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Preocupação de grande parte dos gestores, absenteísmo pode ser tratado com campanhas de conscientização e acompanhamento dos motivos de falta

Publicado em 05/08/2014

por Christina Stephano

Gustavo Morita
EMEF Amorim Lima, em São Paulo: depois de mudanças no projeto pedagógico, falta do docente é nula

Em um cenário no qual a ausência de somente um professor na escola pode afetar a vida de centenas de alunos, combater os níveis de absenteísmo é preocupação de muitos gestores. Para inibir as ausências, algumas escolas adotam medidas para controlar a frequência, como estabelecer canais de diálogo com docentes e alunos. Entre as de maior impacto estão desenvolver ações para conscientizar os professores sobre a importância de não faltar e investir em um planejamento para estar preparado para reposições repentinas.

Em estudo realizado para analisar as consequências das faltas de professores na rede estadual de São Paulo, Priscilla Tavares, professora da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, identificou que, a cada dez faltas do docente, a nota dos estudantes na Prova Brasil cai 5% em matemática. Isso significa que, em um exame que possui 50 pontos no total, a nota dos alunos pode cair de 2,5 a 3 pontos. Longe de ser uma situação hipotética, Priscilla assegura que os docentes da rede estadual de São Paulo costumam ter uma média de dez faltas no período letivo o que, para ela, afeta principalmente estudantes com perfil socioeconômico mais vulnerável. “Há uma tendência de que pais menos escolarizados e mais humildes incentivem menos seus filhos a estudarem. Com isso, os alunos mais prejudicados são os que mais precisam do professor”, alerta.

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Planejamento das aulas
No caso de docentes que se ausentam com frequência, a pesquisadora aconselha que os gestores observem a dinâmica de suas faltas. “Quando o profissional falta sem avisar sempre no mesmo dia da semana ou em vésperas de feriado é sinal de que as ausências são programadas, mas ele não as está tratando como se fossem”, diz. Nesses casos, quando o professor sabe que terá de faltar, ela sugere que os gestores programem e organizem as ausências, para que seja possível planejar uma atividade letiva substituta eficaz. “Programas organizados no improviso causam impacto no sistema de aprendizagem e servem somente para manter os alunos na sala.”

Outra estratégia que pode ser adotada é pedir aos docentes que façam o planejamento das aulas de todo o período letivo, documento que deve ser compartilhado com os coordenadores e equipe docente. “Dessa forma, em ausências súbitas, fica mais fácil desenvolver uma atividade conforme o andamento das aulas”, destaca. Apesar de considerar que as ações descritas podem minimizar os problemas causados pelo absenteísmo, Priscilla afirma, no entanto, que a legislação brasileira dá pouca margem de ação aos gestores escolares ao permitir, no caso do Estado de São Paulo, que os docentes tenham seis faltas abonadas.

A origem da ausência
Defensor de mudanças nas faltas permitidas por lei, o subsecretário de gestão de pessoas no Estado do Rio de Janeiro, Antoine Lousao, conta que a rede registra, em média, quatro mil ausências ao mês – no Rio de Janeiro, o professor tem direito a três faltas mensais abonadas. “No entanto, se somente 2% da rede de docentes falta uma vez no mês, gera impacto na vida de 40 mil alunos”, estima, com base em levantamentos da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro. Outro problema apontado por Lousao são as faltas continuadas e subsequentes, que geram processos de abandono de cargo. “Muitas vezes, o docente deixa a função pois sabe que será fácil reassumi-la quando quiser”, critica. “Melhorar os mecanismos de controle de frequência é também uma forma de justiça, já que a grande maioria dos docentes faz um trabalho sério e costuma faltar por razões justificadas”, analisa.

Para Luciana Martins Maia, diretora e coordenadora pedagógica do Instituto de Desenvolvimento e Capacitação Profissional (IDCP), é importante não somente controlar, mas também conhecer os motivos das faltas reiteradas. Se o professor estiver com problemas de saúde, diz ela, deve ser aconselhado a procurar atendimento médico. “Mesmo assim, é bom ficar atento para detectar se as condições de ensino não se relacionam ao mal-estar ou à desmotivação”, aconselha a profissional.

Quando a falta é avisada com antecedência, o ideal é providenciar a substituição do professor. Mas, se isso não for possível, também se pode distribuir os alunos em outras turmas, deixar um docente responsável por mais de um grupo, delegar a responsabilidade para funcionários de apoio ou criar atividades na sala de leitura, informática ou na quadra de esportes. “Se o professor não tem assiduidade, não chega no horário e não cumpre com suas obrigações, não poderá cobrar isso dos alunos. Esse é, inclusive, um momento oportuno para discutir com a equipe os direitos e deveres de cada um”, avalia Luciana.

Ela acredita que, aliado a problemas de desmotivação, o absenteísmo na rede pública também resulta do próprio caráter do emprego, que só desliga o docente em casos extremos e graves. “Com isso, se o professor trabalha numa escola pública em um turno e na privada em outro e tiver de faltar por conta de uma consulta médica, provavelmente faltará na escola pública”, acredita a profissional.

