por mais conteúdos das matérias que os professores vão ensinar, e menos pedagogia geral. Também está claro que se pode melhorar a parte prática, aquela relacionada à forma de trabalhar em sala de aula. É possível ensinar técnicas de como se relacionar com os alunos, como melhorar a maneira de dar aula, como fazer provas mais justas e fáceis de corrigir, como resolver certos problemas típicos etc. Nesse campo, também é preciso prever a presença de um mentor para ajudar aqueles que estão começando sua formação.

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Autor

Marina Kuzuyabu


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