NOTÍCIA
Instituições como Moinhos de Vento, A.C.Camargo, Sírio-Libanês e São Camilo apostam em formação com foco na prática hospitalar, pesquisa e qualidade assistencial
Publicado em 10/07/2025
Ao contrário da lógica de expansão em massa observada em outras regiões e instituições, esses hospitais partem de um modelo centrado na integração entre assistência, ensino e pesquisa (foto: Shutterstock)
Nos últimos anos, o Brasil vive uma explosão na abertura de cursos de medicina. Entre 2013 e 2023, o número de vagas autorizadas dobrou, chegando a mais de 40 mil em todo o país. O crescimento, impulsionado tanto pela demanda por médicos quanto por pressões políticas e econômicas, reacendeu o debate sobre qualidade de formação, infraestrutura e capacidade de absorção de novos profissionais pelo sistema de saúde.
Em meio a esse cenário, um movimento distinto começa a ganhar força: hospitais de referência nacional, com tradição no atendimento de alta complexidade, pesquisa e assistência, decidiram abrir suas próprias instituições de ensino superior. São faculdades com foco em saúde que oferecem desde a graduação em medicina até programas de pós-graduação lato e stricto sensu. Entre eles estão nomes como Hospital Moinhos de Vento (RS), A.C.Camargo Cancer Center (SP), Hospital Sírio-Libanês (SP). Rede São Camilo (SP), além do Hospital Oswaldo Cruz (SP) e Hospital Albert Einstein SP).
Ao contrário da lógica de expansão em massa observada em outras regiões e instituições, ao criar faculdades, esses hospitais partem de um modelo centrado na integração entre assistência, ensino e pesquisa. Entre os objetivos está formar profissionais em um ambiente de prática real, com acesso a casos complexos, tecnologias de ponta e uma cultura institucional voltada à excelência clínica.
A seguir, como essas instituições estão estruturando suas faculdades, quais cursos são oferecidos, como é o processo seletivo, o perfil dos alunos e, sobretudo, como pretendem garantir qualidade e diferenciação num cenário de crescente saturação da formação médica no Brasil.
Com uma trajetória que começou na década de 1920 na formação de técnicos em enfermagem, o Hospital Moinhos de Vento (RS) consolidou a educação como um de seus pilares estratégicos. Em 2003, criou o Instituto de Educação e Pesquisa, voltado inicialmente à pós-graduação lato sensu e, em 2017, avançou para a graduação com a criação da Faculdade de Ciências da Saúde Moinhos de Vento.
O primeiro curso foi de enfermagem, em 2019, seguido por biomedicina e, em breve, será o de psicologia. Também foi lançado um tecnólogo em Gestão Hospitalar na modalidade EAD. O projeto mais recente é a graduação em medicina, com investimento de mais de R$ 25 milhões. “Aqui se pratica uma medicina de excelência, que temos o dever de compartilhar com a comunidade”, afirma Vania Rohsig, superintendente assistencial e de educação.

Vania Rohsig, da Moinhos de Vento, menciona o dever de compartilhar com a comunidade uma medicina de excelência (foto: divulgação)
Diante das críticas à proliferação de cursos de medicina no Brasil, Vania defende o modelo da instituição: “[O problema] não está necessariamente no número de cursos, mas na qualidade da formação oferecida. Por sermos um hospital de excelência, acreditamos que podemos contribuir positivamente. Atualmente, temos 21 programas de residência médica, com 94 residentes em formação, e mais de 30 fellows distribuídos em 27 subespecialidades”, descreve.
A formação no Moinhos é marcada pela integração com a assistência e a pesquisa. Segundo Vania, desde cedo, os alunos participam de projetos de iniciação científica, pesquisa clínica e ações vinculadas ao Proadi-SUS, como o Projeto de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS Educação) e programas de capacitação de preceptores.
Há também parcerias internacionais com instituições como a Mayo Clinic e a Johns Hopkins Medicine International. Vania explica que a estratégia é formar profissionais alinhados à cultura do hospital. Os números mostram essa tendência: cerca de 70% dos técnicos e 90% dos egressos da graduação em enfermagem são contratados pela instituição. “Desde o primeiro mês, os alunos vivenciam a rotina hospitalar e desenvolvem competências técnicas, soft skills e alinhamento com nossa cultura”, diz.
A mesma preocupação com a qualidade formativa e a conexão com a prática assistencial aparece no projeto educacional do Hospital Sírio-Libanês.

