NOTÍCIA
O desenvolvimento científico é galopante. Às vezes, há descobertas importantes de uma semana para outra. Se a universidade não inova e se mantém numa metodologia muito clássica, não atende à demanda
Publicado em 18/07/2024
“Ecossistema” é a palavra-chave para definir o resultado do uso de todo o potencial tecnológico disponível hoje em dia, promessa de um contexto disruptivo que aponta para a possibilidade e também para a necessidade de inovação de processos em todos os âmbitos da universidade. A tecnologia por si só, embora imponha e proporcione a mudança, não determina a criação da sinergia que caracteriza esses ecossistemas. É preciso que uma decisão – estratégica – pontue as transformações, para que elas deem resultados.
“Inovação abrange aprimorar tecnologias e métodos de aprendizagem em todos os níveis do ensino superior – graduação, licenciaturas, programas de pós-graduação stricto sensu, cursos de lato sensu e a cultura e extensão universitária”, afirma Maria Cristina Teixeira, pró-reitora de pesquisa e pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). A inovação está há anos no plano de desenvolvimento estratégico do Mackenzie.
“O desenvolvimento científico é galopante. Às vezes há descobertas importantes de uma semana para outra. Se a universidade não inova e se mantém numa metodologia muito clássica, não atende à demanda”, explica a pró-reitora. A inovação também influencia os processos administrativos, de gestão e se relaciona, ainda, ao impacto social que a universidade gera.
Na área administrativa, há o desenvolvimento de softwares e aplicativos para aprimorar e dar mais celeridade aos processos de gestão. “Montamos um sistema de gestão altamente aprimorado que permite avaliar, monitorar em tempo real tudo o que se faz de pesquisa na universidade. Temos um arcabouço tecnológico que permite que tenhamos essa interface com empresas e empreendedores”, relata Maria Cristina.
Leandro Augusto da Silva, coordenador de fomento à pesquisa da pró-reitoria de pesquisa e pós-graduação, conta que a tecnologia consegue reunir num único repositório todos os dados das pesquisas. “Conseguimos ter os dados dos professores, dos projetos de pesquisa, da iniciação científica, dos grupos de pesquisa, dos bolsistas de produtividade, dos programas de pós-graduação, tudo isso integrado num dashboard”. Com uma estrutura que conta com um coordenador de pesquisa e outro de inovação, demandas das coordenadorias, dos pesquisadores e das empresas vão sendo alinhadas. É um ecossistema poderoso, importante tanto para a área acadêmica quanto para a gestão.
Os processos nas parcerias da universidade com as empresas se tornam mais céleres e fluidos, “desde o licenciamento de patentes, acordos técnico-científicos específicos e minutas básicas, já preestabelecidas, para quando é bolsa, desenvolvimento de produto, ou um tipo de teste específico”, conta Silva. Esse contexto favorece as empresas e também os pesquisadores, que podem manter o foco na pesquisa e não perdem tempo com documentos.
É também fundamental para o monitoramento e direcionamento estratégico.
A cada dois anos é realizado o planejamento estratégico, que determina o caminho das pesquisas, por exemplo, alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a determinados editais. Nessa estrutura, a atuação dos especialistas, professores com bolsa-produtividade do CNPq, alavancam o ciclo em que uma pesquisa se soma à outra. “Há uma sinergia muito forte”, afirma Silva, que está fortemente relacionada, por exemplo, ao aumento de 20% em um ano – de 2022 a 2023 – no número de professores do Mackenzie com bolsa-produtividade.
A importância desse planejamento estratégico, bastante alavancado pela tecnologia, é enfatizada por Maria Cristina. “Por exemplo, o ranking Higher Times Education considera política inovadora da universidade, interlocução com as empresas, produtos patenteados por um pacto social, tecnológico, econômico, e a pesquisa. Se não tivermos esse monitoramento, ficaremos tentando atingir a meta de uma maneira errática.”
É num contexto de gestão tradicional que caminha para a disrupção que a Universidade do Agro surge no Triângulo Mineiro, primeiro negócio vertical da Universidade de Uberaba (Uniube), instituição de 76 anos. Oficialmente inaugurada em março de 2023, serão investidos R$ 50 milhões – na Cidade do Agro e nas modernas instalações de um hospital veterinário que será referência para o Brasil – em uma área de 55 hectares. “A Uniube já tem um hospital veterinário, mas faremos um novo, com tecnologia de ponta.”
