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NOTÍCIA
A diferença entre a juventude e a velhice
Publicado em 29/02/2012
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Bashô é apelido; significa “bananeira”. Era a árvore favorita do poeta. Trata-se de árvore estranha: dá um cacho de bananas somente. Seu caule extremamente macio deve então ser cortado – o que pode ser feito com um único golpe de facão. Cortado o caule, de dentro do cepo velho nasce um broto que cresce e vira outra bananeira.
Eu havia cortado várias bananeiras que impediam o acesso a uma cachoeira, em Pocinhos do Rio Verde. Algumas semanas depois voltei àquele lugar, e esse hai-kai apareceu-me instantaneamente: “Bananeira cortada: no cepo velho um broto criança”. Entendi, então, a razão do gosto de Bashô pelas bananeiras: elas simbolizam a nova vida que brota sempre de dentro da vida velha, acabada. Foi isso que Bashô viu ao contemplar as cascas vazias das cigarras: de dentro da morte a vida nova nascendo. Nietzsche viu, entendeu e disse: “Somente onde há sepulturas pode haver ressurreições”. As cigarras são seres subterrâneos silenciosos – algumas chegam a ficar 17 anos enterradas sob a forma de larva. De repente saem da terra, arrebentam as cascas duras que as continham (eram ataúdes) e se tornam artistas, seres alados, cantantes. As lagartas, cuja vida se resume em devorar as folhas sobre que se arrastam, após esgotarem essa fase rastejante e gastronômica, entram num sarcófago que elas mesmas tecem, mergulham num sono profundo, e quando acordam não mais se reconhecem: tornaram-se uma outra coisa: seres coloridos, voantes de flor em flor, borboletas. Metamorfoses…
Acontecem sempre de repente – e embora não pareça, somos nós, seres humanos, aqueles que passam por elas com mais facilidade. Nossos corpos são mais leves que os animais, são feitos com uma mistura de carne e palavras. Basta que as palavras se alterem para que o corpo se metamorfoseie num outro. Barthes, quando jovem professor, ensinava os saberes que moram no mundo da ciência. Como tal era um erudito. Velho, entregou-se a desaprender tudo que lhe fora ensinado, a se esquecer dos conhecimentos que a educação havia colado no seu corpo. Esquecendo-se do que as escolas ensinavam, ele se tornou um sábio. É assim que ele descreve sua metamorfose de velhice: “Portanto, se quero viver, devo esquecer que meu corpo é velho… Periodicamente devo renascer, fazer-me mais jovem do que sou. Empreendo, pois, o deixar-me levar pela força de toda vida viva: o esquecimento. Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe. Vem talvez agora a idade de uma outra experiência, a de desaprender, de deixar trabalhar o remanejamento imprevisível que o esquecimento impõe à sedimentação dos saberes, das culturas, das crenças que atravessamos”.
Essa experiência tem, creio eu, um nome ilustre e fora de moda, que ousarei tomar aqui sem complexo, na própria encruzilhada de sua etimologia: sapientia, nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria e o máximo de saber possível. Mudam-se as palavras, muda-se o corpo. O corpo dos professores jovens é feito com as palavras da ciência. O corpo dos mestres velhos, que deixaram suas cascas no tronco das árvores para poder voar, é feito com as palavras da poesia. Educadores são como as cigarras. Há os professores jovens e há os mestres velhos. Professores jovens ensinam saberes. Mestres velhos não ensinam nada. Eles se dão a si mesmos para serem comidos antropofagicamente pelos seus discípulos.
*Rubem Alves
Educador e escritor
rubem_alves@uol.com.br