NOTÍCIA

Ensino edição 240

Os robôs já estão entre nós, inclusive no ensino superior

Professores virtuais, sistemas eletrônicos de controle de evasão e ferramentas que identificam alunos por biometria facial. A inteligência artificial chegou de vez e promete revolucionar o meio acadêmico

Publicado em 10/07/2019

por Jose Eduardo Coutelle

inteligencia-artifical-ensino-superior Foto: Shutterstock

“Olá, em que posso lhe ajudar?’, pergunta Eva, assistente de atendimento ao aluno do Grupo Estácio, logo nos primeiros segundos de acesso ao portal da instituição. Cordial e ágil, ela responde a diversas perguntas como a data do vestibular, o valor das mensalidades, calendário de aulas e até sobre os programas de pós-graduação. ‘Os cursos de mestrado e doutorado são disponibilizados na modalidade presencial e apenas para o Estado do Rio de Janeiro’, esclarece.

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Há pouco mais de seis meses atuando na empresa, Eva já detém uma infinidade de informações e está sempre pronta, 24 horas por dia e sete dias por semana, para atender alunos e demais usuários. Obviamente que, por esse turno contínuo de trabalho, Eva não poderia ser uma funcionária de carteira assinada. Trata-se, de fato, de um assistente virtual que utiliza inteligência artificial para simular o atendimento humano.

Décadas depois de ganhar vida na literatura e no cinema, a AI, sigla em inglês para inteligência artificial, deixou o campo da ficção científica e passou a integrar algumas das atividades mais comuns do cotidiano moderno. Lojas de varejo, companhias aéreas e até mesmo redes bancárias já aderiram à tecnologia.

Nesse embalo, algumas instituições de ensino superior deram o passo inicial para utilização de chatbots, programa de computador similar a Eva, e também de outras ferramentas que utilizam inteligência artificial, como tutores virtuais, sistemas de identificação por biometria facial e sistemas de retenção de alunos.

A visão cética de alguns autores sobre a evolução da inteligência artificial, principalmente em meados do século passado, deu origem a previsões sombrias. No filme 2001: Uma odisseia no espaço, de 1968, dirigido por Stanley Kubrick, o computador HAL 9000 boicota uma missão estelar e causa a morte de parte da tripulação. Longas como O exterminador do futuro, de 1985, e Eu, robô, de 2004, seguem na mesma linha apocalíptica de confronto entre humanos e máquinas. Nos dias de hoje, o que se percebe é que os processos de informatização, o que inclui a inteligência artificial, reduzem despesas com pessoal, permitem o atendimento personalizado e em tempo real e promovem inovação em todos os âmbitos.

No meio acadêmico, a tecnologia ganha ainda mais importância. Em um mundo com ambientes cada vez mais digitais, alunos, que se tornarão os profissionais do futuro, precisarão estar conectados com as novas ferramentas e tenderão a escolher instituições que invistam nessa área. Alguns números podem ir ao encontro dessa previsão. Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE, 74,9% dos domicílios brasileiros tinham acesso à conexão de internet em 2017 e quase que a totalidade deles, 93,2%, possuía aparelhos celulares ou smartphones, percentuais que tendem a estar ainda mais elevados considerando que os dados têm dois anos de apuração.

Tecnologia aliada

Especialistas afirmam que os computadores não substituirão o corpo docente, que continuará sendo fundamental no processo de ensino e aprendizagem, porém, com um perfil diferente. Para a executiva de Educação e Universidades da IBM Brasil, Alcely Barroso, a inteligência artificial vem para ser mais um aliado do professor, e não um substituto. “Atualmente o mercado espera duas competências dos alunos: o domínio da parte técnica e das inteligências emocionais ou soft skills. Com a AI, o professor vai poder despender mais tempo e ajudar no desenvolvimento dessa segunda parte”, comenta.

Seiji Isotani, professor da USP e especialista em inteligência artificial aplicada à educação, concorda com a opinião da executiva e ressalta que o professor do futuro terá um perfil ainda mais voltado à curadoria e à construção colaborativa, dedicando-se principalmente ao desenvolvimento do aluno – algo que já é realidade em várias instituições. “O modo como pensamos o ensino vai mudar completamente. Todas as atividades relacionadas à avaliação, como testes, poderão ser feitas com ajuda da AI. Não tem mais por que o professor passar exercícios. O importante será fazer com que o aluno pense em como resolvê-los, em saber como pensar o conteúdo”, destaca.