“Guardadas as devidas proporções, queremos ser o MIT do agronegócio”, afirma Flávio Sartori, diretor da nova empreitada. A ideia da vertical é dar mais celeridade para as tomadas de decisão. “Ela se afasta um pouco da universidade e segue com uma velocidade inclusive maior que a própria instituição.”
A Universidade do Agro reunirá os principais players do agronegócio da região e do Brasil, dentro de um ecossistema de ensino – presencial e EAD –, pesquisa e extensão. A aproximação entre academia e mercado é essencial, diz Sartori. Há projetos de pesquisa que se tornam para a empresa uma vitrine na Universidade do Agro. “A empresa investe onde há campo de forma-ção, traz o que ela tem de melhor para o mundo e o aluno será sua mão de obra especializada”, explica.
Num ecossistema como esse, as metodologias assumem a característica “mão na massa”, o estudante vai mais a campo e fica menos tempo na sala de aula. Para Sartori, “a imersão tanto teórica quanto prática, dentro do ecossistema de ensino que traga a robustez e a conexão com o mundo do trabalho, facilita muito mais o processo de ensino e aprendizagem”.
Concebido por equipe interna e especialistas que são âncora do mercado, inclusive pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, a Esalq da USP, o projeto da Universidade do Agro adota as práticas sustentáveis, que já caracterizam as ações da Uniube, como a utilização de energia fotovoltaica. Por exemplo, em parceria com a Alpen Energias Renováveis, será instalada uma usina para produção de energia renovável a partir do hidrogênio verde, com uma fonte primária de energia fotovoltaica.
“Sempre buscamos um olhar externo para atualizar aquilo que pensamos e colocamos no papel”, afirma Sartori, para quem é importante a relação com outras universidades, como as parcerias que já existem, na área da pesquisa, com a Universidade Federal de Uberlândia (UFU), a Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e o Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM). A ideia é fortalecer cada vez mais os ambientes de pesquisa e, para isso, a Uniube já conta com a expertise da pró-reitoria de pesquisa, pós-graduação e extensão. “O pró-reitor, André Fernandes, é um especialista em captação de recursos; só no ano passado captou 10 milhões para projetos de pesquisa em editais dos governos estadual e federal.”
A PUC-Campinas tem a inovação como uma forma de acompanhar, vislumbrar e encontrar respostas para os desafios que as transformações do mundo contemporâneo impõem. Com essa concepção, a avaliação e a análise de cenários são diárias. “Estamos atentos e sensíveis para perceber como as tendências começam a se impor já no dia a dia da universidade”, afirma o reitor Germano Rigacci Júnior.
A inovação, diz o reitor, tem forma horizontalizada. “Temos o desafio de tornar os campi um lugar de experiência que permita que cultivemos as relações humanas.” As transformações geradas pelos processos de inovação não têm um fim em si mesmo. “Elas devem manter a universidade relevante, sempre com foco em buscar a verdade e produzir conhecimento, garantindo o foco no estudante e que ele seja sempre o protagonista do seu processo de formação e aprendizado.” É, inclusive, nesse sentido que foi lançado o PUC-Campinas Rumo aos 100 Anos, que pretende vislumbrar os rumos para a construção do futuro da instituição.
Entre os programas que alavancam a inovação está o Mescla, um hub criado para impulsionar a inovação e o empreendedorismo, que apoia startups por meio de Programas de Aceleração e atua em rede e de forma colaborativa no desenvolvimento de soluções tecnológicas e inovadoras. O Mescla é o locus da tríplice hélice, que une a academia, empresas e o setor público.
Academia e mercado também se juntam no AIoT Lab Brasil, um laboratório com foco na cooperação para a busca de respostas às dores do mercado e às perguntas do futuro. Por meio da inteligência artificial e internet das coisas, o AIoT Lab Brasil aprimora os estudantes e a mão de obra do setor e desenvolve novas tecnologias através da experiência de docentes, pesquisadores, profissionais e empresas que atuam no mercado. As ações do laboratório são realizadas por meio de trilhas formativas em áreas como machine learning, internet das coisas e cloud e projetos de inovação e desenvolvimento tecnológico em colaboração.
