Revista Ensino Superior | Como vencer o déficit de 75 mil engenheiros

NOTÍCIA

Edição 291

Como vencer o déficit de 75 mil engenheiros

Nos últimos dez anos, o Brasil registrou uma queda de 23% no número de estudantes em cursos de engenharia, num cenário em que há déficit de 75 mil engenheiros no mercado de trabalho. As IES traçam estratégias para mudar essa realidade

Publicado em 16/04/2025

por Ensino Superior

FEI Alunos na FEI: vice-reitoria defende um ambiente inclusivo e igualmente acolhedor para meninas e meninos (foto: divulgação/FEI)

Por Raul Galhardi 

A engenharia é uma área estratégica para países que buscam crescer inovando. Foi por meio da ciência e tecnologia que nações desenvolvidas criaram as condições econômicas que têm hoje. A busca por soluções para os desafios globais, como a sustentabilidade e a digitalização, abre um imenso leque de oportunidades para as diversas profissões do setor.

Entretanto, nos últimos dez anos, o Brasil registrou uma queda de 23% no número de estudantes em cursos de engenharia. De acordo com informações do último Censo da Educação Superior, do Ministério da Educação (MEC), em 2014 havia 469,4 mil ingressantes em graduações, número que caiu para 358,4 mil em 2023. 

Essa falta de profissionais se choca com a crescente demanda por engenheiros. Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) de 2023 estima que o Brasil tenha um déficit de 75 mil engenheiros, o que gera impactos em setores estratégicos como infraestrutura, tecnologia e energia.

 

Diagnóstico da queda

Renato Meneghetti Peres

Renato Meneghetti Peres, do Mackenzie, menciona que sem engenheiros, torna-se difícil manter ou melhorar a infraestrutura do país (foto: divulgação)

Esse fenômeno, que não se restringe ao Brasil, encontra causas específicas na realidade nacional. A desindustrialização vivida a longo prazo pelo país, a pandemia e as crises econômicas são fatores que têm contribuído para esse cenário. 

“É evidente que, com a redução da participação da indústria no PIB, sem profissionais de engenharia, torna-se muito difícil manter ou melhorar a infraestrutura do país ou desenvolver tecnologia para o mercado”, avalia Renato Meneghetti Peres, professor da Escola de Engenharia e coordenador dos cursos de engenharia de materiais e engenharia química da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Criada em 1896, a Escola de Engenharia da instituição possui hoje cerca de 3.000 alunos nos cursos de graduação e pós-graduação.

“A crise econômica dos últimos anos evidenciou o impacto do fator financeiro no ingresso de jovens em cursos de engenharia. Para garantir que haja um número suficiente de profissionais qualificados é preciso a ampliação de programas de bolsas de estudo e financiamento estudantil para cursos da área, ou ainda incentivos fiscais para empresas que invistam em programas de estágio e aprendizagem no setor”, afirma Michelly Souza, vice-reitora da Fundação Educacional Inaciana (FEI). Atualmente, a FEI conta com sete cursos de engenharia, incluindo engenharia de robô, criado em 2019 e o único no país.

 

Engenharia: investimento em tecnologia e pesquisa fortalece o curso

 

Um fator-chave que impacta diretamente na escolha profissional dos jovens é a dificuldade deles com disciplinas de exatas no ensino fundamental e médio. Segundo o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2022, cerca de 73% dos estudantes brasileiros de 15 anos têm dificuldades em resolver problemas matemáticos simples, estando abaixo do nível 2, considerado o básico. 

Apenas 27% alcançaram o nível 2 de proficiência ou mais em matemática – número muito abaixo da média de 69% alcançada pelos estudantes dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Os resultados do Pisa evidenciam uma defasagem no ensino básico de ciências exatas no Brasil”, analisa Michelly. Para ela, o encantamento pela engenharia tem início ainda na infância, quando as crianças exploram o mundo ao seu redor e questionam como as coisas funcionam. Por isso é necessário despertar o interesse delas por meio de atividades lúdicas que agucem a curiosidade e o desejo em resolver problemas reais. 

“O estímulo à criação e participações em olimpíadas e competições de engenharia pode colaborar para o interesse dos jovens pela área. Anualmente, a FEI sedia as etapas regionais e estaduais da Olimpíada Brasileira de Robótica (OBR). Esta competição envolve alunos de ensino fundamental e médio e colabora para o aumento do interesse das crianças e jovens”, afirma. 

 

Multiplicidade de visões

José Carlos de Souza Junior

José Carlos de Souza Junior, do IMT, afirma que é preciso corrigir a visão de que a indústria está associada necessariamente a tecnologias poluentes.(foto: divulgação)

A questão ambiental é outra barreira para o ingresso no setor, pois para muitos jovens a indústria é vista como o “lado sujo” da tecnologia. “Com a chegada da segunda fase da modernidade, os efeitos nocivos sobre o meio ambiente e males sociais que muitas indústrias geraram acabaram por conectá-las ao que aqui chamo de tecnologia ‘suja’”, explica José Carlos de Souza Junior, superintendente de Desenvolvimento Institucional e Acadêmico do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT). Fundado em 1961, o Instituto oferece 16 cursos de graduação, sendo 9 de engenharia, e possui 2.500 alunos, 1.600 deles nas engenharias.

