NOTÍCIA
Dilemas da abertura ao diálogo nas universidades norte-americanas fazem parte das disputas sobre o papel e a confiança nas instituições de ensino superior
Publicado em 07/10/2025
Ilustração: Shutterstock
Por Marina Feferbaum, Clio Nudel Radomysler, Enya Costa, Heloisa Salles Camargo e Mitiko Nomura
Nos últimos dez anos, os campi norte-americanos mostraram que não são apenas espaços de ensino e pesquisa, mas arenas onde se refletem — e se acirram — os dilemas sociais e políticos do país. Se, nos anos 1960, as universidades foram palco de protestos contra a Guerra do Vietnã e pela luta dos direitos civis, o período entre 2014 e 2024 trouxe novos embates, igualmente intensos. Dessas mobilizações, emergem reflexões valiosas sobre os desafios do diálogo nas instituições de ensino superior, que também ecoam no contexto brasileiro.
Nesse horizonte, o Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da Fundação Getúlio Vargas (CEPI-FGV), em parceria com a Fundação Lemann, desenvolveu a pesquisa “Abertura ao diálogo em universidades de referência”, que aponta pontos centrais para esse debate.
Com a ascensão do movimento Black Lives Matter (BLM), em 2014, após os assassinatos de Michael Brown, em Ferguson, e Eric Garner, em Nova Iorque, a luta pela justiça racial foi das ruas aos campi: ganhou força em diversas instituições de prestígio como Harvard, Yale e University of Missouri. Estudantes exigiram maior diversidade no corpo docente, mudanças curriculares e atenção especial à saúde mental de minorias. Ainda que muitas das reivindicações não tenham encontrado eco nas instituições, ou se concretizando de maneira adequada, vemos que, em Missouri, a pressão estudantil chegou a provocar a renúncia de dirigentes e levou à criação de cargos institucionais dedicados à diversidade. Em Yale, chegou a garantir a renomeação de um de seus prédios, retirando homenagem a John Calhoun, defensor da escravidão e supremacista branco.
Enquanto as reivindicações por justiça racial conquistaram uma maior visibilidade, cresciam também manifestações supremacistas brancas, especialmente após a eleição de 2016. Um dos episódios mais emblemáticos ocorreu em Charlottesville, em 2017, quando neonazistas marcharam com tochas pelo campus da University of Virginia. Ao mesmo tempo em que as instituições buscavam responder ao avanço de manifestações supremacistas, por meio do reforço de segurança, de medidas de punição aos envolvidos e criação de comissões sobre o tema, o debate sobre os limites da liberdade de expressão ganhou força.
Entre 2015 e 2018, universidades como DePaul, UCLA e University of Florida enfrentaram intensos protestos em torno da presença de palestrantes polêmicos de extrema direita, como Milo Yiannopoulos, Ben Shapiro e Richard Spencer. Nesse contexto, a University of Chicago lançou os “Chicago Principles”, defesa ampla da liberdade de expressão acadêmica, sendo, por um lado, aclamada por defensores de um livre debate e, por outro, entendida como um risco de legitimar discursos de ódio sob a bandeira da autonomia universitária.
O cenário torna a se intensificar em 2020, após os assassinatos de George Floyd e Breonna Taylor. Campi de referência tornaram-se palco de manifestações massivas que cobravam reformas policiais e enfrentamento do racismo estrutural. Após esse momento, algumas universidades norte-americanas buscaram ampliar políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), embora o sentimento dominante entre estudantes e docentes foi de frustração diante da lentidão na implementação de ações concretas.
Desde 2023, entretanto, grupos conservadores passaram de críticas à suposta censura da esquerda para a defesa aberta da supressão de debates sobre raça e gênero, mobilizando-se pela eliminação de programas de DEI acadêmicos e em empresas. Os ataques aos programas vieram de várias frentes, inclusive por legislações estaduais. Tal embate demonstra inquietações quanto à pauta, bem como a dificuldade de atender demandas por inclusão em meio a pressões sociais.
Os conflitos globais também reverberaram nos campi estadunidenses. A guerra entre Israel e Palestina, intensificada em 2023 e 2024, movimentou universidades como Harvard e Columbia. Uma das principais reivindicações, nesse sentido, ainda hoje se dá pelo desinvestimento de empresas israelenses ou que fomentem a guerra. Protestos estudantis favoráveis a causa palestina resultaram em prisões em massa dos apoiadores e em acusações de antissemitismo e islamofobia.
Esse breve panorama evidencia que dilemas da abertura ao diálogo nas universidades norte-americanas não são episódicos, mas fazem parte das disputas sobre o papel e a confiança nas instituições de ensino superior.
Fazer comparações entre países é sempre complexo, mas é inevitável notarmos que muitos dos temas, reações e preocupações do cenário estadunidense nos últimos dez anos apresentam similaridades com o contexto brasileiro.
Seja na mobilização estudantil pela retirada do nome de um professor eugenista de uma sala da faculdade, seja em decisões de rompimento de convênios com instituições que fomentam a guerra contra Palestina, ou até em ações de agressão contra estudantes de cursos de ciências humanas, somos lembrados que instituições de ensino superior brasileiras também são palco de embates e que o tema da abertura ao diálogo é urgente para lidar com as tensões inerentes a esse espaço, seja por posicionamentos institucionais ou pela criação de espaços e estratégias de debates e convivência.
Feferbaum, M. (Coord.), Radomysler, C. (Lid.), Costa, E., Salles, H., & Nomura, M. (2024). Abertura ao diálogo em universidades de referência: contextualização histórica. São Paulo: FGV Direito SP – CEPI. Disponível em https://direitosp.fgv.br/projetos-de-pesquisa/abertura-dialogo-universidades-referencia-contextualizacao-desafios-estrategias-pedagogicas