NOTÍCIA
Em um país onde mais da metade da população não tem interesse por livros, é urgente criar iniciativas que melhorem a relação das pessoas com a leitura
Publicado em 07/01/2025
São nas instituições de ensino superior, onde o conhecimento é o principal ativo, que os projetos de leitura surgem como ferramentas importantes para o desenvolvimento intelectual. Transforma a relação da comunidade acadêmica com o saber e contribui para a construção de uma sociedade mais reflexiva e engajada.
Na Universidade Santa Cecília (Unisanta), o Programa de Incentivo à Leitura/Baixada Santista (Proler/BS) nasceu da dedicação e da visão de futuro das professoras Sílvia Teixeira Penteado e Lúcia Teixeira, em 1994, como fruto de uma parceria entre a instituição e o Ministério da Cultura. O principal objetivo era disseminar uma política de leitura que abrangesse todos os municípios da região.
“Desde então, o programa envolve professores, bibliotecários, escritores, famílias e, especialmente, as escolas, reforçando a conexão entre a prática pedagógica e o prazer de ler. Leitura e aprendizado, embora pareçam aspectos distintos, compõem um processo transformador no qual o indivíduo expande seus horizontes e fortalece suas capacidades à medida que mergulha no universo do conhecimento”, diz Sílvia, hoje reitora da Unisanta.
Com o mesmo propósito, a Universidade Estácio adota práticas que incentivam esse hábito, como oficinas, palestras e encontros literários presenciais e online. Segundo Cesar Lessa, professor e coordenador nacional do Núcleo de Apoio e Atendimento Psicopedagógico (NAAP) da Estácio, é fundamental que as instituições criem mecanismos que demonstrem o valor agregado contido no ato de ler, nem sempre percebido pelas pessoas.
“Somos ‘herdeiros’ de um modelo escolar em que a leitura era algo obrigatório para ser cobrado em provas – sem a devida contextualização do que o ‘mergulho’ naquele mundo proposto pelo autor poderia oferecer em termos de ganhos para o nosso desenvolvimento”, pontua Cesar.
O Proler/BS surgiu como um projeto de extensão universitária que combina a valorização da literatura com a capacitação de educadores e a promoção do hábito de leitura na comunidade. Algumas de suas ações incluem os cursos de formação para professores, o Projeto Bibliotecando, que qualifica auxiliares de biblioteca, e a Biblioteca Itinerante, que leva livros a diferentes localidades da Baixada Santista.
Além disso, há prêmios, como o Proler e o Escreler, que incentivam o ato de ler e a produção textual entre estudantes, principalmente da Escola de Jovens e Adultos (EJA). “O impacto dessas premiações é significativo, pois dá visibilidade às boas práticas desse contexto, servindo como inspiração para novas iniciativas. Hoje, o programa atende nove municípios da Baixada, e já influenciou diretamente milhares de pessoas, fortalecendo essa cultura literária”, argumenta Sílvia.
No caso da Estácio, o professor e coordenador nacional da NAAP destaca os benefícios das oficinas de português oferecidas à comunidade. Cesar acredita que elas aprimoram o conhecimento básico da língua, das regras gramaticais e, ao mesmo tempo, despertam o interesse pela leitura, considerando a perspectiva de que a compreensão do vocabulário e a interpretação dos textos vão evoluir.
Ele cita ainda os encontros presenciais ou virtuais que a universidade realiza para discutir temas contemporâneos e com convidados que têm expertise nas áreas. Para Cesar essas iniciativas abrem caminho para o desejo de um conhecimento maior, sem a imposição da obrigatoriedade, mas com a perspectiva da ampliação do saber por meio da leitura.
Dados recentes sobre os hábitos de leitura no Brasil mostram que 53% da população não leu nenhum livro nos últimos três meses, de acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2024. Este número representa uma perda de 6,7 milhões de leitores em apenas quatro anos, configurando um cenário alarmante para o país, que enfrenta muitos desafios estruturais no campo educacional.
Na opinião de Sílvia Penteado, a leitura é um dos principais instrumentos para a formação de cidadãos críticos, conscientes e preparados para o mundo contemporâneo. “Por mais que o cenário da pesquisa seja extremamente preocupante, não me surpreende. Ele reflete uma realidade complexa em que a falta de acesso a livros, o baixo estímulo à leitura em ambientes escolares e familiares e as desigualdades sociais se somam, criando barreiras que afastam a população do universo literário”, afirma.
Essa tendência negativa é observada em todas as faixas etárias, gêneros, classes sociais e níveis de escolaridade, com exceção dos grupos entre 11 e 13 anos e acima de 70 anos.
A reitora destaca que a Unisanta enxerga a leitura como ferramenta transformadora. “Sabemos que, ao formar leitores, contribuímos para a construção de uma sociedade mais igualitária e participativa. Reafirmamos nosso compromisso com ações que democratizam o acesso à leitura, que estimulem o prazer de ler e que aproximem os livros de pessoas de todas as idades e contextos sociais”, completa.
Ainda sobre a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2024, quando perguntados sobre os lugares onde costumam ler livros, a grande maioria dos entrevistados citou a própria casa (85%). Esse dado, no comentário da coordenadora da investigação, Zoara Failla, é preocupante: “[Notamos] como as salas de aula estão deixando de ser um lugar de leitura, conforme a série histórica demonstra”. Em 2007, 35% citaram esse espaço escolar, seguidos de 33% em 2011; 25% em 2015; 23% em 2019 e, agora, 19% – o menor índice já registrado.
Cesar Lessa, da Estácio, acredita que a redução do hábito de leitura produz efeitos colaterais danosos, que vão desde a dificuldade de compreensão e interpretação de textos até a dificuldade de uma comunicação efetiva. “Isso gera desdobramentos complexos quando consideramos as interações sociais e profissionais que demandem troca de mensagens ou compartilhamento de informações por canais escritos. A ausência da leitura produz, inclusive, sujeitos desconectados com o mundo em termos de capacidade de análise e exercício da crítica”, alerta o professor.
A falta de engajamento com a leitura afeta o desempenho acadêmico e profissional, e pode limitar o acesso a oportunidades e perpetuar desigualdades sociais. Mas, na visão de Sílvia, esse estímulo não deve ser uma responsabilidade apenas da educação básica. “Com os números alarmantes, como a média de apenas 0,82 livros lidos por inteiro [entre os entrevistados pela pesquisa], precisamos resgatar o papel das IES como espaços de incentivo à leitura, pois eles desempenham papel estratégico como ambientes de formação não apenas acadêmica, mas também cultural, social e humana”, argumenta.
Ela enfatiza que as universidades têm a capacidade de alcançar um público amplo, que inclui futuros professores, bibliotecários, escritores, pesquisadores e outros profissionais que serão multiplicadores do hábito de leitura. Para Sílvia, essas pessoas podem e devem atuar diretamente nas comunidades em que estão inseridas, promovendo o acesso à cultura e ao conhecimento:
“Temos a responsabilidade de formar uma nova geração de profissionais sensíveis à importância da leitura em suas áreas de atuação, mas também precisamos preparar os professores para verem a literatura como uma aliada pedagógica. Ao estimular a pesquisa acadêmica em torno das práticas leitoras, por exemplo, ajudamos a plantar as sementes de uma sociedade mais crítica e criativa”, conclui Sílvia.