Segundo o gestor, é necessário corrigir a visão deturpada de que a indústria está associada necessariamente a tecnologias poluentes. “É preciso entender a tecnologia como parte da solução dos complexos desafios com os quais hoje nos confrontamos, fazendo com que os cursos se apropriem das necessárias interconexões entre conhecimentos – não apenas técnicos, mas que extrapolem para outras áreas do conhecimento –, gerando uma experiência de formação profissional, cidadã e pessoal muito mais enriquecedora e atraente”, defende ele.

 

Formação em cursos STEM: a experiência do Vietnã

 

Entre os 16 cursos oferecidos pelo IMT,  12 compõem o chamado Núcleo de Tecnologia, enquanto relações internacionais e administração formam o de Negócios e Design e arquitetura e urbanismo  integram o de Artes Aplicadas. 

“É uma proposta educacional que integra os discentes e docentes das diversas áreas no endereçamento de problemas complexos, que para serem adequadamente resolvidos necessitam da multiplicidade de visões. Temos um engenheiro mais completo quando ele entende a complementaridade que nasce da atuação em conjunto com outras áreas da engenharia e de conhecimento complementares de Negócios e Artes Aplicadas”, explica Souza Júnior.

A integração entre as áreas é em parte garantida pela proposta pedagógica da IES, que utiliza entre 15% e 20% da carga horária dos cursos em atividades que reúnem estudantes das diversas etapas e formações. 

 

Diversidade e inclusão

Embora as mulheres sejam maioria (60,59%) entre os inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2024, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apenas 20% dos estudantes e profissionais de engenharia são do sexo feminino, segundo dados do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea). 

Para a vice-reitora da FEI, é necessário desmistificar a imagem da engenharia como uma área restrita a homens com um perfil profissional muito técnico. “Campanhas de divulgação podem mostrar a diversidade de áreas de atuação, os desafios e as possibilidades de carreira, além de destacar a importância social do trabalho do engenheiro, independentemente do gênero”, analisa. 

Para Sonia Guimarães, primeira professora negra do ITA e primeira mulher negra ph.D. em física no Brasil, a falta de diversidade e representatividade nos quadros docentes e administrativos é o maior problema dos cursos de engenharia. “Historicamente, esses espaços têm sido dominados por homens e brancos, o que se reflete nos processos seletivos para novos professores, nos quais frequentemente são aprovados candidatos com perfis semelhantes aos já estabelecidos.”

“Se há pouca diversidade nessas posições, não há como esperarmos um resultado diferente nas universidades no futuro. É urgente que haja um movimento para que os concursos e seleções tenham políticas afirmativas e que essa seja uma preocupação no cenário da educação”, defende a ph.D.

 

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Michelly Souza

Ampliação de programas de bolsas e financiamento estudantil são soluções apontadas por Michelly Souza, da FEI (foto: divulgação)

Outro caminho para aumentar a inclusão é a criação de ambientes que reconheçam e valorizem a atuação das mulheres e que mostrem modelos femininos a serem seguidos. “A excelência na área é também um fator de atratividade e retenção de alunas. Temos reforçado junto ao público jovem feminino o quanto as mulheres são necessárias dentro das carreiras das engenharias e trabalhado para que o ambiente do campus se torne mais atraente e estimulante para elas”, avalia Souza Júnior, do IMT.

No Mackenzie, a média de estudantes do sexo feminino supera a média nacional, chegando a 35% das alunas, informa Peres. “Na Escola de Engenharia desenvolvemos eventos que incentivam o protagonismo feminino, apresentando carreiras de mulheres que fizeram e fazem sucesso nos diversos segmentos da área”, afirma o coordenador do Mackenzie.

A vice-reitora da FEI destaca ainda a importância de se iniciar o incentivo ao estudo de disciplinas afins à engenharia desde a infância através da realização de atividades educativas e práticas que apresentem um ambiente inclusivo e igualmente acolhedor para meninas e meninos. 

“Na universidade, a criação de grupos e redes de mulheres na engenharia é importante para permitir o acolhimento e o compartilhamento de experiências, apoio mútuo e o fortalecimento do senso de pertencimento na área. Na FEI temos o projeto FEIanas SciTech, que reúne alunas e professoras das áreas de Ciência e Tecnologia com o objetivo de fortalecer a diversidade e a inclusão das estudantes”, diz Michelly. 

 

Buscar novos talentos 

A engenharia não é uma área isolada e se relaciona com outras áreas do conhecimento, como as ciências humanas e biológicas, o que amplia as possibilidades de atuação dos futuros engenheiros. 

É papel das IES estreitar laços com a escola básica, apresentando o ofício para os alunos do fundamental e médio de maneira atrativa, por meio de oficinas, competições e cursos.

“A articulação com o ensino médio é uma prática essencial para despertar o interesse e atrair o jovem para a engenharia. Com o intuito de colaborar com a disseminação de informações sobre a área, na FEI, além de palestras, oficinas e cursos nas escolas, temos um programa de Iniciação Científica Júnior que permite aos alunos do ensino médio realizarem projetos de pesquisa sob a orientação de professores universitários”, afirma Michelly.

