NOTÍCIA
Na Escola da Cidade, localizada no centro de SP, a cidade é vista como parte do sistema de aprendizado
Publicado em 29/05/2025
Pouco mais de duas décadas atrás, dois edifícios projetados pelo arquiteto moderno Oswaldo Bratke (1907-1997), localizados na primeira quadra da Rua General Jardim, no centro de São Paulo, foram escolhidos por um grupo de arquitetos e arquitetas para ser a sede da Escola da Cidade. A primeira turma de graduação em arquitetura e urbanismo teve início em 2002.
“A primeira escolha foi se localizar no centro. Eram dois edifícios diferentes, contíguos, vizinhos, da década de 40, originalmente de apartamentos residenciais. Entendemos que não fazia sentido essas estruturas estarem abandonadas e que o nosso papel era oferecer uma contribuição para esse lugar”, conta a arquiteta, urbanista e professora Cristiane Muniz, atual diretora de graduação.
“A cidade também educa. Temos de vivê-la, de vivenciar os edifícios. Entender que a cidade é parte do sistema de aprendizado é importante.” Um anexo se localiza a três quadras, na Amaral Gurgel, e abriga oficina, laboratório de marcenaria, serralheria, argamassa armada e prototipagem digital. Para visitantes – professores e palestrantes do Brasil e do exterior –, a Escola da Cidade aluga permanentemente um apartamento no icônico Edifício Copan, obra projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer.
“Somos formalmente uma associação privada sem fins lucrativos e declarada de interesse público federal – o que nos dá muito orgulho. É um caminho intermediário entre escola pública e privada”, detalha a diretora. Funcionando como uma cooperativa de professores – arquitetos e arquitetas que têm trabalhos reconhecidos e relevantes no país – a Escola da Cidade tem gestão inovadora e mantém o propósito inicial, o mesmo que pontuou a escolha do lugar e permeou a concepção do projeto pedagógico: além da formação técnica dos jovens profissionais, tocar um projeto de transformação social.
A governança é formada por um colegiado de 11 professores, que se responsabilizam pelas áreas da associação, entre elas, a graduação, o Conselho Científico, Conselho Técnico, a diretoria acadêmica propriamente e os diretores da Fábrica-Escola de Humanidades (FAEH), o ensino médio que a Escola da Cidade criou há cinco anos. São 300 alunos na graduação, outros 200 na pós-graduação lato sensu. O primeiro mestrado profissional, stricto sensu, chegará no ano que vem.
Cristiane Muniz, diretora de graduação da Escola da Cidade: “entender que a cidade é parte do sistema de aprendizado é importante” (foto: Lumina Kikuchi)
O projeto pedagógico foi construído a partir de sequências disciplinares e não há departamentos. A cada dia da semana, uma sequência organiza todas as discussões e disciplinas daquele dia. “É interessante porque conseguimos confluir, para o mesmo dia, todos os professores da mesma área e todos os estudantes focados nos grandes temas, que podem se cruzar, potencializando atividades.”
“Na segunda-feira, por exemplo, é dia de urbanismo – são todas as disciplinas que dizem respeito aos temas mais territoriais, de uma escala mais ampla, então, é tudo o que diz respeito à cidade, à paisagem, às teorias de urbanismo.”
Na terça-feira, são as matérias teóricas, as histórias – da arte, da cidade, da arquitetura, os fundamentos sociais. A quarta-feira é dedicada aos meios de comunicação e representação, inclusive digitais; na quinta, tecnologias sobre construção, materiais e sistemas. “A sexta-feira é dia de projeto, quando juntamos tudo isso que veio vindo, que foi estudado e trazido nos outros dias.”
Há, ainda, cinco pontos no projeto pedagógico que Cristiane chama de “cinco singularidades”, ou ações que caracterizam a Escola da Cidade. O primeiro deles é o Estúdio Vertical, uma disciplina de projeto em que os estudantes, de segundo até o último ano, trabalham juntos, “num projeto muito amplo e livre, mas calcado na realidade. Não vamos pensar em coisas abstratas e que não existem, mas em temas muito reais, às vezes até duros”.