Absenteísmo zero
Inaugurada em 1956 no bairro do Butantã, em São Paulo, a EMEF Desembargador Amorim Lima se apoia em uma dinâmica diária de conscientização dos docentes para evitar ausências. Com isso, conseguiu reduzir seus níveis de absenteísmo a praticamente zero, depois de mudar seu projeto político-pedagógico, em meados de 2003. Inspirado na metodologia da Escola da Ponte, de Portugal, o conteúdo do ano letivo tem caráter multidisciplinar e é organizado por roteiros de pesquisa, baseados no material didático apropriado àquele período. Além disso, grande parte das aulas ocorre em quatro salões: um deles reúne os estudantes do primeiro ano; outro, os do segundo e terceiro anos; o outro, os alunos do terceiro, quarto e quinto anos; e, por fim, estudantes dos anos finais, até o nono ano. Os alunos se reúnem em grupos para realizar pesquisa de forma coletiva, mas respondem as questões formuladas pelos professores individualmente. Em cada salão, ficam de cinco a seis docentes – responsáveis por sanar dúvidas e orientar os estudantes no andamento de suas pesquisas – e de 40 a 100 alunos, sendo que as aulas expositivas ocorrem quando os docentes sentem necessidade.

“Como grande parte das aulas são coletivas, se um professor falta sem avisar, prejudica a dinâmica de toda a escola e o trabalho dos outros docentes”, explica a diretora da instituição, Ana Elisa Siqueira. De acordo com ela, as aulas coletivas partem de um conceito de docência solidária e geram consciência nos professores em relação aos impactos de suas ausências. A diretora – que junto com parte da equipe manteve o colégio em funcionamento durante os mais de 40 dias de greve da rede municipal de São Paulo neste ano – conta que, tendo em vista a importância do trabalho coletivo e solidário nos salões, as faltas criam dificuldades na dinâmica. “Porém, quando os professores se organizam antecipadamente, o problema das ausências pode ser contornado, pois eles se realocam nos diferentes espaços e momentos de aula durante o dia”, observa Ana Elisa.

Kedma Villar, diretora administrativa do Colégio Seriös, de Brasília, e especialista em gestão escolar, opina que a melhor prevenção para faltas propositais é atingida com a valorização do profissional. E essa valorização deve ser feita não apenas com aspectos financeiros, mas pelos investimentos em capacitação, abertura para projetos propostos, disponibilização de recursos didáticos inovadores e, principalmente, pela conscientização do professor de que sua assiduidade no trabalho interfere diretamente nos resultados de aprendizagem de seus alunos.

Para minimizar os impactos das faltas de docentes, a diretora conta que, no Colégio Seriös, os segmentos da Educação Infantil e Ensino Fundamental I possuem duas professoras por sala: a regente e a auxiliar. Quando a escola é informada da falta do regente, a auxiliar é convocada para assumir a turma, desde que o período seja inferior a 15 dias e com a supervisão da coordenação pedagógica. “Nesse caso, o impacto sobre os alunos não é tão grande, porque a auxiliar faz parte do convívio das crianças e conhece bem o andamento das aulas”, assegura Kedma.

Análise de currículo
Alexandre Crispi, CEO do Grupo Educacional Alub – que conta com 13 unidades de ensino em Brasília, entre colégios e cursinhos – opina que, muitas vezes, o problema de a escola contratar professores substitutos ou auxiliares é ter de pagar hora-aula mais baixa aos docentes regulares. “Escolas que contratam plantonistas para contornar problemas de ausências de última hora podem chegar a reduzir em 15% a hora-aula dos professores principais”, estima. Segundo ele, o Grupo Alub analisa o histórico de ausências dos profissionais antes de contratá-los. “Além de prejudicar o andamento do curso letivo, as ausências injustificadas danificam a própria imagem do docente”, avalia.

Como opção ao professor auxiliar ou substituto, Kedma, do Seriös, destaca que em casos de faltas nas séries iniciais, Educação Infantil ou Ensino Fundamental I, as aulas podem ser ministradas pelo próprio coordenador pedagógico ou por colegas da mesma escola, desde que sejam por curto prazo. Porém, nos casos do ensino fundamental II e ensino médio, onde as disciplinas são especializadas, essa reposição é mais difícil. Conforme Kedma, se o período de faltas for de apenas um dia, é possível inserir a aula de outra matéria no lugar, programando uma reposição, ou ainda, o coordenador pedagógico ou a orientadora educacional podem fazer uma atividade cujo tema seja de interesse da turma. Contudo, se o período de faltas for grande, é necessária a contratação de um professor temporário para assumir a turma. “Essa reengenharia é um transtorno para a gestão escolar, mas sempre deve estar prevista”, aconselha.

Autor

Christina Stephano


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