De acordo com a vice-reitora, outra iniciativa que está em curso na fundação é o convite às escolas para participar do InovaFEI, evento de exposição dos projetos de formatura dos seus formandos. “O evento é uma oportunidade para que os jovens vejam o resultado de projetos desenvolvidos pelos alunos da FEI pensando nas necessidades das indústrias, do mercado de trabalho e de toda a sociedade”, pontua.

 

União das engenharias

Em novembro de 2024, o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) realizou o evento “Desafios e Oportunidades no Ensino da Engenharia”, que reuniu representantes do Instituto Mauá, Mackenzie, FEI e Poli-USP no Instituto de Engenharia, em São Paulo. No encontro, foi assinado um Memorando de Entendimentos (MOU) visando formalizar a colaboração entre as partes e partir para ações de combate ao déficit de engenheiros no país.

“Entendemos que neste cenário, em que sobram oportunidades para engenheiros e faltam estudantes na área, o CIEE pode contribuir para que o curso seja desmistificado e consiga atrair jovens talentos. O encontro foi apenas o pontapé inicial dessa iniciativa, que contará com outros eventos nos próximos meses”, afirma Mônica Vargas, superintendente nacional de operações e atendimento do CIEE.

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ITA inaugura campus no Ceará com novos cursos

Na contracorrente, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) está em expansão. Localizado em São José dos Campos, em São Paulo, é reconhecido nacional e internacionalmente pelos seus cursos de graduação e pós-graduação em áreas afins da engenharia e possui um dos processos seletivos mais difíceis do país.  

Há mais de dez anos, entretanto, entre 35% e 40% de todos os alunos aprovados no vestibular do ITA têm origem do Ceará. Na última seleção, o estado aprovou 40,5% dos candidatos. 

Após estudos técnicos de viabilidade, em setembro de 2024 foram iniciadas as obras da primeira etapa do novo campus do Ita Ceará, localizado em Fortaleza, primeira expansão do instituto para fora de São José dos Campos. A conclusão da obra está prevista para dezembro de 2026.  

A localização é estratégica, tendo em vista que o estado é um dos maiores produtores nacionais de energias renováveis e desponta no desenvolvimento do hidrogênio verde. O campus avançado em Fortaleza receberá dois novos cursos, além dos seis já existentes: engenharia das energias renováveis e engenharia de sistemas, cujos currículos serão baseados no de universidades de excelência no exterior. A expectativa é que, futuramente, o ITA Ceará passe a oferecer também um programa de pós-graduação.

 

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Sonia Guimarães

Para a professora do ITA, Sônia Guimarães, a falta de diversidade e representatividade nos quadros docentes e administrativos é o maior problema dos cursos de engenharia (foto: Dalila Dalprat)

O primeiro processo seletivo de acesso ao ITA Ceará já ocorreu, com a primeira turma sendo acolhida em 2025 e 2026 ainda no campus de São Paulo. Em 2027, após a conclusão das obras, as turmas serão transferidas à nova unidade para dar prosseguimento às atividades. 

Para Sônia Guimarães, uma das explicações para o bom desempenho cearense está na educação básica. “O Ceará é um dos estados com Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) acima da média nacional e vem há mais de dez anos mantendo índices altos. Uma educação básica melhor ajuda muito e nisso há muito o que aprender com o estado.”

Outro ponto levantado pela professora é a existência em Fortaleza de colégios com turmas específicas voltadas apenas para a preparação para o ITA, como o Ari de Sá Cavalcante e o Farias Brito.

Segundo o professor Leonardo Bruno, diretor de ensino do Colégio Ari de Sá Cavalcante, o grupo iniciou a sua primeira turma focada para o ITA no início do ano letivo de 2001. “O ITA possui um vestibular muito difícil no qual a matemática, física e química são avaliadas em um nível muito aprofundado. Isso por si só já evidencia a necessidade de um curso diferenciado”, afirma. 

 

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O aluno dessas turmas especiais tem a carga horária ampliada, principalmente nas disciplinas de exatas, e realizam atividades sete dias por semana. O curso possui 45 horas-aulas semanais distribuídas de segunda-feira a sábado, sendo aplicados simulados aos domingos. É realizado também um acompanhamento psicopedagógico devido à alta carga de atividades.

Já o colégio Farias Brito decidiu criar suas turmas preparatórias para o ITA em 1992. Hoje, a instituição tem três turmas presenciais com aproximadamente 80 alunos por turma. Também é possível que os estudantes assistam às aulas de forma remota.

“A carga horária é diferenciada e adequada, além da excelência dos professores altamente experientes nesses processos seletivos somada à excelência acadêmica dos alunos. Muitos deles brilham não só no ITA e no IME, mas também em olimpíadas regionais, nacionais, internacionais e nas melhores universidades do mundo”, afirma Tales de Sá Cavalcante, diretor-geral da Organização Educacional Farias Brito.

 

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Ensino Superior


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