NOTÍCIA

Edição 276

PNE para o próximo decênio está em discussão

Metas não foram atingidas. A pandemia atrapalhou, mas não só. O motivo mais grave foi o engavetamento.

Publicado em 12/07/2023

por Sandra Seabra Moreira

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O Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2014/2024, instituído pela lei nº 13.005/2014, definiu 10 diretrizes e 20 metas. Sim, é uma lei. E é isso mesmo: não foi cumprida. A pandemia atrapalhou, mas não só. O motivo mais grave foi o engavetamento. Tão grave quanto foi a quebra da cooperação entre os entes da federação, condição básica para o PNE seguir adiante, e o desmantelamento da participação da sociedade civil no monitoramento e formulação de políticas públicas para que os objetivos fossem atingidos.

A meta fundamental, que dá sustentação para todas as outras, é a 20, do financiamento: “ampliar o investimento em educação pública para o mínimo de 7% do PIB do país no quinto ano da lei (que institui o PNE) e para 10% no final do decênio”. De acordo com a agência de notícias do Senado Federal, o percentual foi de 5% em 2019 e de 5,1% em 2021. Houve contínuo decréscimo de verbas destinadas à educação desde 2016.

Natanael José da Silva

Natanael José da Silva, da Undimel (foto: divulgação)

“Em 2015, no momento da aprovação do PNE, estava muito em evidência que a descoberta do pré-sal daria ao país a oportunidade de alavancar investimentos na educação, em especial na educação básica. Não sabemos como explicar o desaparecimento dessa riqueza”, lamenta Natanael José da Silva, vice-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), de Pernambuco.

“Como isso desembocou nos municípios? Município e estado elaboraram seu plano com base nessa certeza de investimento. As metas atreladas aos planos municipais e estaduais também tiveram esse mesmo revés. Uma vez que não houve financiamento, isso foi comprometendo as metas dos municípios e dos estados, num efeito dominó. O avanço foi pífio.”

 

Leia | PNE: o presente e seu futuro

 

Silva menciona a fragmentação do Fórum Nacional de Educação, criado em 2010, para a elaboração e monitoramento do PNE. “A concepção de política pública é a construção dela a partir do cerne da sociedade. Estamos falando de um plano nacional que não foi deste ou daquele governo, mas foi a sociedade que construiu, assumindo para si essas metas como sendo prioritárias.” Fragmentado o FNE, a mobilização se manteve por meio da união de 45 entidades da sociedade civil organizada no âmbito do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE).

É dessa mobilização que surgiu a Carta de Natal, durante a Conferência Nacional Popular de Educação, ocorrida na capital do Rio Grande do Norte, em julho de 2022, com propostas entregues ao governo atual, no sentido de recuperar as estruturas democráticas que sustentam as discussões em torno da educação no país. Para o próximo decênio, “é bem provável que se retome o plano anterior”, afirma Silva.

Vitor de Ângelo

Vitor de Ângelo, do Consed (foto: divulgação)

“25% das metas foram alcançadas parcialmente, outras nem isso”, afirma Vitor de Angelo, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed). “É um fracasso completo.” Agora, importa saber por que as metas não foram alcançadas. “Se está disposto em lei e não foi cumprido, qual o motivo?” Para Angelo, “o PNE não foi a baliza para as políticas e esse é o problema de fundo.”

“Agora, há um acúmulo de demandas de oito anos. Não será em dois anos, num governo com altas demandas e baixa capacidade financeira, que as metas do PNE serão cumpridas.” Angelo menciona a crítica quanto ao PNE ser superestimado, com metas que deveriam ser mais bem desenhadas. “Não sei o quanto isso é real, mas vamos precisar de um novo plano decenal e essa é uma questão que deve ser colocada em perspectiva.” Para ele, entretanto, é necessário arrojo na estipulação das metas e, por outro lado, que sejam factíveis, para não haver frustração.

