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NOTÍCIA

Arte e Cultura

A história da médica russa pioneira no estudo da psique infantil

Apesar de seu talento, Sabina Spielrein ficou mais conhecida pelo relacionamento teve com seu analista

Publicado em 08/08/2016

por Myriam Chinalli

jornada da alma 3 Sabina Spielrein teve sua vida retratada em dois filmes. Acima, a atriz Emila Fox no papel de Sabina, em cena que evoca suas experiências com crianças

Conheça a história de Sabina Spielrein , médica russa pioneira no estudo da psique infantil

Sabina Spielrein teve sua vida retratada em dois filmes. Acima, a atriz Emila Fox no papel de Sabina, em cena que evoca suas experiências com crianças

Médica, psicanalista e mu­sicista: Sabina Spielrein (1885-1942) exerceu essas profissões num período em que era difícil para a mulher exercer qualquer profissão. No entanto, a despeito do brilhantismo com que se profissionalizou, Sabina ficou mais conhecida pelo caso amoroso que teve com seu analista, Carl Gustav Jung, num momento em que havia poucos estudos sobre o elemento transferencial entre analisando e analista.

Em 1904, iniciou um tratamento com Jung. Seria a primeira vez que um tratamento psicanalítico se daria sem a supervisão direta de Sigmund Freud. Sabina tinha 18 anos e Jung somente 10 anos mais do que ela. Proveniente de uma abastada família russa, Spielrein desenvolveu, após a morte da irmã, um quadro psiquiátrico com variados sintomas – ria e chorava descontroladamente, punha a língua para fora, girava a cabeça, entre outros –, o que justificou seu encaminhamento pela família para o hospital Burghölzli, em Zurique, onde Jung começava a clinicar. A inteligência da jovem fez com que Jung visse nela a paciente ideal para experimentar o novo método proposto por Freud.

O tratamento foi um sucesso e em cerca de um ano Spielrein estava ocupando o lugar de assistente de seu analista e tendo com ele um envolvimento afetivo, além de ingressar na faculdade de medicina. Ela finalizou a faculdade com uma dissertação publicada em 1911 – “O conteúdo psicológico de um caso de esquizofrenia (dementia praecox)” – , com a ajuda e incentivo de Jung. Entre 1912 e 1920, publicou “Contribuições para o conhecimento da psique infantil”, onde aparecem análises de seu próprio mundo fantasmático infantil, pequenos artigos sobre o sentimento de vergonha nas crianças, o complexo de Édipo na infância, o tempo na vida psíquica subliminar, a simbologia animal e as fobias das crianças e outros temas do universo infantil. Teve uma carreira bem-sucedida como psicanalista, sobretudo de crianças, e como docente, publicando artigos em revistas de psicanálise e apresentando suas ideias em congressos internacionais.

O caso amoroso com Jung teve uma evolução tumultuada. A jovem médica viajou em 1911 para Viena, após a abrupta interrupção de sua relação com Jung. Lá, encontrou-se com Freud e recorreu a ele como mediador, o que o deixou em posição delicada, pois o “pai da psicanálise” precisava resguardar seu protegido Jung (naquele momento presidente da Associação Internacional de Psicanálise) de um escândalo que poderia atingir também a própria psicanálise, ao mesmo tempo que não podia ignorar as bem fundamentadas acusações e queixas éticas que Sabina lhe trazia. A intensa vida da jovem entre Jung e Freud deu margem a dois filmes de sucesso: Jornada da alma (Prendime l’anima, 2003), de Roberto Faenza, e Um método perigoso (A dangerous method, 2011), de David Cronenberg.

Em 1911, Sabina se casou com Pawl Naumowitsch Scheftel, um médico judeu aristocrático quase vinte anos mais velho. O casal foi morar em Berlim, em 1913, quando ela deu à luz sua filha mais velha. No entanto, esse relacionamento foi recheado de separações longas, tendo Scheftel ido morar na Rússia e forçado Sabina a mudar-se para lá, sob a condição de impor-lhe o divórcio. Scheftel teve, inclusive, depois de casado com Sabina, um relacionamento extraconjugal que gerou uma criança. Ao voltar para a Rússia e unir-se novamente ao marido, Sabina foi mãe pela segunda vez, de outra menina.

Pioneirismo na psicanálise com crianças
Já em 1912 Sabina começou a se interessar pelo terreno da psicanálise com crianças e publicou o artigo “Contribuições para o conhecimento da psique infantil”. Esse tema seria central em sua produção, dando origem a cerca de 10 artigos, entre os quais “A origem das palavras infantis mamãe e papai – sobre o problema da origem e do desenvolvimento da linguagem” e “Algumas analogias entre o pensamento da criança, o do afásico e o pensamento subconsciente”.

Spielrein foi analista do teórico da educação Jean Piaget durante 8 meses, em 1921. A análise acontecia todos os dias, com exceção dos domingos, às 8 horas da manhã. Segundo ele mesmo, a análise terminou por iniciativa dela, que dizia que ele não estava disposto a fazer análise, só discutir teorias. Depois disso, trabalharam juntos com Eduard Claparède no Instituto de Psicologia Experimental e de Investigação do Desenvolvimento Infantil Jean-Jacques Rousseau. Desenvolveram um trabalho sobre as origens do pensamento e da linguagem e uma teoria da simbolização que, contudo, nunca foi escrita.

