NOTÍCIA
As instituições de ensino superior também ficam mais inovadoras. Entenda a importância desse tipo de projeto acadêmico
Publicado em 17/12/2019
A breve biografia de Amanda Azevedo Fumagalli, estudante de Fisioterapia, é um exemplo contundente de como a pesquisa acadêmica de base, aquela desenvolvida ainda no âmbito da graduação, pode mudar para melhor o rumo de muitas vidas. Moradora de Praia Grande (SP), na Baixada Santista, a estudante de 22 anos deu um passo importante quando decidiu participar de grupos de pesquisa da Universidade Santa Cecília (Unisanta). O trabalho de iniciação científica desenvolvido com idosos atendidos pela rede municipal de saúde trouxe para Amanda diversos benefícios.
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A experiência com o meio contribuiu para que a aluna desenvolvesse novas habilidades, como fluência na leitura científica e facilidade na pesquisa de artigos, o que a ajudou muito na hora de desenvolver o Trabalho de Conclusão de Curso. Amanda também conseguiu uma bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – órgão de fomento ligado ao Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação – no valor de R$ 400,00, que a ajudou a pagar as mensalidades da faculdade e a custear uma pequena parte da pesquisa.
Todo esse esforço, que incluía conciliar os estudos com as atividades extracurriculares, rendeu grandes êxitos. A aluna foi uma das vencedoras da edição 2018 do Congresso Nacional de Iniciação Científica (Conic), promovido pelo Semesp, e, neste ano, teve sua pesquisa aprovada na seletiva da Alzheimer’s Association International Conference, importante conferência mundial sobre a doença realizada em Los Angeles, nos Estados Unidos.
O caso da Amanda contextualiza bem a importância da pesquisa para o desenvolvimento do aluno e, por consequência, de sua formação profissional, que pode derivar para uma carreira acadêmica, para o mercado de trabalho ou ainda para os egressos que optarem pelo caminho do empreendedorismo. Já para as instituições de ensino superior, a prática pode se tornar uma excelente ferramenta para a criação de um ambiente voltado à pesquisa e também para a captação de alunos para os programas de pós-graduação. Por fim, numa visão mais global, a pesquisa, no âmbito da graduação, tem todos os atributos necessários para contribuir com a expansão de uma cultura de inovação e com isso promover o desenvolvimento científico no país.
Por isso que os órgãos de fomento são tão importantes. É de consenso geral que não se faz pesquisa séria e de proporções significativas sem a utilização de recursos públicos. O país apostou nessa tese e, ao longo da última década, aportou, ano após ano, quantias cada vez maiores no setor.
O orçamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – fundação vinculada ao MEC – para concessão de bolsas de estudo, por exemplo, passou de cerca de R$ 550 milhões, em 2005, para R$ 6,6 bilhões em 2015. Contudo, essa cifra vem caindo como consequência da crise nas contas públicas e neste ano beirou a casa dos R$ 3,5 bilhões. O CNPq também sofre com o desequilíbrio fiscal. O órgão, que detém o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), enfrenta a possibilidade de não cumprir com os pagamentos de parte dos contratos vigentes.
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Apesar disso, esse cenário não é de todo negativo. O ensino superior privado pode e vem fazendo a sua parte para promover a pesquisa entre alunos de graduação. Há quase duas décadas, o Semesp se empenha na realização do Conic, aquele mesmo congresso que consagrou o trabalho da estudante Amanda com o prêmio de melhor pesquisa concluída na categoria ‘Ciências Biológicas e Saúde’. Neste ano, o evento chega à sua 19ª edição e consolida números bastante expressivos. Ao todo já foram apresentados 25.737 trabalhos por uma multidão de 39.451 alunos sob a supervisão de 13.588 orientadores.
E o Semesp não caminha sozinho nessa direção. Algumas instituições privadas seguem a mesma linha e apostam no desenvolvimento de uma cultura acadêmica voltada à pesquisa. Este é o caso da Unisanta, de Santos (SP), que tem essa proposta como base do seu modelo de ensino. Desde 2009, a instituição realiza o Congresso Brasileiro de Iniciação Científica (Cobric), que, neste ano, chegou à sua 11ª edição com 779 trabalhos submetidos por alunos de 10 estados diferentes, inclusive com a participação de estudantes colombianos. E este é só o elo final de uma cadeia de ações destinadas a promover a pesquisa.
Para a reitora da Unisanta, Sílvia Teixeira Penteado, a pesquisa precisa estar alinhada com os projetos pedagógicos da escola e, fundamentalmente, não ser trabalhada de maneira isolada. Inicialmente, algumas ações podem contribuir para o desenvolvimento dessa cultura. Sílvia explica que o aluno deve ser estimulado em tempo integral, dentro e fora de sala de aula. O acesso a grupos de pesquisa é uma boa forma para que o estudante busque um tema de interesse e crie uma rede de contatos com colegas mais experientes e orientadores.