Cristiane destaca que o Estúdio Vertical é muito significativo porque junta muitos alunos, mais de vinte professores, e traz a oportunidade do trabalho coletivo. “Ninguém trabalha sozinho. Saber falar, saber ouvir, fazer disso uma experiência é algo muito potente.”
O seminário de cultura e realidade contemporânea, às quartas-feiras, outro dos cinco pontos singulares, provê a formação de um caldo cultural para os estudantes. Os temas discutidos vão para além da arquitetura. Há uma curadoria geral e, para este ano, o eixo é a emergência climática, por conta da COP30.
O terceiro ponto é o seminário internacional. Uma vez por ano, a escola traz arquitetas e arquitetos de outros países para a realização de um projeto junto aos estudantes, com a apresentação de diferentes métodos e formas de fazer projeto, ainda que na realidade local. “Em geral, é uma semana de imersão.”
A Escola Itinerante, quarto ponto, prevê seis viagens ao longo do curso. “As primeiras são viagens formativas e depois são mais especulativas. Eles vão para Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília. A primeira delas é aqui em São Paulo, uma experiência relativamente nova. Os alunos fazem a pé cerca de 100 km pela cidade, de sul a norte. Os mais velhos vão para Colômbia, Chile, Paraguai ou Argentina.
“O quinto ponto é a vivência externa”, conta a diretora. O aluno pode realizar seu intercâmbio acadêmico por meio de convênios que a Escola mantém com cerca de 40 instituições. Ou realizar estágios.
O Conselho Técnico da Escola da Cidade é responsável pela prestação de serviços para a sociedade. A parceria de dez anos com o Sesc São Paulo é um exemplo. “E nos chamaram para fazer uma nova unidade do Sesc no Campo Limpo, zona sul da cidade.” Exposições, uma publicação e mapeamento de todas as atividades culturais de Campo Limpo fizeram parte do projeto.
Uma biblioteca no Jaraguá, bairro paulistano da zona norte, e um CEU (Centro de Educação Unificada), o Quarteirão da Educação, em Diadema, cidade da região metropolitana, fazem parte do portfólio. Nesses projetos, estão envolvidos professores, alunos de graduação e de pós-graduação. São ações de cunho educacional, mas que geram recursos importantes para a associação. ”Temos um conjunto de professores muito qualificado. Ter esse corpo docente pensando em outros projetos para além da Escola é fundamental.”
Na área acadêmica, há a parceria recente com a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, também localizada na General Jardim, que deverá resultar em cursos compartilhados. “E agora estamos iniciando uma parceria com a Unesp. A reitoria se mudou para a Praça da República”, conta Cristiane. A ideia é pensar como se constitui o quadrilátero da educação, já que, ali, também funciona a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEDUC).
Aumentar o número de bolsas de estudos no curso de arquitetura e urbanismo é uma tendência na Escola da Cidade. No ensino médio, 50% de bolsas já são realidade, graças ao apoio da Votorantim. Na FAEH, as bolsas são integrais. “Temos alunos da Ocupação Nove de Julho, das comunidades do centro. É uma escola inclusiva.”
Além da diversidade social, a multiplicidade de culturas está presente em outras atividades. Com etnias indígenas do Xingu, estudantes e professores produziram manuais de construção, após viagem de campo às localidades. “Essas técnicas são formas tradicionais e as mais inteligentes. Estão aí há milênios. Essas pessoas mantiveram a floresta de pé, as águas limpas, o ar limpo. Precisamos aprender com isso, para saber como vamos fazer nas nossas cidades.”
Cristiane conta que o projeto com os povos indígenas foi uma demanda das lideranças. “Nos procuraram para registrar. Eles tinham medo de que isso se perdesse. Para esses estudantes e professores, e para nós que ficamos aqui, o aprendizado é gigante.”