E justamente aqui entra o segundo gargalo: o perfil do estudante. Com o fim de aulas expositivas, o aluno precisa assumir uma postura mais proativa e se familiarizar com as novas tecnologias. “O aluno terá de se adequar. Provavelmente, essa mudança será muito mais importante para o aluno do que para o professor. Atualmente são poucas as carreiras que não exigem algum tipo de tecnologia. Até pedreiros precisam dela para fazer uma parede reta. Essa é uma tendência que vai acontecer e precisamos acompanhar esse crescimento”, prevê Isotani.

inteligência artificial no ensino superior
Adriano Mussa, diretor acadêmico da Saint Paul Escola de Negócios: algoritmo decifra a personalidade do estudante e o ajuda a aprender melhor (foto: Gustavo Morita)

Simples, mas nem tanto

De volta ao caso da Eva, a assistente virtual entrou no ar no final de 2018 e começou a operar desde então nos setores de atendimento ao aluno e vestibular do portal da Estácio. Desenvolvido pela Inbenta, empresa multinacional do ramo de inteligência artificial, o chatbot substituiu outra tecnologia de AI que não vinha tendo resultados esperados.

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O diretor de marketing e vendas da empresa no Brasil, Cassiano Maschio, comenta que a implantação do sistema é razoavelmente simples, porém, exige cuidados. Um dos principais, segundo ele, é a criação de uma parceria bem afinada entre desenvolvedor e cliente. “É essencial que a instituição de ensino participe do processo de desenvolvimento com seu pessoal técnico e da área de negócios para dizer qual estratégia deverá ser seguida. E ao longo do projeto, é importante que a instituição dedique alguém para acompanhar os possíveis ‘gaps’ que surjam”, conta.

Com a equipe formada, Eva logo começou a ser abastecida com dados pertinentes ao seu atendimento, incluindo aquelas informações já citadas no início da reportagem, como datas do vestibular, cursos oferecidos e valores de matrícula. O passo seguinte, este sim mais complexo, foi o de treiná-la para que compreendesse as diferentes formas de interação com os usuários.

Para dar uma resposta, Eva precisa, em primeiro lugar, entender a pergunta, e isso não é algo tão simples como uma linha de comando no computador. Para isso, ela precisou ser treinada para entender os diversos regionalismos, inclusive com os erros gramaticais mais comuns. Ao alcançar uma média elevada de compreensão, Eva iniciou as atividades de atendimento e seguiu desenvolvendo suas habilidades cognitivas de acordo com as novas interações.

Ainda jovem, com apenas um semestre de atividade, Eva está em fase de aprimoramento e, em breve, passará a estar integrada com todo o sistema da  Estácio. Desta forma, um aluno poderá solicitar a ela a nota que obteve em determinada disciplina ou ainda consultar o número de faltas. Além de tornar o acesso à informação mais fácil, a tecnologia se encarregará das solicitações mais simples e permitirá que o atendimento humano se dedique a questões com maior valor agregado.

O professor que era um robô e ninguém sabia

Uma das primeiras experiências do uso de chatbot em educação ocorreu em 2016 no Instituto de Tecnologia da Geórgia, nos Estados Unidos. O professor Ashok Goel, que ministrava um curso online sobre inteligência artificial, percebeu que grande parte das perguntas dos alunos no fórum da disciplina eram repetidas e já haviam sido respondidas. Foi então que teve a ideia de desenvolver um professor assistente virtual, que iria integrar a equipe com os demais oito docentes de carne e osso. Assim nasceu a Jill Watson.

Ao longo de um ano, Goel e sua equipe alimentaram o chatbot com as 40 mil postagens do fórum e treinaram Jill para dar respostas a cada uma das questões. Quando ela atingia 97% de certeza, a resposta era publicada. Rapidamente, a inteligência artificial não precisou mais da intervenção humana. O resultado foi tão positivo que os alunos só descobriram que se tratava de um professor robô ao final do curso.

