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Formação

Ensino técnico nas IES: oferta pequena deixa milhões sem opção

Que a sala de aula vai mudar, é fato. Mas o formato e as tecnologias usados ainda deixam as IES confusas. Então, a sugestão é começar pelos professores. Engajados, vão se superar e motivar os alunos

Publicado em 24/08/2022

por Redação

ensino técnico

A portaria 314 do MEC habilita as instituições de ensino superior com boa pontuação a ministrarem cursos técnicos. É uma boa notícia para o país e uma oportunidade para pelo menos 30% das instituições que possuem dois cursos de graduação. “E que podem abrir as portas para a comunidade com um curso de empregabilidade mais fácil. Precisávamos avançar, oferecer curso técnico àqueles que necessitam buscar uma remuneração compatível”, diz Luiz Cláudio Costa, reitor do IESB (Brasília) desde 2017. A medida permite mais flexibilidade e agilidade para as IES.

Dos 1,8 milhão de estudantes matriculados no ensino técnico, cerca de 770 mil estão em escolas particulares, ou seja, cerca de 40%. Mas a sanha burocrática das máquinas dos estados obriga uma escola de educação básica a esperar até 3 anos para ter autorização para abrir um curso técnico. É por isso que Cleunice Rehem, diretora da Brasil TEC, associação que representa os mantenedores de educação técnica e profissional, clama para que essa autorização saia dos estados e vá para a esfera federal. “Queremos igualdade com as IES”, diz ela.

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“Virou uma questão cultural”

Ao pesquisar sobre as causas do preconceito que cerca o ensino técnico, Rehem descobriu que no decreto que criou as escolas de ofício, em 1909, o presidente da República Nilo Peçanha justificava que “se torna necessário não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade, escola do vício e do crime…” Ela completa: “Aí virou uma questão cultural, a classe média não queria seus filhos nessas escolas”.

No entanto, com as limitações de vagas na rede oficial, os estudantes terão que recorrer às escolas particulares, mas, se não houver política pública para financiamento, Cleunice Rehem entende que o efeito vai ser pequeno. “Quando foi implantado, o Fies previa também financiamento para os cursos técnicos, mas isso nunca chegou a ser realidade. E são eles que apresentam empregabilidade de 75%, sendo que na saúde chega a 83%”, defende. E fala ainda numa pressão da sociedade para a viabilização do financiamento.

Cleunice Rehem: ensino técnico virou uma questão cultural, a classe média não queria seus filhos nessas escolas (foto: reprodução)

Apagão já é realidade

Ruy Guérios, fundador do Eniac, instituição de ensino superior em Guarulhos, São Paulo, e um batalhador pela inclusão no ensino de pessoas carentes, afirma: “Sou amante dos cursos técnicos, da geração que tinha como obrigação fazer junto com o colegial. Iniciei minha jornada na educação, há mais de 45 anos, dando aula para o pessoal do supletivo (atual EJA – Educação de Jovens e Adultos) e nos técnicos noturnos”.

Guérios lembra que o Brasil tem mais de 12 milhões de nem-nem, jovens de 18 a 28 anos que nem estudam e nem trabalham. A maior parte não tem ensino médio completo.

Ao mesmo tempo, o apagão de mão de obra especializada se alastra, afetando todas as áreas produtivas e em especial as ligadas à tecnologia. “As empresas apresentam dificuldade em contratar gente com habilidades técnicas em quase todas as áreas.”

Políticas públicas

O Semesp reuniu vários especialistas e pesquisadores para a elaboração de um documento sobre políticas públicas na educação para provocar discussões entre as lideranças e autoridades do setor. No capítulo ensino técnico e profissionalizante o texto é enfático: “quase 50 milhões de jovens brasileiros até 29 anos nem estudam, nem trabalham. Apenas cerca de 9% desses jovens estão matriculados em cursos técnicos ou profissionalizantes, enquanto que a média de países da OCDE é de 68%. Esta realidade impacta a economia e a qualidade de vida das famílias, implicando perda de produtividade e de capital humano, além de sobrecarregar os programas governamentais de assistência”.

O trabalho elaborado sob a coordenação do Semesp diz que “de acordo com análise de mercado divulgada pela Confederação Nacional da Industria (CNI) em 2021, 78% das empresas afirmam ter dificuldades para encontrar profissionais qualificados em nível técnico e procuram capacitar os trabalhadores dentro da própria empresa. Até 2023, 10,5 milhões de trabalhadores brasileiros precisarão ser capacitados para exercer ocupações na área industrial, em especial operadores e técnicos”.

E uma das propostas, baseada em exemplo de outros países, fala em “criação do sistema dual flexível de formação escola-empresa, ancorado em um programa de trajetórias formativas articuladas, favorecendo o processo de atualização tecnológica dos cursos EPT e aproximando as experiências de sala de aula da realidade do mundo do trabalho”.