No Espaço Manacás, há a produção de tecnologias híbridas, que exploram a presença física e virtual por meio das tecnologias imersivas e de hologramas. É um espaço para experiências educativas na formação de professores da rede de ensino básico e superior e de estudantes das licenciaturas e dos bacharelados.
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Por Beatriz Maria Eckert-Hoff, vice-presidente excelência acadêmica e institucional da CSED:
As universidades são instituições complexas que necessitam produzir sentido num cenário de grandes mudanças nas estruturas tecnológicas, sociais, culturais e econômicas. A complexidade a que estamos nos referindo é a de que isso é feito por pessoas para formar pessoas. Formar para a criatividade e a promoção do desenvolvimento humano, o que significa ir além de informatização, robotização ou elementos mais ligados aos aspectos tecnológicos da inovação. Para se consolidarem como instituições inovadoras, as universidades precisam estruturar-se sobre pilares que sustentem e incentivem a criação e a aplicação de novas ideias.
Um dos pilares importantes é a diversidade de ideias e a pluralidade de pessoas. A inclusão trará cada vez mais olhares diferenciados para os problemas que são vividos cotidianamente e a possibilidade de cocriar futuros dignos de serem vividos, colocando todas as IES da Cruzeiro do Sul Educacional com o propósito de formar e transformar para impactar a região, o entorno, a sociedade.
O objetivo é que os estudantes contribuam na construção de soluções para os problemas do mundo real, mantendo-se alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e fortalecendo, ainda mais, a tríade ensino, pesquisa e extensão. Isto forma pessoas para impactar as comunidades locais, conectadas com as demandas globais, oportunidade aberta pela curricularização da extensão. Estes pilares são a base para várias práticas interdisciplinares responsáveis pela formação integral dos nossos estudantes.
No ensino-aprendizagem, atuamos na revisão no nível institucional, no currículo e nas unidades de ensino. Partindo de experiências internacionais, entendemos que devemos explicitar a aprendizagem dos alunos como sendo prioritária. O desafio passou a ser como integrar os resultados esperados ao currículo e às práticas cotidianas de professores e alunos, abrindo caminho para feedback e diálogo entre alunos e professores. Portanto, na Cruzeiro do Sul Educacional, o primeiro pilar, na busca de um novo modelo de excelência na universidade, é ressignificar a tríade de ensino, pesquisa e extensão.
O segundo pilar que fundamenta o processo de inovação é o desenvolvimento de pessoas. Dois grupos são priorizados para sustentar os processos de inovação: a formação das lideranças acadêmicas e a formação dinâmica dos professores, que terão de lidar com as profundas mudanças tecnológicas, demográficas e novos competidores no mercado e assegurar uma adequada formação dos cidadãos e profissionais do século 21.
O terceiro pilar de inovação é a construção da aprendizagem mediada por tecnologia, que significa assumir que o processo de aquisição do conhecimento mudou, se tornou personalizado e flexível, ea aprendizagem não é mais um processo de aquisição de conhecimento individual; ela pode ocorrer de forma coletiva e integrada.
Esses pilares são a base para promover um mindset favorável à criatividade e inovação como base de todas as nossas iniciativas acadêmicas e de formação de talentos, com um currículo redesenhado para a versatilidade e adaptabilidade, estruturado no conhecimento (o que saber e compreender), nas habilidades (como usar esse conhecimento) e nas skils (como se comportar e se envolver no mundo) para que haja meta-aprendizagem – como refletir e se adaptar para transformar e impactar as comunidades locais, conectadas com as demandas globais.
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Maria Cristina Teixeira indica o tema da governança de dados, com publicações que tangenciam a inovação, a tecnologia e vários setores do conhecimento:
• Governança de dados – Práticas, conceitos e novos caminhos, de Carlos Barbieri
• Simplificando a governança de dados, de Bergson Lopes Rêgo
Flávio Sartori indica:
• Organizações exponenciais, por Salim Ismail, Michael S. Malone e Yuri Van Geest
Para Beatriz Maria Eckert-Hoff, são obras fundamentais:
• Reframing Academic Leadership, de Lee G. Bolman e Joan V. Gallos
• A Universidade Inovadora: mudando o DNA do Ensino Superior de fora para dentro, de – Clayton M. Christensen e Henry J. Eyring
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