NOTÍCIA
Primeiras propostas já estão sendo analisadas
Publicado em 21/10/2019
Por Davi Franzon
Poucos cursos de graduação no país geram tantos debates quanto o de Direito. A formação de bacharéis no campo jurídico, cujo início no país data de 1827, já nasceu marcada por uma discussão acerca do local das primeiras salas de aula. À época, a decisão foi pela criação de faculdades em Olinda, depois transferida para o Recife, e em São Paulo. Essa origem atribulada percorreu toda a história da formação em Direito no Brasil. Os temas que hoje suscitam discussões estão ligados à quantidade de cursos existentes, ao número de bacharéis formados e, nos últimos meses, ao uso da tecnologia.
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De acordo com os números do Censo da Educação Superior de 2018, há 1.303 cursos de Direito, que, juntos, concentram 863.101 alunos. Na rede privada, trata-se do programa com maior número de matrículas – e isso pode aumentar com a liberação dos primeiros cursos de Direito a distância, uma novidade aguardada há anos.
Neste ano, o MEC recebeu as primeiras propostas de instituições interessadas na modalidade. Até o momento, o governo decidiu manter os pedidos para a criação dos cursos sob sigilo, o mesmo vale para a relação de IES vistoriadas. Procurado pela Ensino Superior, o órgão alegou que os dados estão protegidos por lei, e que todas as IES que se candidataram serão avaliadas pelas regras que compõem o Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior). A fiscalização levará em conta a adequação da metodologia de ensino, a infraestrutura física e tecnológica e a capacidade do corpo docente de realizar o plano pedagógico do curso.
Levantamento realizado pela reportagem localizou duas instituições que submeteram propostas: Unip e o grupo Laureate, que controla FMU, UniRitter, Anhembi Morumbi, entre outros. Ambas confirmaram o envio da submissão ao MEC. No caso da Unip, a decisão ocorreu após a universidade analisar a estrutura curricular e o modelo para oferta das atividades práticas e, dessa forma, garantir a qualidade do curso.
“Buscamos as formas de construção de problemas jurídicos a serem discutidos em chats e fóruns, a apresentação de casos jurídicos emblemáticos e oferta de conteúdo complementar, como palestras com juristas e a disponibilização, na biblioteca virtual, tanto da bibliografia clássica da área quanto atualizada”, informa a vice-reitora da Unip, Marília Ancona Lopez. O modelo proposto também prevê a existência de órgãos para permitir a prática jurídica, o conhecido estágio obrigatório.
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Lopez diz que a instituição tem acompanhado modelos de cursos EAD na Inglaterra, Estados Unidos e nos vizinhos da América do Sul. “Pelo que temos visto, as discussões dão prioridade para o modo de ensinar, buscando desenvolver uma linguagem característica da modalidade e evitar, dessa forma, a mera reprodução de aulas presenciais.” Ela garante que a estrutura tecnológica da universidade atende a todos os requisitos para garantir o curso a distância e a atualização constante das ferramentas. Ainda não há uma data definida para o lançamento do curso. Isso só irá ocorrer após a conclusão de todos os aspectos legais.
O grupo Laureate relata que tem trabalhado em uma proposta de Direito por EAD tendo como referência modelos adotados fora do país (principalmente Estados Unidos e Europa) e em sua própria experiência.
Na avaliação de Germano A. Schwartz, reitor do UniRitter, e de Manuel Furriela, reitor da FMU, a vivência em mundo globalizado gera alunos conectados a este cenário, o que exige uma reinvenção constante por parte das IES. Por isso, eles afirmam que o grupo tem realizado estudos contínuos para oferecer o melhor modelo disponível
Quando entramos no conteúdo das disciplinas, Schwartz e Furriela relatam que as instituições cumprirão todas as diretrizes do MEC e até mesmo as orientações defendidas pela OAB. A entidade de classe, segundo ambos, será procurada em momento oportuno para troca de informações e busca de melhorias. No caso da grade curricular, ela será adaptada para o modelo online. Também será feito um investimento na bibliografia virtual. No campo da prática jurídica, eles dizem que será disponibilizada a mesma experiência dos cursos presenciais. O grupo lembra que a iniciativa pode ser realizada presencialmente ou em ações simuladas.
Com relação à autorização para início das operações, eles informam que o MEC já fez as análises preliminares das propostas. Houve um despacho saneador e o formulário eletrônico foi preenchido. O próximo passo serão as visitas in loco da comissão de avaliadores. O grupo Laureate afirma que a oferta do Direito a distância tornará o curso mais acessível e democrático. Barreiras, em especial a da locomoção e a territorial, não serão mais um empecilho para os interessados na advocacia. O grupo acredita que o bacharel do EAD terá a mesma formação daquele que optou pelo curso presencial.
A liberação de cursos de Direito a distância é aguardada há anos pelo mercado, mas paira sobre o setor uma preocupação quanto ao impacto que isso terá sobre as IES de pequeno e médio porte. Caso as mensalidades do EAD sejam muito inferiores aos do curso presencial, como acontece em algumas carreiras, a migração dos alunos poderá ocasionar uma queda considerável nas receitas – que poderá ser pior no caso de transferência para outra IES.
Pedro Balerine, diretor de Inteligência Educacional da plataforma Quero Bolsa, acredita que as mensalidades poderão, de fato, cair, podendo ficar no patamar de R$ 150 a R$ 200. Esses são os valores praticados em cursos de grande procura e que não precisam de laboratórios. “Porém, também é provável que, diante da alta demanda, as instituições consigam praticar um preço mais elevado”, complementa.
Na visão de André Trindade, especialista em EAD, a redução das mensalidades poderá ter um efeito inverso, pois poderá reduzir a evasão. O aluno, antes de abandonar o curso por causa de problemas financeiros, encontrará no EAD uma saída para seguir sua formação. Ele acredita também que a chegada da formação jurídica a distância resultará em uma melhoria nos cursos presenciais. A concorrência, explica o especialista, levará a uma busca constante por qualidade no conteúdo e na estrutura oferecidos. “Com a chegada do EAD, os cursos de excelência seguirão entre os mais procurados.”
Os programas online ainda permitirão uma ampliação da experiência jurídica por meio dos núcleos de prática. No modelo presencial, o aluno, na maioria dos casos, fica restrito a uma ou duas áreas de atuação. “Quando você leva essa experiência para o ambiente virtual, ele pode praticar em todos os campos do Direito. É claro que a experiência presencial seguirá funcionando, e que você terá uma ampliação das fontes de vivência jurídica.”
Para isso ocorrer, contudo, não adianta replicar o modelo presencial no ambiente virtual; é preciso construir um modelo acadêmico diferenciado, moldado para atender a região onde se pretende atuar e o perfil dos alunos. “Quem oferecer mais do mesmo será colocado à margem no mercado. Não adianta gravar aulas e, depois, disponibilizá-las em um ambiente virtual. Comprar uma receita pronta amplia as chances de o projeto dar errado”, diz Trindade.
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