Em 1923, Sabina partiria para sua terra natal, a Rússia, agora sob a revolução socialista, com a pressão do marido e com a indicação de Freud, que queria a psicanálise difundida por ali. Por intermédio de Trotski, que sempre defendera o desenvolvimento das investigações psicanalíticas, Spielrein foi muito bem recebida pelo governo operário. Foi convidada a dirigir a clínica psicanalítica para crianças, a inédita experiência do jardim de infância psicanalítico (conhecido como Lar Experimental para Crianças, Casa Branca ou Berçário Branco – estes nomes dados à instituição em função de as paredes e os móveis serem todos brancos). Ela também assumiu a chefia do departamento de pedologia (uma ciência soviética da época que estudava o desenvolvimento da infância, sob as ideias do marxismo e do freudismo), na recém-criada Universidade de Moscou.

A Casa Branca, ou Berçário Branco, foi criada pela pioneira da psicanálise na Rússia e uma das grandes figuras do freudomarxismo, Vera Schmidt, em agosto de 1921, sendo Spielrein convidada a trabalhar ali imediatamente após sua chegada. Nesse projeto educativo de ótica psicanalítica, levava-se em conta o fenômeno transferencial no relacionamento entre as crianças e os educadores e tentava-se instaurar uma relação mais baseada na confiança e na afetividade do que na autoridade. O sistema de educação tradicional fundado nos maus-tratos e nas punições corporais foi abolido e o ideal da família patriarcal severamente criticado, em proveito de valores educativos que privilegiavam o coletivo. As demonstrações afetivas, os beijos e as carícias eram substituídas por relações ditas “racionais”, mediadas pela palavra. As crianças tinham uma educação leiga e eram autorizadas a satisfazer sua curiosidade sexual. Os educadores eram convidados a não reprimir a masturbação e a instaurar com as crianças relações igualitárias. O programa previa que todos deviam ser analisados.

Cerca de trinta crianças filhas de dirigentes e funcionários do Partido Comunista foram acolhidas ali a fim de serem educadas segundo métodos que combinavam os princípios do marxismo e da psicanálise. Acredita-se que o filho de Stálin tenha estudado nesse centro, com nome falso. O ideal pedagógico preconizado por Vera Schmidt era a manifestação viva do espírito novo dos anos 1920, em que se tentava concretizar, depois da Revolução de Outubro, o sonho de uma fusão possível entre a liberdade individual e a liberação social: uma verdadeira utopia pedagógica. A experiência chegou ao fim em condições obscuras, acusada de perversão sexual. Em novembro de 1924, o casal Schmidt encerrou as atividades do Lar.

Spielrein redescoberta
Na Rússia revolucionária, a psicanálise viveu um período de glória, sob a proteção de Lênin e Trotski. Nesses anos, Sabina desenvolveu uma intensa atividade, atuando como analista didata, proferindo seminários e conferências. No entanto, nada se sabe de sua produção escrita dessa época. Ocupou mais dois cargos, além do já mencionado na cátedra de pedologia da primeira Universidade de Moscou: o de consultora médica pedagógica em uma vila de crianças e o de colaboradora científica no instituto psicanalítico estatal. Sua influência nessa época foi decisiva para pensadores como Vigotski, Leontiev e Luria, importantes pioneiros da psicologia soviética.

Em 1929, a Sociedade Psicanalítica Russa foi dissolvida. Nesse mesmo ano, o líder revolucionário Leon Trotski – que sempre havia lutado para que a psicanálise tivesse todo o espaço e os recursos necessários para se desenvolver no país dos sovietes – foi exilado. O stalinismo crescente significou também o fim das possibilidades de desenvolvimento da psicanálise na URSS, onde passou a ser considerada “ciência burguesa”. A partir desse ano, Spielrein foi proibida de deixar a Rússia.

Em 1936, a psicanálise foi oficialmente proibida pelo stalinismo. Impedida de praticar a psicanálise, Sabina retornou à música, à qual já havia se dedicado profissionalmente entre 1913 e 1918, durante a Primeira Guerra. Passou a dar aulas de música a crianças. Em 1937, seus irmãos foram deportados aos Gulags – campos de concentração criados após 1917 para abrigar criminosos e “inimigos” do novo Estado. Em 1942, durante a ocupação nazista, Sabina e suas duas filhas foram assassinadas pelas tropas alemãs. Ela tinha 56 anos.

Desde seu retorno à Rússia, nos anos 1920, Spielrein ficou no mais absoluto ostracismo. Apenas na década de 1970 o analista junguiano Aldo Carotenuto lançou um livro que relatava como a redescobriu e, dessa forma, a trouxe de volta para as atenções gerais. Hoje ela é vista como uma das pioneiras mais importantes na psicanálise e na educação. Inserida no mundo patriarcal da família e das ciências biológicas, foi uma das primeiras médicas e psicanalistas a serem autoras de conceitos importantes (o mais famoso deles foi a “pulsão de morte”, desenvolvido posteriormente por Freud), foi também compositora musical, deixando, além disso, um sólido legado no campo da educação, em que experimentou técnicas libertárias e emancipadoras. Apesar de ter sido vista como “doente” por muitos psicanalistas da época, a obra e a vida de Spielrein vêm sendo objeto de estudos, pesquisas e produções culturais, em seu inovador percurso intelectual, emocional, profissional e social.

Autor

Myriam Chinalli


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