NOTÍCIA
Usp e Unimore na Itália, são exemplos de boas práticas na incorporação da aculturação por meio de novas estratégias e adaptações para as circustâncias locais
Publicado em 03/12/2021
Conforme as políticas de internacionalização avançam no Ensino Superior brasileiro, um movimento que se intensifica é a pressão sobre o corpo docente para oferecer suas disciplinas por meio do inglês, a partir de diferentes abordagens que podem ser utilizadas nos programas. Por consequência, isso também pressiona as universidades a estruturar ou recorrer à soluções de capacitação que deem suporte aos seus profissionais para que estejam preparados para esse contexto que começa a ganhar mais terreno no Brasil. Entretanto, é comum que um aspecto extremamente relevante, por vezes, fique de fora das discussões: a aculturação da qualificação dos professores.
Nas últimas quatro décadas, o ensino superior internacionalizado aqueceu ao redor do mundo. E, com isso, foram definidos padrões de benchmarking para a promoção da aprendizagem nesse modelo. Ou seja, é possível encontrar quais os principais atributos que espera-se que alguém exposto a esse formato de graduação adquira.
O mesmo vale para a profissionalização de quem atua e conduz essa realidade. Há uma série de treinamentos, capacitações e qualificações que são exportados para a disseminação global de estruturas de garantia de qualidade dos programas. Porém, não é possível resumi-los em uma estrutura única para atender todas as realidades. Isso porque, a educação não é homogênea no mundo. E assim não pode ser a formação de quem vai preparar os profissionais do amanhã.
Leia: Há bem mais na internacionalização do ensino superior que aulas de inglês
As diferentes experiências que vemos ao redor do mundo se mostram eficientes em escalar o preparo do seu quadro docente. Por exemplo, no último artigo aqui, citamos o case da Universidade de Modena e Reggio Emilia (UNIMORE), na Itália, que enxergou a necessidade de prestar apoio aos seus professores após uma crescente demanda de alunos por vagas em cursos de graduação em inglês. Porém, o sucesso da prática demanda uma série de adaptações para as condições locais. Caso contrário, corre-se o risco de a teoria e a prática andarem descoladas.
Recentemente, colaborei com um artigo acadêmico publicado na Revista Letras, do programa de pós-graduação em letras, da Universidade Federal de Santa Maria (UFMS). Ele aprofunda um estudo de caso da Universidade de São Paulo (USP), que em 2019, já mergulhada nessa perspectiva da internacionalização, conduziu um projeto de capacitação para dar suporte aos seus professores. E esse aspecto da regionalização se mostrou algo bastante latente para o sucesso da sustentabilidade da estratégia. Vejamos os detalhes:
A instituição trabalha no desenvolvimento das suas políticas linguísticas há alguns anos como parte do seu processo de internacionalização. No entanto, com mais de 9 mil docentes e uma população estudantil de quase 100 mil alunos, esta não é uma empreitada simples.
Seu movimento internacional se dá por meio de duas principais frentes de atuação: uma de mobilidade externa e outra de internacionalização em casa.
A primeira foi impulsionada e incentivada por iniciativas governamentais, como os programas Ciência sem Fronteiras e o CAPES Print. Porém, a segunda depende grandemente do desenvolvimento e implementação de políticas e estratégias locais.
O sucesso dessa abordagem demanda mudanças no currículo dos cursos, nas formas de ensino e aprendizagem e nas atividades extracurriculares. Isso significa a necessidade de uma pressão crescente para que membros do corpo docente ensinem parte de suas disciplinas usando como meio a língua inglesa.
E, portanto, torna-se uma obrigação da instituição de ensino oferecer para sua equipe suporte para que eles possam desenvolver seus conhecimentos de forma que assegure que os professores estarão adequadamente preparados para prover uma experiência de aprendizagem em inglês que seja satisfatória para seus alunos.
Por mais que já houvesse aproximadamente 190 cursos de graduação oferecidos em inglês na USP, viu-se a necessidade de apoiar ainda mais os educadores participantes ou entusiastas desse modelo. Isso motivou um projeto de qualificação, cujos detalhes e êxito estão descritos aqui no artigo completo. Mas, direto ao ponto da aculturação, uma das primeiras definições foi quais módulos seriam online e quais seriam presenciais.
Isso porque, veja, módulos que se concentram em trabalhar “como dar uma palestra” ou “encorajando a interação em pequenos grupos”, geralmente, encontram um certo grau de resistência e, até mesmo, cinismo de alguns profissionais da área acadêmica. Por outro lado, o dia a dia cobra exatamente esse conhecimento e vimos que, no caso da Universidade de Modena e Reggio Emilia (UNIMORE), apenas a competência no idioma (ou seja, a proficiência) não é suficiente para ensinar por meio dele. Então, é preciso que seja traçado um plano de engajamento que leve em consideração o que será mais útil em termos de uso prático e recorrente.
Dentro dessa lógica, no exemplo da USP, quatro módulos foram ministrados de forma presencial: a linguagem das palestras; a linguagem dos seminários; tutoriais e autonomia do aluno; e como dar um feedback verbal.
Mas, os orientadores e replicadores de conteúdo perceberam que seriam necessárias mais adaptações no workshop para que ele refletisse as circunstâncias locais. Por exemplo: no Reino Unido são ministradas palestras a grupos de alunos de graduação que variam de 20 a 400 alunos, seminários interativos com aproximadamente 10 a 15 estudantes e tutoriais para pequenos grupos de dois ou três. Ao passo que, na USP, os formatos de ensino combinam a apresentação de recursos interativos em seminários e palestras, com turmas de aproximadamente 40 pessoas, além de tutoriais com pequenos grupos – ou individuais – com indivíduos pós-graduados. E, ainda, as diferentes unidades dentro da universidade variam em seus programas. Portanto, aqueles conceitos aparentemente básicos de seminários, palestras e tutoriais são renomeados de maneiras diferentes.
Isso nos leva a refletir que, apesar de em um primeiro momento o idioma parecer a parte mais importante no desenvolvimento dos professores, a maior preocupação dos gestores que conduzem essa transformação em suas instituições deve ser conhecer ao certo e em detalhes qual a jornada que os docentes e seus alunos vivem durante os anos de aprendizado.
Esse olhar apurado e a aproximação da realidade da sala de aula é que vai permitir adotar programas de capacitação que trabalhem o desenvolvimento das habilidades dos professores de maneira alinhada não apenas ao contexto do país, mas também ao que o currículo da universidade pede. E assim também será possível aplicar metodologias que conversam, efetivamente, com a forma como os alunos aprendem.
E esse aprendizado é bastante relevante para toda e qualquer universidade brasileira: a devida atenção ao desenvolvimento de sistemas de garantia de qualidade que certifiquem que os educadores de nível superior tenham conhecimento e habilidades necessárias para ensinar com eficácia.
Se você quiser se aprofundar ainda mais nesse estudo de caso da USP em torno do letramento acadêmico e das práticas pedagógicas em tempos de internacionalização, confira o artigo na íntegra. Nele, você pode explorar todas as conclusões do projeto piloto e estressar a discussão com mais riqueza de detalhes.
Domínio do inglês por docentes universitários é destaque de relatório