Revista Ensino Superior | Aprendizagem com propósito, criticidade e sentido

Inovação

Colunista

Marina Feferbaum

Coordenadora do CEPI e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP

Aprendizagem com propósito, criticidade e sentido

O futuro da universidade dependerá de sua capacidade de ser um espaço de transformação. Um lugar onde o estudante não apenas adquire respostas, mas aprende a fazer perguntas melhores  

Aprendizagem foto: Shutterstock

Por Alexandre Pacheco da Silva e Marina Feferbaum*

A cada dia, surgem novas previsões sobre o futuro da humanidade diante da ascensão da inteligência artificial. Da cura do câncer à suposta inutilidade de aprender um novo idioma, há quem acredite que grande parte dos desafios humanos será solucionada por algum robô. No limite, caminhamos entre dois cenários extremos: um futuro em que o ser humano será libertado de todo esforço, vivendo num paraíso tecnológico, ou outro em que será superado por máquinas superinteligentes, tornando-se obsoleto. Diante de tais cenários, uma pergunta se impõe: para quê, então, estudar? 

Mesmo hoje, se o acesso aos GPTs fosse completamente irrestrito, muitos alunos poderiam concluir com êxito diversos cursos de ensino superior com muito menos esforço do que antes. Alguns conseguiriam inclusive atuar em suas áreas de formação sem sequer passar pela universidade. Não à toa, pairam dúvidas legítimas sobre o futuro do ensino superior. 

Essas dúvidas, contudo, decorrem de uma visão reducionista sobre o papel da universidade na vida dos alunos e de uma perspectiva excessivamente pragmática da IA generativa. Um GPT, por mais sofisticado que seja, não é uma universidade — e não pode substituí-la, ainda que haja zonas de interseção. A IA pode ser uma ferramenta poderosa de aprendizagem e um excelente complemento ao trabalho de professores e instituições, aliviando, inclusive, parte da carga de ensino. Mas seu potencial e seus limites precisam ser entendidos com sobriedade. Superestimar o alcance da IA é um risco tão grande quanto ignorá-la.

 

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A grande virtude da IA generativa reside em seu desempenho: a capacidade de produzir respostas, textos, códigos ou análises com velocidade e consistência impressionantes. Seu papel, portanto, é o de amplificar o desempenho de quem a utiliza. Já a missão da universidade é, e continuará sendo, tutelar e certificar a aprendizagem. Mas, qual é, de fato, a diferença? 

O artigo “Learning and Performance in the World of Generative AI”, do MIT Open Learning, esclarece essa distinção no contexto atual: desempenho refere-se à execução de uma tarefa ou demonstração de habilidade em um contexto específico, enquanto aprendizagem implica a capacidade de transferir o conhecimento adquirido para resolver novos problemas, compreender conceitos relacionados e adaptar-se a diferentes contextos. O grande desafio da produção automatizada pela IA é justamente a dificuldade de avaliar a qualidade do conteúdo gerado — tarefa que só pode ser feita por quem detém expertise. Assim, nas palavras do estudo, a busca pela expertise torna-se não apenas um objetivo, mas uma necessidade para navegar em um mundo onde o conteúdo gerado por IA será cada vez mais onipresente. 

Essa necessidade não torna a vida das instituições de ensino superior mais simples — pelo contrário. A presença da IA generativa impõe à universidade um novo patamar de exigência formativa. Se a informação superficial está disponível para todos, o egresso precisará demonstrar algo além do que a IA pode fornecer: seja uma capacidade de produção em maior escala, seja uma capacidade crítica, avaliativa e reflexiva de muito maior profundidade.

 

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Além disso, há dimensões da experiência universitária que a IA não consegue replicar. A convivência entre pares, a construção de redes de relacionamento e o desenvolvimento de habilidades socioemocionais continuam sendo trunfos insubstituíveis da vida acadêmica. Empresas e organizações reconhecem esse valor, inclusive estruturando seus programas de recrutamento para se conectar a esses espaços de formação e certificação. A universidade, afinal, é mais do que um repositório de conteúdo: é um espaço humano, de encontros, de escuta, de debate, de crescimento coletivo. 

Para que esses aspectos se tornem verdadeiramente distintivos e façam a diferença, é preciso intencionalidade. O espaço acadêmico não pode ser apenas um conjunto de salas de aula onde o aluno comparece para cumprir créditos em encontros meramente conteudistas. Isso a IA já faz — e, em muitos casos, faz melhor. 

O futuro da universidade dependerá de sua capacidade de ser um espaço de transformação. Um lugar onde o estudante não apenas adquire respostas, mas aprende a fazer perguntas melhores. Onde não se busca apenas o desempenho imediato, mas a aprendizagem com propósito, criticidade e sentido. Em um mundo de máquinas cada vez mais eficientes, o diferencial humano continuará sendo justamente o que nos torna humanos.

 

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*Alexandre Pacheco da Silva é professor da FGV Direito SP, onde atua nos cursos de graduação e pós-graduação stricto sensu. Doutor em Política Científica e Tecnológica pela Unicamp, mestre e bacharel em Direito pela FGV Direito SP, coordena o Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) e lidera iniciativas como o Laboratório de Empresas Nascentes de Tecnologia (LENT) e o LabDados. Sua pesquisa e atuação docente se concentram nas áreas de Direito e Tecnologia, com ênfase em proteção de dados, propriedade intelectual, contratos de tecnologia e inovação no ensino jurídico. 

Marina Feferbaum é professora da FGV Direito SP e coordenadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) e do Hub de Inovação Pedagógica da escola. Doutora e mestre em Direito pela PUC-SP e learner designer certificada pela Kaospilot (Dinamarca), atua nas áreas de inovação no ensino jurídico, metodologias participativas, inteligência artificial e direitos humanos. É também adjunct professor na Fordham University School of Law, onde leciona sobre Inteligência Artificial e Direito. 

 

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Por: Marina Feferbaum | 04/07/2025


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