NOTÍCIA
Instituições de ensino já atuam em suas comunidades com diversos programas. Agora, com a exigência de estruturar a graduação para a curricularização da extensão, podem aproveitar essas ações como parte integrante de suas diretrizes curriculares
Publicado em 19/07/2021
A curricularização da extensão cria uma nova obrigação, altera a estrutura da escola, mexe com a avaliação, mas deve ser olhada como oportunidade para melhorar a relação com o entorno da IES, e com a formação de seus estudantes. “Estamos contentes com a inovação. A importância da extensão vem desde a Constituição de 1988, com o tripé ensino-pesquisa-extensão. A extensão passa a ser o braço da universidade que vai além de seus muros, agora de forma vinculante, obrigatória.” Cassia Nakano Hirai, coordenadora adjunta de práticas jurídicas e atividades complementares da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, vem trabalhando com muito entusiasmo nessa mudança no currículo.
Nakano explica como está sendo isso no curso de Direito. “A partir de 2019, foi nomeada uma comissão com representantes dos programas e cada um trouxe as suas iniciativas e iniciamos um mapeamento do que já estávamos fazendo. Olhamos para as disciplinas práticas, atividades voluntárias e programas de bolsa. A gente está revendo tudo, porque, por exemplo, a disponibilização gratuita na internet de uma revista impacta pessoas. Quando vamos atender e aconselhar a população, não tratamos disso de forma assistencialista, mas queremos ouvir e aprender com o entorno.”
Fernanda Mesquita Serva, pró-reitora de pesquisa, pós-graduação e ação comunitária na Unimar (Universidade de Marília), no interior de São Paulo, se declara apaixonada pela extensão universitária, seu principal foco de pesquisa e atuação. Também autora do livro Extensão Universitária e sua Curricularização, diz que, embora sua implementação traga um senso de responsabilidade social, fazendo do aluno um agente transformador de seu entorno, a extensão deve ultrapassar conceitos unicamente assistencialistas, pois vai além disso. “Tem que ir para as empresas, olhar os problemas da comunidade, é mais do que serviço social. A extensão dá visibilidade para a instituição e reduz a evasão de alunos, porque eles se envolvem em projetos que fazem sentido para sua formação, além de abrir possibilidades de fomento interno e externo, de parceria financeira e interinstitucional como a prefeitura, a igreja e outras.”
A proximidade dos cursos com as empresas, sobretudo os da área de exatas, é muito maior, diz a coordenadora. “Apresentamos um projeto de como melhorar a mobilidade urbana na nossa cidade. Os alunos propuseram soluções e foram contratados por startups para executar projetos que já estávamos trabalhando nas disciplinas. Uma turma inteira foi contratada”, conta. “Essas empresas querem levar adiante várias ideias dos alunos, que temos desenvolvido nas nossas políticas de inovação. Então, a extensão não é apenas uma questão de responsabilidade social, é geração de negócios e oportunidade profissional para os estudantes”, conclui.
Segundo Nakano, a FGV está redigindo o regulamento para ver quem pode propor alguma ação, como se fará o acompanhamento, sempre levando em conta a avaliação, que será feita pelo Inep, pela própria instituição, para analisar se faz parte da sua missão, propósito, e contará também com a avaliação do aluno, para saber se agregou conhecimento. A Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) reúne dezenas de iniciativas que poderão fazer parte da extensão. No momento prepara-se uma lista para que os estudantes possam tomar conhecimento e saber que agora é obrigatório. Assistência jurídica a refugiados, a partir de um convênio com o Ministério da Justiça, é um deles. Na forma presencial, o aluno ajuda o candidato a refugiado no Brasil a preparar documentos para a entrevista. Outra iniciativa conveniada com a instituição internacional Innocence Project, busca onde pode ter ocorrido uma condenação com possibilidade de erro judiciário e pedir reabertura do processo.
Há quatro anos, a curricularização da extensão vem sendo discutida na Unimar e hoje já faz parte de todos os cursos da instituição – alguns ultrapassam os 10% da carga mínima exigida, segundo a pró-reitora. “Hoje, já conseguimos mensurar as boas práticas. Mesmo em cursos mais tradicionais ou disciplinas mais endurecidas, é possível fazer a implementação”, comenta a próreitora, Fernanda Serva. Um exemplo dado por ela foi a disciplina de direito empresarial, em que o professor montou equipes para o semestre, em busca de empreendedores em situação irregular na região, como donos de carrinhos de lanches, por exemplo.
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Um grupo buscou um caso concreto, levou para a sala de aula, discutiu com o professor o que era possível propor para o pequeno empreendedor regularizar seu ofício, e então o grupo voltou a falar com os empreendedores com as soluções. “Aí a pessoa pode aceitar ou não, porque às vezes gera custo ou não compensa. A partir daí, o aluno já consegue entender também outras realidades, do que é possível fazer ou não”, diz Serva.
Já na Unilins (Centro Universitário de Lins), a curricularização da extensão é um trabalho de uma comissão especial. Segundo o reitor José Queiroz, egresso da instituição, a pró-reitoria de extensão e ação comunitária juntamente com os coordenadores dos cursos de graduação (PROEXAC) é o órgão responsável por tais projetos na IES. “Desde 2001 já se desenvolviam algumas atividades na comunidade e o objetivo era levar o saber adquirido na universidade para alguns agentes da comunidade, gerando qualificação profissional”, conta.