O desenvolvimento de Jill, assim como de muitos outros chatbots, utiliza como base a ferramenta Watson (por isso o trocadilho com o nome), plataforma de serviços da IBM capaz de criar sistemas cognitivos de alta complexidade. Aqui no Brasil, um dos casos de maior sucesso é o da Saint Paul Escola de Negócios, reconhecido pela própria IBM como o uso mais intenso de AI em educação no país.

A instituição paulistana lançou em 2018 o Paul, avatar da tecnologia de inteligência artificial que opera em duas grandes frentes: personalização do conteúdo e descoberta de formas individualizadas de aprendizagem. “Sempre questionamos o fato de ensinarmos todos os alunos da mesma forma, como numa linha de montagem. Mas não necessariamente isso funciona mais”, explica Adriano Mussa, diretor acadêmico e sócio da Saint Paul.

Como se aprende melhor? Essa é uma pergunta difícil que, na maioria das vezes, nem a própria pessoa sabe se expressar sem cair no ‘achismo’. Porém, a tecnologia atualmente já consegue indicar uma resposta mais precisa para essa questão. Um algoritmo abastecido com informações pessoais é capaz de decifrar a personalidade do estudante utilizando o modelo Big Five, ferramenta do campo da psicologia que avalia características como abertura para novas experiências, extroversão, instabilidade emocional, conscienciosidade e agradabilidade.

No modelo da Saint Paul, o aluno cola textos autorais com cerca de 1,5 mil palavras e o Paul se encarrega da análise. Rapidamente o sistema identifica se o estudante tem maior probabilidade de aprender utilizando textos, vídeos, jogos ou quizzes, entre outros, e disponibiliza o conteúdo a ser estudado no formato mais indicado na plataforma de aprendizagem.

A segunda utilização da AI pela Saint Paul se refere à otimização do tempo. Afinal, ‘time is money’, expressão americana que se encaixa ainda melhor para uma escola de negócios. “Questionamos muito o fato de que um profissional tenha que rever um conteúdo já aprendido numa pós ou MBA. Por que fazer várias vezes? O conhecimento é bom, mas o tempo é escasso”, salienta Mussa. A proposta da instituição é que o aluno possa ‘pular’ esses conteúdos já dominados e com isso concluir mais rapidamente o curso. Aqui entra novamente a tecnologia. Em uma entrevista com o Paul, o aluno responde a uma série de perguntas e quando o sistema identifica que ele tem elevado grau de conhecimento na área é sugerido que avance para o módulo seguinte.

Sofia, o oráculo da evasão

Outra iniciativa inovadora do uso de AI no ensino superior é a do Ser Educacional. O grupo iniciou a implantação da tecnologia em meados de 2017 com o lançamento do avatar Sofia, um acrônimo para Software de Inteligência Artificial. Além das funções de atendimento e tutorias, disponível por meio de chat, dashboard e fóruns, ela, atualmente, iniciou treinamento para auxiliar nas atividades mais burocráticas, como na solicitação de documentos da secretaria.

“Quando disponibilizamos a Sofia, lá no início, percebemos que muitas dúvidas dos alunos não eram relacionadas a conteúdos de disciplinas, e sim a questões administrativas”, lembra José Alberto, diretor adjunto de TI do Grupo Ser Educacional.

Apesar dessas atividades, uma das aplicações mais intrigantes da Sofia é o Ser Retention Systems (SRS). Através de uma análise combinada com mais de 500 variáveis, o sistema, que mantém um banco de dados dos alunos em permanente atualização, consegue apurar com certa precisão quais são os estudantes com maior possibilidade de evadir. Parece ficção científica, mas o diretor de TI afirma que isso é plenamente factível. “Às vezes o modelo apresenta dados que jamais se pensaria que poderiam contribuir para a evasão”, comenta. Entre as principais variáveis, aponta o diretor, pode-se mencionar o número de faltas, as notas, o estado civil, a idade e a condição financeira do aluno.

Após soar o alarme vermelho de uma possível evasão, a Célula de Retenção – um departamento exclusivo para atender estes casos – é acionada e entra em contato com o aluno. O setor encaminha um funcionário, que também é estudante da instituição, para que, com uma linguagem mais próxima, consiga reverter a provável desistência. Caso obtenha sucesso, o profissional enviado segue acompanhando o aluno e semanalmente o sistema é atualizado, recalculando o percentual de chance de evasão de todo o corpo discente matriculado.

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Autor

Jose Eduardo Coutelle


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