NOTÍCIA
"Não é certo, sobretudo do ponto de vista democrático, que serei tão melhor professor quanto mais severo, mais frio, mais distante e 'cinzento'" (Paulo Freire, 1996)
Publicado em 13/06/2022
Sempre vale afirmar que a educação ideal é aquela que desenvolve o ser humano de forma integral, em todas as áreas, ou seja, vai além da aprendizagem cognitiva, ajudando-o a desenvolver-se também na área social e emocional. Portanto, o propósito fundamental da educação – principalmente no ensino superior – é preparar pessoas para a vida e para a realidade das quais serão partes integrantes. É, sobretudo, prepará-las para lidar com as transformações, conduzi-las a uma crescente autonomia e desenvolver, em cada uma delas, as competências necessárias para que possam aprender a aprender.
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Nesse sentido, o território fundamental para essa relação de troca continua sendo a sala de aula – seja presencial ou online. Por isso mesmo, quando se trata de motivação e protagonismo do aluno no processo ensino-aprendizagem, o trabalho em sala de aula, necessariamente, precisa ter alterado aquele formato ainda comum nas universidades e faculdades em geral. Ou seja, é preciso mudar aquele modelo de educação tradicional que tem foco apenas no docente e no conteúdo da disciplina; um modelo absolutamente carente de atividades que estimulem a pesquisa e a troca de experiências e conhecimento; um modelo que não fomenta os projetos multidisciplinares e de extensão; e que não prepara o aluno para as exigências do mercado.
E essa mudança é possível. Observando as melhores práticas, o fazer pedagógico docente evoluiu. Nessa concepção, a sala de aula deixou de ser um espaço convencional. Passou a ser um ambiente de integração de saberes e compartilhamento de novos saberes, um local de construção de conhecimentos, domínio científico e profissional e de desenvolvimento das relações socioemocionais.
Claro, é indispensável reconhecer a complexidade da docência. Não é fácil no nosso século, marcado pelos avanços tecnológicos, lidar com a subjetividade dos alunos, suas diferentes linguagens, formas de interagir nas relações interpessoais e criar vínculos que possibilitarão um ambiente necessário para a aprendizagem requer, além do conhecimento didático e sobre a sua área de atuação. É preciso exercitar o chamado “jogo de cintura” para criar situações na sua prática pedagógica que possam estabelecer relações de cooperação, respeito e empatia.
Esses desafios têm sido motivo de debates – e não é de hoje. Basta recordar uma frase do professor emérito da Universidade de Leeds, o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), em uma entrevista realizada por meios eletrônicos pela pesquisadora Alba Porcheddu. Ele disse o seguinte:
“Nenhuma reviravolta da história humana pôs os educadores diante de desafios comparáveis a esses decisivos de nossos dias. Simplesmente não havíamos estado até agora em situação semelhante. A arte de viver em um mundo ultra saturado de informações ainda deve ser aprendida, assim como a arte ainda mais difícil de educar o ser humano neste novo modo de viver”.
E é exatamente o que testemunhamos ano após ano, exigindo mudanças estruturais na prática pedagógica e ajustes frequentes. Nesse contexto, o educador – além de desenvolver a capacidade de relacionar-se com os alunos estabelecendo uma relação de respeito, empatia, tolerância e escuta – deve criar possibilidades de confluência da tecnologia com todas essas informações disponibilizadas e o conhecimento científico necessário à preparação dos discentes.
É evidente que o desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação propiciou mudanças em todos os aspectos da nossa vida social e pessoal. Mudaram-se os valores, os pensamentos, as formas de agir, de interagir com o outro. Portanto, na sala de aula – local de grande diversidade em todos os aspectos – não poderia ser diferente. E nesse ambiente o docente precisa aprender todos os dias, no convívio com seus alunos, na relação de respeito e afetividade que estabelece durante o período em que leciona determinada disciplina.
Esse vínculo afetivo, normalmente, é diretamente proporcional à motivação e interesse que eles desenvolverão pela disciplina. É muito comum o discente passar a gostar de determinada área por identificar-se com o docente que a ministrou.
Vale citar o educador e filósofo Paulo Freire (1921-1997) no livro “Pedagogia da Autonomia” (Editora Paz e Terra, 1996):
“Significa esta abertura ao querer bem a maneira que tenho de autenticamente selar o meu compromisso com os educandos, numa prática específica do ser humano. Na verdade, preciso descartar como falsa a separação radical entre seriedade docente e efetividade”.
Tal visão, por suposto, não significa permitir todo e qualquer comportamento do aluno, pois reconhecer suas capacidades e seus limites também faz parte dessa relação. Refere-se ao ideal no processo de ensinar e aprender, pelo qual existe abertura ao diálogo, no compartilhamento de diferentes pensamentos, ideais, ideias e posicionamentos, em que sentimentos e emoções (inerentes ao ser humano!) são respeitados e, por fim, dentro desse contexto, o docente consegue atingir seus objetivos na construção de conhecimentos que terão significado para os seus alunos, que serão ampliados para a vida.
Ainda fazendo menção a Paulo Freire, no mesmo livro ele afirma o seguinte:
“O bom professor é o que consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a intimidade do movimento de seu pensamento. Sua aula é assim um desafio e não uma ‘cantiga de ninar’. Seus alunos cansam, não dormem. Cansam porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas”.
É esse o ponto. Quando se cria essa relação afetiva com os alunos, o docente abre um espaço para o desenvolvimento da inteligência emocional e a troca de experiências e emoções.
Podemos concluir que, muito além de transmitir conhecimento, mais importante é estabelecer essa relação de compartilhamento e empatia. É marcar a sua presença e deixar o seu legado.
Relembremos o psicanalista, educador, teólogo, escritor Rubem Alves (1933-2014): “Aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas porque a gente não esquece. O que a memória ama fica eterno”.
* Simone Bergamo é diretora-acadêmica do grupo Ser Educacional