NOTÍCIA
Pesquisador mostra que não é necessário ser fluente para ministrar no idioma. Com treinamento e prática, instituições podem avançar no processo de internacionalização
Publicado em 06/05/2020
Um dos mitos que travam o processo de internacionalização, a necessidade de professores 100% fluentes em inglês, acaba de ser derrubado. Uma pesquisa liderada pelo professor Ron Martinez, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), concluiu que o nível de proficiência B2 é suficiente para ministrar aulas no idioma. Trata-se de um nível intermediário, considerando o Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas. A escala, adotada principalmente nos países europeus, indica a capacidade de compreensão e expressão oral e escrita de uma determinada língua.
Outra conclusão relevante: um professor com conhecimentos avançados da língua, mesmo sem nenhuma vivência fora do país, é capaz de lecionar em inglês.
Martinez explica que, no exterior, muitas instituições têm políticas de nível mínimo de proficiência em C1, como nas nações escandinavas, Holanda e Alemanha. Mas adotar tal baliza no Brasil seria muito restritivo e contraproducente, impedindo o EMI (English as a Medium of Instruction ou inglês como meio de instrução) de avançar.
“O nível B2 é adequado ao contexto brasileiro e latino-americano. O peso do conhecimento e da didática do professor é maior que a fluência na língua”, avalia o pesquisador. Em seu experimento ele pediu para 22 professores darem aulas a 40 alunos avaliadores (27 brasileiros, nove estrangeiros não nativos, mas com bom nível de inglês, e quatro americanos).
Os professores com melhores e piores desempenhos obtiveram notas semelhantes entre os avaliadores brasileiros e estrangeiros. As avaliações discrepantes foram pontuais, mas ainda assim interessantes. O sotaque, por exemplo, incomoda aos brasileiros, mas não aos estrangeiros e nativos. Já o uso de palavras em português durante as aulas foi criticado pelos estrangeiros e não pelos brasileiros. “O sotaque não importa”, explica Martinez carregando o seu (ele é de São Francisco, nos Estados Unidos). “Conseguir explicar um assunto com didatismo e profundidade é muito mais relevante, por isso tivemos consistência nas notas de avaliadores distintos”, conclui.
Leia: Ensino superior: disseminação da covid-19 gera inovações e projetos de pesquisa
Um dos docentes que trabalha com EMI e leciona em inglês é o Plinio Marco De Toni, psicólogo e neurocientista da Unicentro, em Irati (PR). Há cinco anos, por iniciativa própria, ele começou a ministrar cursos em inglês para a graduação e pós. Mesmo tendo feito mestrado e doutorado no Brasil, o professor construiu e cultivou contatos com colegas e pesquisadores estrangeiros via internet.
“Eu tenho amigos e colegas em pelo menos dez países e queria aproveitá-los em minha aulas, colocando-os para trabalhar com os alunos”, conta. Como suas disciplinas são optativas, em inglês e sobre um assunto bem específico, não atraem muitos alunos, mas De Toni não desanima. “Na graduação tenho dez ou 12 alunos por turma, na pós eu já tive classes com apenas um”, conta, rindo.
Ele já ensinou para
alunos com inglês ótimo, mas que não gostaram do conteúdo e abandonaram o
curso. Por outro lado, também teve alguns estudantes com inglês mediano que se
interessaram pela disciplina e foram até o final. “Muitos percebem que o inglês
abre portas acadêmicas
e profissionais. Tenho um aluno que fez contatos e foi para o Canadá depois de
fazer meu curso, além de estudantes que conversam frequentemente com colegas e
professores estrangeiros”, comemora.
Tanto o professor De Toni como Martinez concordam que o apoio institucional é fundamental tanto para manter o EMI como em outros aspectos da internacionalização.
“Não dou aulas de inglês, leciono neurociência e é complicado preparar uma aula em inglês de duas ou três horas durante um semestre. É um desafio muito grande, surgem muitas dúvidas sobre a língua”, relata De Toni. “Os centros de línguas das instituições são insuficientes, não resolvem questões pontuais. São necessidades específicas aliando a língua inglesa, didática e prática de ensino”, diz o americano.
Por isso, Martinez sugere a figura de um professor ajudante, especialista em EMI, para auxiliar os demais em questões linguísticas e didáticas. Além disso, esse especialista poderia desenvolver uma rotina de feedbacks para alunos e professores, ajudando-os no progresso contínuo.
Ambos também defendem a total democratização do acesso às disciplinas em inglês, mas para isso precisaria haver um reforço da instituição no ensino do idioma, sobretudo nos dois primeiros anos iniciais dos cursos.
Também no Paraná, outra iniciativa, esta liderada por Eliane Segati Rios Registro, da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), se concentrou em investigar a avaliação das atitudes dos professores em relação ao contexto EMI nas universidades estaduais locais. O objetivo também era perceber como as instituições veem o processo de internacionalização. O projeto ocorreu entre novembro de 2018 e agosto de 2019 e envolveu 59 participantes em sete universidades, entre estudantes, professores, gestores e reitores.
A ação proporcionou treinamento e aulas de inglês para professores que depois ajudaram a estabelecer diretrizes para o uso do EMI. Com os critérios em mãos – criados por todos que estavam envolvidos no processo, dos alunos aos reitores –, a ideia é estruturar o desenvolvimento de EMI nas universidades estaduais e, no futuro, servir de modelo para o setor de ensino superior. “Fizemos uma pesquisa inicial para saber em que terreno estávamos pisando. Partimos de perguntas simples como: ‘O quanto preparado o professor se sentia? E os alunos? Quais as deficiências encontradas? Como corrigi-las?”, conta Registro. Os passos seguintes envolveram um curso de nivelamento online para os professores participantes. Depois, alguns dos docentes participantes ministraram cursos em inglês para serem acompanhados e avaliados. Um deles foi justamente o professor Plinio Marco De Toni. “Fiz o curso on-line de 40 horas, achei bem interessante”, diz.
Dentre
as conclusões que foram tiradas, uma das mais importantes veio justamente dos
gestores. Eles, de forma unânime, reconhecem que o apoio institucional é
central na arquitetura do EMI e da internacionalização. Entenderam e apoiaram
as demandas dos professores, como
assistência linguística e metodológica, alcance facilitado a materiais e
periódicos em inglês, aulas de inglês instrumental para ampliar a proficiência
garantindo um nível mínimo aos alunos e ampliando o acesso às aulas em língua
estrangeira.
Há ainda outras questões administrativas que, sobretudo na rede pública, são mais complexas para alterar, como carga horária em dobro para docentes adeptos do EMI e inserção das disciplinas em inglês na matriz curricular dos cursos. “Hoje as disciplinas são ofertadas livremente como cursos extras, não valem créditos. O interesse na validação dos créditos vem dos professores e estudantes. Validar os créditos é o próximo passo natural para sustentar o EMI”, explica a coordenadora do projeto. “Há muita coisa a fazer na parte institucional, pedagógica e administrativa, estamos cientes disso. Mas estamos caminhando para tornar o EMI constante em todas nossas universidades”, finaliza.
Pesquisa aponta que o diploma superior impacta positivamente o salário das pessoas