Um exemplo disso é o curso de eletricista instalador residencial, ministrado pelos alunos de engenharia elétrica e tutores voluntários em várias regiões do Brasil. O reitor da Unilins explica ainda que, apesar da obrigatoriedade da extensão em todas as disciplinas dos cursos de graduação, a pró-reitoria abre editais para inscrição de alunos em extensões que não necessariamente fazem parte de sua matriz curricular.
Destaca-se aqui, o projeto de aquecedor solar de baixo custo para água utilizada em banhos, implantado no Centro de Ressocialização do município entre 2012 e 2017, sob orientação do próprio reitor e cuja participação não era obrigatória. Os estudantes pensaram numa solução que economizou quase R$ 95 mil em instalação, diminuiu os casos de adoecimento dos detentos no inverno, e ainda os capacitou a fazer o trabalho de manutenção. O sistema está em pleno funcionamento, atendendo 214 internos em Lins e já está sendo implantado em outros municípios.
O Cesupa já curricularizou a extensão na maioria de seus cursos e aliou a extensão com a metodologia do aprendizado baseado em projetos, pois, como disse a coordenadora, eles se adequam de forma muito oportuna. Trabalhar dessa maneira alterou a matriz curricular dos cursos de engenharia da produção e administração completamente. Estes atingem 12% e 22% respectivamente da carga de extensão e os alunos já não são mais avaliados por nota, mas sim, pelo seu desenvolvimento dentro do projeto: eles se reúnem com três professores de forma multidisciplinar (disciplinas integradas) e uma vez por semana com cada um deles separadamente, a fim de dar prosseguimento ao projeto.
Eles vão recebendo feedback constante desses professores e, ao final, recebem um parecer sobre sua atuação, que pode ser classificado como exemplar, satisfatório ou insuficiente. “É menos sala de aula e mais mão-na-massa. Temos aumentado a consciência de que o aluno também é responsável pelo seu aprendizado”, conta Abrahim.
Cassia Nakano diz que a prática jurídica é obrigatória na FGV. “Oferecemos a formação completa, não aceitamos estágios externos. Então, as atividades sempre ocorreram, mas de forma dispersa, e não organizada, sem regulamentação.” Outro exemplo de atividade na região é o mutirão que os alunos fazem para regularizar documentos dos imóveis na Bela Vista, bairro da capital de São Paulo também conhecido como Bixiga. “Com isso o estudante vai levar questões sociopolíticas para a escola, e aumentar a atuação na comunidade.”
Que a pandemia obrigou a readequação de todo modo de funcionamento e vida que existia antes dela, não há nenhuma novidade. Na Unimar, por exemplo, a pró-reitora conta que o que era possível foi transferido para o remoto, mas nenhuma extensão foi parada porque estavam bastante avançados nesse quesito. Mas o que é de caráter essencial, especialmente em cursos da área da saúde, continuou sendo presencial.
“Hoje, a Unimar é a grande parceira do município, ajudando na campanha de imunização que acontece no ginásio da própria universidade”, conta. Os alunos da Unimar também participaram da ação do Governo Federal na iniciativa O Brasil Conta Comigo, que convocou alunos de diversos cursos da área da saúde para ajudar no combate à pandemia. Lá, eles atuaram na barreira sanitária da rodoviária.
No Cesupa, a coordenadora Gisele Abrahim conta que, no curso de Medicina, desde o início já é proposto aos alunos o trabalho de atendimento e triagem de pacientes, que hoje está sendo feito remotamente, assim como no curso de Fisioterapia, que oferece atendimento e orienta sobre os exercícios online com idosos. E na Unilins, atualmente funciona uma clínica de enfermagem que antes era um espaço abandonado e que foi restruturado pelos estudantes de engenharia civil, por meio dos agentes da sociedade, que aprenderam o ofício de pedreiro com eles.
Para Gisele Abrahim, do Cesupa, a extensão permite que desde a graduação o aluno já pratique a profissão de forma a contribuir com o crescimento do seu entorno, resultando em uma formação mais completa e integrada. Em consequência, isso melhora os indicativos da IES. “O aluno sai muito mais preparado para o mercado. As empresas querem pessoas que resolvam problemas e por meio dos projetos de extensão, o aluno cria um olhar muito mais sistêmico. É uma oportunidade de mostrar para a comunidade que formamos profissionais mais completos e éticos”, aponta.
Os gestores foram questionados também sobre a geração de custos das extensões para a IES. “O que nós fizemos foi avaliar onde pode ter atividades e não acrescentamos carga horária. Tem dias que o professor precisa ir mais de uma vez ao local do projeto e aí tem acréscimo na folha dele, mas apenas por causa da pandemia é que temos que dividir turmas para seguir os protocolos de saúde. É algo pontual”, explica Abrahim.
Na Unilins, Queiroz conta que as soluções apresentadas e trabalhadas em empresas são custeadas por elas mesmas. E na Unimar, Serva diz que é gerado algum custo sim, mas que é importante as IES terem consciência de que as extensões e sua curricularização são um investimento que elas devem fazer. Todos ganham.
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