Luiz Reis afirma que os cursos da Faculdade Sírio-Libanês se baseiam em um currículo moderno e uma formação humanista (foto: Sarah Hengler Daltri)
O hospital vê o investimento em ensino como parte central de sua missão como centro médico acadêmico. Segundo Luiz Fernando Lima Reis, diretor de pesquisa da instituição, a atuação na formação de profissionais já vinha sendo desenvolvida em diversos níveis da pós-graduação, com programas de residência, cursos de curta duração, educação continuada, mestrado, doutorado e pós-doutorado.
A entrada na graduação, com fisioterapia, enfermagem, psicologia, biomedicina e medicina, amplia esse compromisso. “Queremos formar talentos que contribuam para a melhoria da assistência à saúde, tanto na medicina privada quanto no SUS, com competências que vão da atenção primária à alta complexidade”, afirma.
Reis reconhece que há um excesso de cursos de medicina no país e, mais preocupante, que muitos deles não têm a estrutura mínima necessária. “Temos um problema de quantidade e de qualidade”, diz. A criação de um novo curso no HSL, segundo ele, foi pautada pela intenção de oferecer um currículo moderno, com infraestrutura adequada e foco em formação humanista. “Ter cursos de excelência é uma forma de contribuir para a melhoria tão necessária da formação médica no Brasil.”
O ensino também representa uma estratégia de diversificação de receita para a instituição. No entanto, segundo Reis, não é a principal motivação. Ele destaca investimentos em infraestrutura, tecnologia de ponta, corpo docente qualificado e a oferta de bolsas integrais para garantir acesso.
Embora o hospital ainda não tenha dados sobre a absorção de formandos da graduação, o diretor afirma que, na área assistencial, há contratação de ex-residentes e de profissionais que passaram por outras etapas formativas dentro da instituição. O objetivo, porém, não é formar médicos apenas para o próprio hospital, mas para toda a sociedade.
Outro exemplo é a Rede São Camilo, que há décadas investe na formação de profissionais de saúde com forte vínculo com sua cultura institucional.

Carlos Ferrara, pró-reitor acadêmico do Centro Universitário São Camilo, defende que o lema da instituição é cuidar de quem cuida (foto: divulgação)
No Centro Universitário São Camilo, a formação de profissionais da saúde é vista como uma extensão natural da missão da instituição, que já possui tradição em cursos de graduação e pós-graduação na área. Segundo Carlos Ferrara, pró-reitor acadêmico, a criação do curso de medicina veio para completar o portfólio da instituição. “Nosso lema é cuidar de quem cuida”, afirma. Ele destaca que a instituição acaba de formar a 25ª turma e já mantém 12 programas de residência médica, além de uma série de pós-graduações voltadas à saúde.
Ferrara também reconhece a preocupação com a qualidade dos cursos de medicina, mas acredita que o acompanhamento dos alunos é um diferencial. “Cuidamos da jornada do aluno desde o primeiro dia de matrícula até a sua aposentadoria”, diz. Para favorecer a inserção no mercado, o São Camilo mantém o programa Conexão Carreiras, que orienta tanto os estágios durante a graduação quanto a transição para o mercado de trabalho. Na área assistencial, há também um programa de trainee para egressos de enfermagem e nutrição.
Sobre a sustentabilidade financeira, Ferrara destaca que, por se tratar de uma instituição filantrópica, a receita do ensino é reinvestida. “Toda a receita dos cursos de graduação é investida na Clínica Escola Promove, onde realizamos mais de 6.500 atendimentos gratuitos por mês”, afirma.
Do ponto de vista do hospital, Fernando Pompeu, diretor médico da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, afirma que a integração com o Centro Universitário é estratégica para atrair profissionais com o perfil alinhado à cultura camiliana. O hospital também conecta suas atividades de ensino à pesquisa e inovação, com destaque para o Núcleo de Pesquisa Clínica, que realiza estudos patrocinados e de iniciativa própria, especialmente em oncologia.

José Fregnani, do A.C Camargo, acredita que é necessário um olhar atento à qualidade dos cursos de medicina no Brasil (foto: divulgação)
Seguindo a mesma lógica de integração entre assistência, ensino e pesquisa, o A.C.Camargo Cancer Center também estruturou seu modelo educacional próprio. A implantação de um programa de residência médica se deu no primeiro dia de funcionamento da instituição. Então, ao longo dos anos, a área foi ampliada com cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado) e, mais recentemente, com formações livres voltadas ao mercado de saúde.
Segundo José Humberto Fregnani, superintendente de Ensino, Pesquisa e Inovação, a decisão de ampliar a atuação educacional também busca garantir a sustentabilidade financeira. Ele aponta que o cenário brasileiro exige atenção especial à qualidade dos cursos de medicina, mais do que à quantidade. Fregnani destaca a ausência de hospitais próprios em algumas instituições como uma limitação importante na formação.
No A.C.Camargo, a integração entre ensino, pesquisa e assistência é uma estratégia institucional. As três áreas estão sob a mesma superintendência, o que, segundo Fregnani, favorece a formação de profissionais com visão mais ampla, que inclui gestão, pesquisa e inovação.
A capacidade de absorção de egressos pelo hospital é limitada, com uma taxa de contratação de 5% a 10% entre os residentes. Ainda assim, a instituição considera a empregabilidade dos formandos alta, com oportunidades na assistência, no meio acadêmico e na indústria farmacêutica. Atualmente, o A.C.Camargo conta com 175 residentes médicos, 51 residentes multiprofissionais, 13 aprimorandos e cerca de 176 alunos de pós-graduação, entre mestrado, doutorado e pós-doutorado.
Apesar dos diferentes modelos e trajetórias, todas essas instituições apostam em um ponto comum: integrar ensino, assistência e pesquisa como estratégia para formar profissionais mais preparados, num momento em que a qualidade da formação médica brasileira está no centro das discussões. Para esses hospitais, criar faculdades próprias pode ir além de ampliar o portfólio de serviços e talvez seja um caminho de garantir formações mais sólidas, éticas e conectadas às reais necessidades da saúde no país.