Educação

Colunista

Karina Tomelin

Educadora, psicóloga, pedagoga e mestre em educação

Como motivar os estudantes na aprendizagem ativa

É fundamental que os professores mostrem aos estudantes evidências da importância do aprendizado ativo para a efetivação do aprender

Estudantes Observar o nível de conhecimento dos estudantes sobre um tema é fundamental para que possam aprender novos assuntos

No divã: Jefferson Aparecido Dias, professor de Criminologia e de História do Direito para o primeiro ano do curso de Direito na Universidade Marília.

 

Jefferson Aparecido Dias

Jefferson Aparecido Dias

Sou formado em Direito, com graduação, mestrado e doutorado na área. Comecei a lecionar há muito tempo. Também sou Procurador da República. Logo após assumir o cargo, recebi um convite para lecionar Direito Administrativo. Na época, fiquei bastante assustado, pois, durante minha graduação, essa não era exatamente a minha disciplina preferida – na verdade, era uma das que eu menos gostava. No entanto, acabei lecionando Direito Administrativo por um bom tempo. 

Essa disciplina é geralmente oferecida no final do curso, e foi então que comecei a explorar metodologias alternativas, como as ativas e a sala de aula invertida. Estudei bastante e tentei implementar abordagens mais inovadoras, mas tive pouquíssima adesão dos estudantes. Eles estavam acostumados com a metodologia tradicional que vinha sendo utilizada nos primeiros três ou quatro anos do curso e resistiam às mudanças. Sempre que propunha algo novo, vinham até mim e sugeriam um “pacto”: pediam para que eu voltasse a ensinar “do jeito normal”, para que eles pudessem fazer as provas como antes e assim todos ficariam felizes.

 

Docência no divã #7: Como criar experiências de aprendizagem integradas com as IAs

 

Contudo, eu recusei, decidido a não retornar ao método tradicional de ensino, e solicitei à direção da universidade que me colocasse nos primeiros anos do curso. Na época, a única disciplina disponível era Criminologia, então aceitei. No semestre seguinte, a opção era História do Direito, e eu também aceitei. Hoje, sou professor de Criminologia e de História do Direito para o primeiro ano do curso de Direito na Universidade Marília.

Percebi que há uma adesão muito maior dos estudantes que vêm do ensino médio. Quando propomos desafios a eles, inicialmente podem estranhar, mas acabam aceitando muito mais facilmente, pois ainda não têm expectativas formadas sobre a universidade. É gratificante ver que eles não só aderem às metodologias diferenciadas, mas começam a exigir o mesmo dos outros professores nos próximos anos, rejeitando o estilo de aula tradicional. 

O desafio está em engajar o estudante a participar de práticas inovadoras. Minha grande pergunta é: como podemos ajudar os alunos que já estão avançados no curso a aceitarem e se envolverem com metodologias ativas?

 

Na teoria

 

Jefferson, que desafio. Parabéns por não ceder aos apelos dos estudantes em seguir métodos tradicionais de ensino. Não tenho dúvidas que teria sido mais fácil para você, mas com certeza menos gratificante. Como professores, precisamos acreditar na metodologia e nos revestir da autoridade docente para que, de forma legítima, os estudantes compreendam o que estamos fazendo. 

Sua pergunta me lembrou de uma história. Certa vez, falava para professores em uma Universidade de Minas Gerais. Ao final do encontro, lembro-me de um professor de odontologia que fez uma pergunta parecida com a sua. “Como fazer para lidar com as resistências dos estudantes a métodos ativos de ensino e aprendizagem?” 

Na época, fiz a ele a seguinte pergunta: acaso eu, indo ao seu consultório para fazer um tratamento de canal, questionarei o método utilizado para resolver meu problema? Quando vamos ao dentista, que certamente é de nossa confiança, não questionamos seus métodos, a não ser que eu seja da mesma área e queira debater cientificamente as abordagens utilizadas para um tratamento de canal. 

Agora, por que, para muitos professores, ser questionado na sala de aula é recorrente? Levantei algumas hipóteses aqui para refletirmos.

 

  • Viés do status quo: sem dúvida, mudar sempre gerará resistência. Isso está relacionado com o funcionamento do nosso cérebro. Ele reconhece os caminhos já colocados e tudo o que sai da normalidade exigirá mais energia. A verdade é que nosso cérebro não é projetado para pensar e tentará evitar que você tenha que fazer isso. Isso serve tanto para estudantes quanto para nós, professores. Investir em novos recursos, aplicativos e metodologias requer mais gasto energético, além da incerteza do sucesso ao final. Como você pontuou bem, os estudantes em final de curso, desejosos de se formar, não querem mudar as já conhecidas regras do jogo. 

 

Docência no divã #6: Como aproveitar as características individuais e coletivas dos estudantes?

 

  • Reconhecimento da autoridade docente e criação de vínculos: mudar a sala de aula exige um ambiente afetivamente engajante por parte dos estudantes e o reconhecimento do professor como aquele que sabe. O professor precisa estar revestido da autoridade. É preciso confiar o processo pedagógico, nossa aprendizagem ao professor, da mesma forma que confiamos nosso imposto de renda ao nosso contador, ou o projeto de uma casa ao nosso engenheiro. Assim, o estudante precisa reconhecer o professor como aquele que sabe. Sabe não somente da sua área de atuação, mas também sobre a ciência da aprendizagem e sobre as estratégias de ensinar e aprender. 