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“Precisamos garantir igualdade de escolha para todos”

Mas há um fenômeno em curso no mundo. Nas áreas de tecnologia e economia criativa os estudantes não terminam os cursos. As empresas contratam antes. Luiz Cláudio Costa lembra que recentemente, em discussão na Associação Europeia de Universidades, discutiu-se a questão de que as empresas não mais procuram jovens com diplomas, mas com conhecimento, principalmente na área de tecnologia. “Temos vários alunos de tecnologia que não concluem, são chamados para trabalhar nas empresas”.

O IESB está inserido entre as três melhores instituições de Brasília, diz Luiz Cláudio. “Temos hoje 600 alunos na educação básica e relançando os cursos técnicos com outra abordagem, e essa portaria nos mostra um novo caminho.” Embora acredite que o ensino técnico pode mudar a vida de uma grande parte da população, ele sugere que os jovens têm que ter oportunidade de escolher. “Não é porque é pobre que o curso técnico é a saída. Precisamos garantir igualdade de escolha para todos.”

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Solução para o Brasil

Ruy Guérios diz que essa modalidade é a solução para o Brasil, tanto na formação dos atuais jovens que fazem o novo ensino médio, com trilhas profissionalizantes e técnicas, como para incluir os nem-nem. “Mas tem que existir uma pegada não apenas teórica, e promover oportunidades de os alunos realizarem práticas profissionais.”

Ele conta que está articulando programas junto aos empresários de Guarulhos (CEGRU – Conselho empresarial de Guarulhos e região), para promover estações de estágio e desenvolvimento profissional de estudantes dos cursos técnicos, visando acelerar a formação e desenvolver as habilidades e competências de que as empresas precisam nos seus times.

O Eniac vai mais longe. “Estamos, também com o apoio do CEGRU, entregando a formação do EJA (ensino médio) de forma gratuita para 5 mil alunos que não conseguiram completar o ensino médio, com programa de capacitação de empreendedorismo para gerar trabalho e renda.”

Quanto ao que pode significar para as IES, Guérios diz: “As faculdades isoladas podem sim agarrar essa oportunidade e fazer um curso técnico de verdade, promovendo as ações de integração com as empresas do município e cumprir com a importante missão de colocar uma opção de verdade para essa geração perdida dos nem-nem se incluírem na sociedade e ajudarem o Brasil a se desenvolver”.

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Marco legal

O documento do Semesp fala na inclusão da educação profissional e tecnológica na nova política pública para o ensino superior brasileiro. E deverá contemplar a modernização do marco legal, com o estabelecimento de uma trajetória articulada entre a educação técnica e profissional e a educação superior. E que não seja considerada uma etapa intermediária, mas uma estrutura integrante de um sistema que caminha paralelamente ao ensino básico e ao ensino superior. Para permitir a formação de um expressivo contingente de trabalhadores com as habilidades exigidas pela economia moderna e oferecendo-lhes uma formação prática de alta qualidade, associada com o conhecimento especializado voltado para carreiras acadêmicas.

O modelo permite a mobilidade entre essas duas estruturas, e os estudantes podem optar por diversas trajetórias para o desenvolvimento de sua carreira, dentro de duas possibilidades: qualificação no ambiente de trabalho, por meio de estágios, programas de trainees ou simulações, ou qualificação em ambientes educacionais, seja em programas de formação presenciais ou por meio de cursos on-line, enfatiza o documento.

Os participantes desse documento falam que para a viabilização dessa política será importante que todos os cursos oferecidos pelo sistema proposto estejam organizados em uma plataforma na qual os estudantes poderão conhecer as ofertas das diversas instituições provedoras, comparar informações como unidades de competências abrangidas pelo curso, mensalidades e valores, duração, avaliação de satisfação, dentre outras informações.

Política sem rumo

José Roberto Covac, advogado e um historiador do ensino superior, faz um relato da trajetória dessa modalidade e o que se depreende é que nunca houve uma continuidade, um projeto de nação. Nos anos 90, lembra, o ensino técnico e o médio tinham concomitância. Isso valorizava o técnico; exemplo disso em São Paulo era o Colégio Radial, com 9.000 alunos. De repente foi proibido e, nessa altura, as vagas caíram. Foi quando esses colégios se tornaram faculdades criando os tecnólogos.

Dessa falta de uma política duradoura veio o Pronatec para valorizar novamente o ensino técnico. As escolas davam bolsas de estudo pagas pelo governo. A expansão durou pouco, logo o governo eliminou esse procedimento. “Há critérios para as faculdades abrirem esses cursos, que são facilmente atendidos. É uma oportunidade, principalmente para as camadas mais pobres.”

Leia também: Brasil pode perder a 4ª Revolução Industrial

Entrevista originalmente publicada na edição 268 (agosto/2022) da Revista Ensino Superior. Assine.

Autor

Redação


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