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Quando não há escuta verdadeira no ambiente familiar ou escolar, os jovens se veem compelidos a buscarem respostas em espaços alternativos
Vivemos a explosão de audiência da minissérie britânica Adolescência (Adolescence, no título original), lançada pela Netflix em 13 de março de 2025. Nos primeiros 12 dias após a estreia, Adolescência acumulou impressionantes 66,3 milhões de visualizações, tornando-se a minissérie mais assistida da história da plataforma. A produção dramática, dividida em quatro episódios, explora temas complexos como adolescência, violência juvenil e as influências sociais contemporâneas.
Adolescência não oferece respostas fáceis. Pelo contrário, suscita inúmeras questões que permanecem como pontos de reflexão. Afinal, os crimes juvenis, mais comuns nas últimas décadas, são fenômenos intrincados e não podem ser atribuídos a uma única causa ou somente ao indivíduo. Os pontos centrais da narrativa envolvem os desafios enfrentados pelos adolescentes na sociedade contemporânea, incluindo a influência das redes sociais, a busca por identidade e a necessidade de pertencimento.
Vivemos em uma época em que o crescimento e o amadurecimento dos adolescentes se dão em simbiose com os algoritmos. A formação subjetiva, antes moldada majoritariamente pela convivência familiar, pela escola e por vínculos sociais imediatos, agora atravessa ambientes digitais altamente estimulantes e, frequentemente, profundamente tóxicos. Nesse contexto, surge a figura do influenciador digital — um novo tipo de “educador informal” — que ocupa o lugar simbólico de referência, modelo e conselheiro para milhões de jovens conectados.
A evolução tecnológica transformou também as relações interpessoais e familiares, de forma acelerada e significativa. A ausência de diálogo nos contextos cotidianos, sejam eles familiares, escolares ou comunitários, não apenas fragiliza os vínculos afetivos, como também leva adolescentes e jovens adultos a buscarem em outros lugares o acolhimento e o pertencimento que lhes faltam. As redes sociais oferecem isso, ainda que de maneira ilusória. Mas por que isso ocorre? Por que temos substituído boas conversas por mensagens de texto, breves e repletas de emojis que “traduzem nossos sentimentos”? Deixamos de falar, de olhar nos olhos e passamos a enviar áudios ou frases, que se encurtam a cada dia. Essa simplificação da comunicação aproxima ou afasta? Fortalece vínculos ou nos isola emocionalmente? Para onde, afinal, ela está nos levando?
Quando não há escuta verdadeira no ambiente familiar ou escolar, os jovens se veem compelidos a buscarem respostas em espaços alternativos, os quais não apenas oferecem atenção, mas também narrativas prontas e identidades supostamente fortes. Esse movimento é ao mesmo tempo consequência de uma cultura que não valoriza a palavra e a escuta, e fator determinante na intensificação da dependência emocional de conteúdos digitais. O silêncio dos adultos, carregado de pressa, medo ou desconhecimento, se torna cúmplice involuntário da autoridade simbólica dos influenciadores, que, por meio de algoritmos eficazes e discursos sedutores, se apresentam como “mentores” de uma geração órfã de conversas significativas. A fuga para as redes não é apenas uma escolha tecnológica, mas um sintoma relacional de um mundo que desaprendeu a conversar.
A adolescência é um período liminar entre a infância e a vida adulta, marcado por profundas transformações físicas, cognitivas e sociais. Sob a perspectiva psicossocial do psicólogo norte-americano Erik Erikson, trata-se da etapa do desenvolvimento da identidade, na qual o sujeito vivencia o conflito entre a afirmação de si e a confusão de papéis. Nesse processo, o adolescente busca respostas fundamentais: Quem sou eu? Como devo agir? Onde de fato eu pertenço? De que grupos faço parte de verdade?
Essa busca se dá em permanente diálogo com o contexto sociocultural. Lev Vygotsky, ao compreender o desenvolvimento humano como historicamente situado, enfatiza a importância das mediações sociais, especialmente a linguagem, os símbolos e as interações com o outro. Em um cenário digitalizado, as redes sociais se impõem como mediadoras centrais da subjetividade adolescente, oferecendo pertencimento, mas também impondo normas estéticas, julgamentos permanentes e modelos de identidade cada vez mais padronizados. O consumo de conteúdo nessas plataformas é regido por algoritmos que operam sob a lógica da maximização do tempo de atenção e, por isso, priorizam conteúdos que provocam emoções intensas como raiva, indignação e falsa sensação de poder.
Frente a tantos desafios, entendo que a alternativa mais potente ao efeito negativo das redes não é a censura ou a imposição de limites sem reflexão, mas o reconhecimento de que o adolescente não pode ser tratado apenas como receptor de discursos. Ele é um sujeito em construção, que precisa ser apoiado, escutado, ajudado a pensar, e não simplesmente corrigido. Isso exige que, como adultos, estejamos dispostos a habitar a zona de conforto dos nossos jovens e movimentá-la, criando perguntas que abram espaços no discurso, em vez de fechá-lo. Perguntas que permitam saber o que eles pensam e funcionam como frestas cognitivas, pelas quais podem enxergar incoerências, contradições ou implicações do conteúdo que consomem.
Essa forma de tensionamento, respeitosa, mas firme nos desloca do papel de adultos moralistas que catequizam e impõem, para o lugar de mediadores que problematizam com sensibilidade. Preservamos, assim, o vínculo e a dignidade do adolescente, sem condescender com discursos tóxicos. O diálogo, diferentemente da imposição, oferece ferramentas para pensar, e isso é muito mais duradouro do que qualquer proibição.
Família, escola e universidade precisam refletir diante dessa nova realidade que redefine vínculos, subjetividades e processos formativos. Já não é possível manter estruturas educacionais que ignoram o universo digital dos adolescentes, seus dilemas existenciais, sua linguagem e suas dores silenciadas. É urgente revisar práticas pedagógicas, reformular programas curriculares e repensar os espaços de convivência e escuta, não como ações acessórias, mas como parte central de qualquer projeto educativo contemporâneo. A escola não pode ser apenas transmissora de conteúdos; ela precisa se tornar um lugar de presença afetiva, de mediação crítica, de construção de sentido. A universidade, por sua vez, não pode se furtar ao papel de formadora de sujeitos éticos, reflexivos e sensíveis às complexidades sociais. Isso inclui acolher os jovens como são, criar ambientes que favoreçam o pertencimento e o diálogo e promover políticas institucionais que enfrentem discursos discriminatórios, misóginos ou violentos.
No campo familiar, é necessário restaurar a escuta ativa e resgatar os vínculos afetivos que foram sendo diluídos pelo esvaziamento simbólico da presença. Não basta estar ao lado: é preciso estar com, de verdade. É no silêncio dos adultos, seja pela omissão, pela exaustão ou pela negação que muitas vezes se infiltra a voz sedutora dos influenciadores que oferecem falsas soluções a dores legítimas.
Não podemos nos omitir. O que está em jogo é a saúde emocional, social e ética de uma geração. Insisto: mais do que pensar, é tempo de agir com escuta, presença e responsabilidade.
Por: Josiane Tonelotto | 07/04/2025