NOTÍCIA
O alcance da nova política para o EAD vai além da regulação. Ela expressa uma visão de futuro em que a educação superior não se organiza por oposição entre formatos, mas por complementaridade entre eles.
Publicado em 01/09/2025
(Foto: Pexels)
Por Iara de Xavier e Max Damas*
A educação superior brasileira atravessa um momento de inflexão histórica. A combinação de transformações tecnológicas, mudanças sociais e pressões econômicas vêm impondo novos desafios ao sistema educacional, ao mesmo tempo em que amplia a responsabilidade diante da sociedade. Se, por um lado, o país precisa garantir acesso em larga escala, por outro, deve assegurar que esteja sustentado por qualidade e legitimidade acadêmicas.
É nesse cenário que se insere a Política Nacional de Educação a Distância, instituída pelo Decreto nº 12.456/2025 e regulamentada pelas Portarias MEC nº 378, nº 381 e nº 506. Mais do que um conjunto de normas, trata-se de diretrizes estratégicas do governo, que reorganiza de forma integrada os formatos presencial, semipresencial e a distância. E estabelece nova lógica de funcionamento para o sistema como um todo.
O alcance dessa política vai além da regulação. Ela expressa uma visão de futuro em que a educação superior não se organiza por oposição entre formatos, mas por complementaridade entre eles. O presencial, o semipresencial e a distância deixam de ser vistos como caminhos concorrentes e passam a ser compreendidos como dimensões de um projeto nacional de formação. Ao fazê-lo, o governo envia uma mensagem clara às instituições de educação superior (IES): o crescimento do sistema só será sustentável se for acompanhado de estabilidade, qualidade e relevância social. A partir dessa compreensão, abre-se o espaço para uma leitura estratégica capaz de orientar a tomada de decisão institucional em três dimensões: conjuntural, estrutural e de mercado.
Do ponto de vista conjuntural, a política atua sobre a instabilidade que vinha marcando a educação superior. A rápida multiplicação de ofertas digitais, a diversidade de arranjos híbridos e a pressão por inovação no ensino presencial criaram um ambiente de oportunidades e de incertezas. Nesse cenário, o governo buscou desempenhar um papel organizador. Ao fixar regras de transição, garantir o direito de continuidade dos estudantes já matriculados e estruturar calendários regulatórios, construiu um ambiente de maior previsibilidade.
A previsibilidade regulatória se converte em recurso estratégico para as instituições. As IES passam a dispor de horizonte estável para planejar seus investimentos acadêmicos, tecnológicos e de expansão. O desafio que se impõe é a migração de uma postura reativa para prospectiva. As IES precisam adotar o horizonte regulatório como base para seus cenários estratégicos, integrando a lógica de médio e longo prazo em suas decisões. Em vez de aguardar as mudanças para se adaptar, o momento pede capacidade de antecipar cenários, construir resiliência e desenhar alternativas para diferentes contextos de regulação.
No plano estrutural, a política nacional redefine a qualidade como eixo comum de todo o sistema. Não se trata mais de imaginar uma hierarquia entre formatos. Presencial, semipresencial e a distância estão submetidos a um mesmo compromisso de consistência pedagógica e legitimidade social. Essa visão rompe com a ideia de modalidades separadas e reforça a noção de um ecossistema integrado de educação superior.
As exigências sobre composição docente, presença de mediadores pedagógicos qualificados, infraestrutura adequada em polos e campi e avaliações robustas não são apenas requisitos normativos. São marcos que elevam a qualidade a estágio de critério de confiança pública. Para as IES, isso exige reposicionamento estratégico: investir no desenvolvimento docente, consolidar estruturas acadêmicas como polos de presença territorial e assumir a inovação pedagógica como práticas centrais, não como acessórios. A política, ao tornar a qualidade um parâmetro transversal, educa o próprio sistema, reforçando que a diversidade de formatos só terá legitimidade se estiver ancorada em padrões reconhecidos pela sociedade.
No campo do mercado, a política assume caráter indutor ao reorganizar o espaço competitivo. Ao restringir a oferta integralmente digital em cursos de alta densidade prática, ao estruturar o semipresencial como alternativa robusta e ao reafirmar o papel central do presencial em determinadas áreas, o governo estabelece prioridades. Trata-se de uma curadoria estatal, que não elimina possibilidades, mas orienta os rumos da educação superior conforme valores públicos e demandas sociais.
O impacto é estratégico. Em vez de competir indiscriminadamente em todos os campos, as IES precisam identificar áreas de maior relevância e legitimidade para sua atuação. O reposicionamento passa a ser condição de sustentabilidade para fortalecer licenciaturas e áreas prioritárias para políticas públicas, consolidar polos como centros regionais de presença e reconfigurar cursos aplicados em experiências que integrem teoria e prática. Nesse sentido, o mercado deixa de ser visto apenas como arena de disputa por matrículas e passa a ser compreendido como campo regulado, no qual a pertinência social e a aderência às prioridades nacionais tornam-se critérios centrais de diferenciação.
Essa política ganha densidade justamente porque integra essas três dimensões: estabilidade conjuntural que oferece segurança para decisões de longo prazo; qualidade estrutural que estabelece parâmetros comuns que reforçam a legitimidade; e indução de mercado que reposiciona o espaço competitivo em sintonia com valores coletivos. O resultado é um sistema menos fragmentado e mais orientado, no qual a educação superior — em todos os seus formatos — se reconhece como parte de um mesmo projeto social, responsável por formar cidadãos e profissionais capazes de responder às transformações do país.
Análise estratégica indica, portanto, alguns caminhos para as IES:
Conclui-se que a Política Nacional da Educação a Distância representa um movimento de reorganização profunda do sistema, ao integrar os formatos presencial, semipresencial e a distância em uma lógica de complementaridade e complexidade. Ao estabelecer parâmetros de previsibilidade, qualidade e indução de prioridades, a política cria um ambiente regulatório que impacta diretamente a forma como as instituições projetam seu futuro.
Mais do que uma resposta pontual, trata-se de um redesenho estratégico que articula conjuntura, estrutura e mercado em torno de um projeto educacional mais coeso. O desafio que se coloca não é simples: cabe às IES interpretar esse cenário, reconhecer os vetores em curso e transformar diretrizes em caminhos institucionais consistentes. Não se trata apenas de atender às normas, mas de compreender o sentido que elas assumem para o futuro da educação superior brasileira.
Nesse horizonte, o papel das IES não é de mera adaptação, mas de protagonismo reflexivo. O que se exige é a capacidade de alinhar planejamento, inovação pedagógica e compromisso social, de modo a garantir que cada decisão acadêmica ou administrativa esteja em sintonia com a necessidade de formar cidadãos e profissionais preparados para um país em transformação em plenos éculo 21.
A política não fecha percursos, mas abre o espaço para que cada IES encontre sua forma de responder a um mesmo chamado: fazer da educação superior um instrumento de relevância e legitimidade no presente e, sobretudo, no futuro, tendo como propósito principal a formação de qualidade do estudante, com instrumentos para enfrentar desafios e implementar soluções que atendam aos anseios da sociedade e do mercado.
*Iara de Xavier é CEO da EDUX21, e membro do CC-Pares da SERES/MEC; Max Damas é assessor da presidência da Fundação Oswaldo Aranha e do SEMERJ.