 

O sistema nacional de educação

 

Em tramitação no Congresso Nacional por meio do Projeto de Lei Complementar 235/2019, o Sistema Nacional de Educação está entre as prioridades do Consed enviadas ao atual governo. “Ele ajuda a administração do funcionamento dos entes federados, para que o PNE tenha uma estrutura, pois hoje ele só tem atribuições”, afirma Angelo. O SNE pode fazer a educação brasileira “sair das cinzas”. “É mais fácil, porque está no plano legislativo, uma mexida formal, uma lei que ajuda a organizar, distribuir funções, competências, criar espaço de discussão e deliberação”, detalha.

Garantir mais equidade, de recursos e de resultados, num país com tantas diferenças regionais é um dos objetivos do SNE. Márcia Aguiar, professora da Universidade Federal de Pernambuco e presidente da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), lembra que a criação do Sistema Nacional já estava prevista pelo próprio PNE. “Ainda há propostas tramitando. Provavelmente este ano teremos muitas modificações por meio de emendas até que realmente tenhamos um SNE.” Ela diz que deve prover um federalismo cooperativo, com responsabilidades bem definidas. Angelo concorda, “não tem jogo de empurra-empurra quando se tem uma comissão tripartite com os entes federados estabelecida em lei”.

 

Mestres e doutores

 

As metas 13 e 14 do PNE foram alcançadas. A ideia era elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação de modo a atingir a titulação anual de 60 mil mestres e 25 mil doutores. “Essas metas não foram ousadas, em 2014 esse patamar já estava próximo”, afirma João Ferreira de Oliveira, professor titular da Universidade Federal de Goiás (UFG). Houve, entretanto, uma reversão causada pela pandemia e sobretudo por cortes orçamentários, o que fez os índices baixarem. “A Capes perdeu 2/3 do orçamento, tinha R$ 9 bilhões em 2014, 2015, e agora está com R$ 3 bilhões. O CNPq caiu de R$ 4 bilhões para R$ 1 bilhão”, detalha.

Há cerca de dez anos, as pós-graduações experimentavam o impacto do programa de Reestruturação e Expansão das Universidade Federais (Reuni, de 2008 a 2012). “Entraram muitos doutores nas universidades federais, houve expansão da pós-graduação, com aumento de programas e matrículas, o que facilitou o atingimento dessas metas”, diz Oliveira.

 

A meta 12 e desdobramentos

 

A meta 12 previa chegar a 50% da taxa de escolarização bruta e a 33% da taxa líquida. De acordo com o Censo da Educação Superior do Inep, em 2021, apenas 17,7% dos jovens entre 18 e 24 anos, faixa que compõe a taxa de escolarização líquida, frequentavam o ensino superior, portanto, um percentual bem aquém da meta. “É a mais grave”, diz Oliveira, e aponta a tendência de expansão por meio dos cursos EAD como temerária. “Os resultados do Enade mostram que não havia grande diferença entre a qualidade da EAD e a presencial, mas com o crescimento acentuado da EAD ou híbrida percebemos claramente que a qualidade dos cursos ofertados teve uma queda.”

Luiz Dourado, também professor titular da UFG, diz que “isso se relaciona à flexibilização dos marcos para a educação a distância, a partir de 2016”. Retomar essa discussão é um desafio. A Resolução nº 1, de 11 de março de 2016, do Conselho Nacional de Educação (CNE) estabelece as diretrizes e normas para a EAD. “Essa resolução foi um grande esforço da Câmara do Ensino Superior, mas esses critérios foram flexibilizados por decreto e normativas posteriores.” “E não se trata de uma oposição à EAD, mas é constatação das pesquisas de que a maior parte do que se faz de EAD no Brasil não atende minimamente ao que seria o parâmetro de EAD”, explica Dourado. A redução da EAD a uma metodologia e a ideia de que a tecnologia é um fim em si mesmo ou que uma excelente plataforma equaciona a questão são agravantes.

Para os professores, o desafio que se coloca no ensino superior é, também, a retomada da expansão e interiorização da educação superior pública, prevista em 40% pelo PNE. Trabalho a ser feito não falta. Márcia acredita que o momento é positivo. “Vamos ter um diagnóstico, saber quais são os gargalos, os problemas, e formular uma política para enfrentar tudo isso.”

 

Autor

Sandra Seabra Moreira


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