 

  • Mudança do papel docente: para alguns professores, o trabalho docente consiste em ensinar. Já ouvi de alguns, por exemplo: “ensinar eu ensinei, se não aprendeu, não é problema meu”. Ocorre que, atualmente, com o conteúdo posto e acessível, podemos aprender de inúmeras formas, e o papel do professor é nos apoiar na ampliação das nossas competências, direcionando e potencializando a nossa forma de aprender para que possamos lidar com os desafios e problemas que enfrentaremos no futuro. Para isso, ele precisa conhecer mais de ciência do aprendizado, saber como os seus alunos aprendem, como o cérebro funciona e, ainda, como podemos engajar a atenção dos estudantes em uma época de economia da atenção. 

 

Na sala de aula

 

Então, diante disto, quando os estudantes nos questionam sobre os métodos de aprendizagem ou mesmo para quê estudar determinado assunto, temos que ter claro o motivo pelo qual ensinamos. Para te ajudar, selecionei alguns argumentos.

 

  • Quando nos questionam sobre o uso de métodos ativos de aprendizagem:

 

É fundamental que nós, professores, conheçamos os estudos que comprovam e fundamentam o porquê das metodologias ativas melhorarem a aprendizagem. Mostrar para os estudantes dados, evidências da importância do aprendizado ativo para efetivação do aprender pode ser fundamental.  Veja alguns exemplos: 

 

Estudo  Síntese
Por que ensinamos ciências de maneira errada e como consertar isso 

Waldrop (2015) 

O artigo faz uma defesa da aprendizagem ativa, trazendo evidências de melhora das notas dos estudantes em 20%.
Eficácia da aprendizagem ativa nas artes e ciências. 

Mello, D. Less, C. (2013) JWU

O artigo traz dados de 85% de aprovação dos estudantes nestas disciplinas contra 55% no método tradicional. 
Russell, SH, Hancock, MP e McCullough, J. (2007). Pesquisa realizada com 4.500 alunos que  relatam 68% de aumento no interesse por uma carreira STEM 
A aprendizagem ativa funciona? Uma revisão da Pesquisa

Miguel José Príncipe (2004)

51 pesquisas que comparavam métodos de ensino ativo com métodos tradicionais. 

O aprendizado ativo resulta em melhorias no desempenho acadêmico dos alunos e na retenção de conhecimento a longo prazo.

A aprendizagem ativa aumenta o desempenho dos alunos em ciências, engenharia e matemática

Freeman, Eddy, MacDonough e Wenderoth (2014)

225 estudos sobre ensino ativo versus ensino tradicional. Os resultados indicaram um aumento no desempenho dos alunos, com uma média de 6%.

 

  • Outro questionamento que coloca em xeque a autoridade docente é: “pra que eu preciso disso?”. 

 

Muitos estudantes desejam a aplicação prática de todos os conteúdos e isso nem sempre é fácil de demonstrar. Ocorre que, para o desenvolvimento do raciocínio lógico e da resolução de problemas, o estudante precisa ter um repertório para isso. Para você ser criativo, pensar bem, argumentar em um debate, é preciso conhecer os fatos. 

 

Docência no divã #5: Como evitar o burnout docente?

 

Estudos mostram que as pessoas compreendem muito melhor o que leem se já tiverem algum conhecimento prévio sobre o assunto. Significa que a aprendizagem se torna mais efetiva e a informação será retida mais facilmente se conseguir conectar com conhecimentos que o estudante já tem. Muitas vezes, pode ser desanimador para nós, professores, saber que nossos alunos não lembrarão de muita coisa de nossas aulas. Isso é verdade, mas não significa que esquecerão de tudo ou o que foi ensinado foi em vão, já que este conhecimento formará base para outros. 

Compreendemos novas coisas no contexto de coisas que já sabemos. Observar o nível de conhecimento dos estudantes sobre um tema é fundamental para que possam aprender novos assuntos, já que cada nova ideia é construída sobre aquelas que o estudante já conhece. Assim, quanto maior o repertório e conhecimentos prévios, mais fácil será aprender.

Segundo Daniel Willingham, bons educadores têm duas qualidades: eles são capazes de se ligar pessoalmente aos seus alunos e organizam o conteúdo de maneira a torná-lo interessante e de fácil entendimento. Uma forma de apoiar os estudantes é promover ações que dividam o tempo de estudo, melhorando a memória e desenvolvendo estratégias que considerem os níveis de dificuldades compatíveis com as habilidades deles. 

LivroSem dúvida, conhecer como eles aprendem e como atuar para melhorar o desempenho dos estudantes é fundamental. Por isso, o livro que indico para você é do Daniel Willingham, chamado “Por que os alunos não gostam da escola?”. Uma provocação a todos os professores a pensar como gerimos nossa sala de aula trazendo evidências da importância do papel do professor na construção de experiências de aprendizagem ativas com base na ciência cognitiva.

Esse foi o Jefferson no Divã, o próximo pode ser você! Envie seu relato para mim e participe das próximas colunas.

 

Karina Nones Tomelin

Educadora, psicóloga, pedagoga, mestre em Educação. Colunista na Revista Ensino Superior

 

Por: Karina Tomelin | 22/11/2023


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