Por fim, a divulgação ampla dos resultados contribui para que toda a comunidade acadêmica possa se inteirar sobre os projetos realizados e propor novos desdobramentos. “A multidisciplinaridade é salutar. Um aluno de Fisioterapia pode conversar com um aluno de Engenharia. Todos os projetos da Unisanta são divulgados, e com isso os alunos podem assistir a qualquer apresentação”, comenta .
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Os mais diversos tipos de eventos podem contribuir para disseminar essa cultura de conhecimento. Entre eles, destacam-se congressos, semanas acadêmicas, apresentações de TCCs, bancas de mestrado e doutorado, hackatons, entre outros tantos. Além disso, aponta Sílvia, a disponibilização de espaços dedicados, como laboratórios, departamentos voltados à iniciação científica e à aproximação entre universidade-empresa, institutos que auxiliem no pedido de patentes e incubadoras para startups podem completar essa corrente de inovação. “É toda a instituição que respira esse espírito. São vários estímulos. Vários momentos de incentivo”, completa Sílvia.
Foi nesse embalo de inovação que três colegas do curso de Engenharia Civil da Unisanta desenvolveram um projeto que virou negócio. Lucas Rosolini, George Souza e Kelvyn Valle tiveram a ideia de desenvolver um aplicativo para mapear a superfície de Santos, que tem um problema histórico de prédios tortos e com rachaduras devido a variações do solo.
Desta forma, antes de adquirir um terreno, o futuro comprador, acessando o APP, já saberia que tipo de edificação poderia construir. A iniciativa parecia ser promissora. O projeto, que, inicialmente, seria apresentado no Congresso de Iniciação Científica, ganhou força, transformou-se no TCC do trio e posteriormente numa startup que ficou incubada por três anos no Parque Tecnológico de Santos. Atualmente, recém-mudada para um escritório próprio, a empresa já está pronta para entrar no mercado. “Temos duas estratégias. A primeira é disponibilizar o aplicativo para fornecedores de sondagens reais, que lucrarão ao ter seus dados acessados. A segunda é para o construtor comum. Ele quer saber como é o subsolo. Com isso pode melhorar os cálculos estruturais e diminuir os custos”, explica Kelvyn Valle.
Essas ideias disruptivas, porém, não surgem do nada e sem algum tipo de esforço. Para a coordenadora do programa de pós-graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Regina Pires de Brito, os professores têm um papel fundamental.
“É preciso incomodar o aluno. Deixá-lo irritado, provocado, para que assim busque um problema. Tenho uma turma de 1º semestre e todos dizem que querem fazer iniciação científica. Digo para pensarem em um problema e depois conversarmos. A grande sacada é provocá-los para o pensamento”, explica. E a vida real pode ser um grande incentivo. A coordenadora lembra que um dos momentos mais férteis ocorreu logo após a ocorrência de um corte intenso de árvores na região do campus. Deste incidente surgiram diversos projetos. Alunos de Arquitetura e Biologia se uniram para tentar recuperar o espaço ocupado pelas árvores. Já os estudantes de Filosofia, História e Geografia se encarregaram de pesquisar o histórico do desenvolvimento da região.
Além do resultado final da pesquisa, a experiência da iniciação científica deixa marcas muito positivas nos alunos. Regina explica que os estudantes tendem a desenvolver maior senso de responsabilidade, aprendem a trabalhar em grupo e tornam-se mais criativos.
A convivência com orientadores e alunos doutorandos com vivência em pesquisa também é benéfica para o desenvolvimento acadêmico. Por este motivo que as atuais restrições dos órgãos de fomento, como Capes e CNPq, causam tanta apreensão no setor. “Fica um desafio para as instituições investirem no aluno de iniciação científica. Uma possibilidade seria oferecerem bolsas com descontos na matrícula”, sugere a coordenadora.
Já na visão do pró-reitor de Ensino, Pesquisa e Pós-graduação da Fundação Getulio Vargas (FGV), Antonio Freitas, uma solução viável e categórica seria a aprovação, via Congresso, de uma nova renúncia fiscal para empresas que investirem recursos para a concessão de bolsas. “Seria tipo uma ‘Lei Rouanet’ só que para pesquisa. Na falta de recursos públicos, é o que se pode fazer. É o dinheiro na veia. O recurso não precisa ir para Brasília. Vai direto para quem pratica o ensino e pesquisa”, opina.
No entendimento do vice-reitor, a iniciação científica deveria ser realizada já a partir do primeiro semestre da graduação. “Ela é absolutamente fundamental para qualquer curso superior. O aluno que faz iniciação científica tem maior chance de compreender as disciplinas ministradas e fica mais motivado”, ressalta. E este ‘entusiasmo’ pode dar início a um ciclo virtuoso. Segundo Antonio Freitas, os índices de evasão tendem reduzir pela metade e, mais empenhados, os alunos alcançam melhores notas no Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes).
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