NOTÍCIA

Edição 277

Sinaes vai mudar para dar conta da diversidade

Inep coloca propostas na mesa e começa a discussão sobre o Sinaes

Publicado em 29/08/2023

por Sandra Seabra Moreira

Ulysses Tavares Teixeira, do Inep, fala sobre o Sinaes Ulysses Tavares Teixeira (Foto: Jéssica Luz/Ascom Inep)

O tripé avaliação externa, Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) e autoavaliação, do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, o Sinaes, será revisado. Ele foi criado pela lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004 e as transformações de quase duas décadas ocorridas no setor apontam para a necessidade de ajustes. No dia 17 de agosto, na Universidade Federal do Pará, em Belém, acontece o que o diretor de avaliação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Ulysses Tavares Teixeira, chama de primeira oficina, com representantes das IES e associações do setor.

Está em formulação o calendário que agendará encontros regionais por todo o país. Nesta entrevista, Teixeira detalha a proposta do Inep para aperfeiçoar o sistema. O objetivo é dar conta da característica mais marcante do ensino superior brasileiro – a sua diversidade. No momento mapeando avanços e problemas, ele diz contar com “a energia das 2.500 instituições e 43 mil cursos” para o trabalho de alavancar as soluções que diminuirão as angústias das IES e do próprio Ministério da Educação. “Eu tenho certeza de que daremos conta desse desafio. A ideia é chegar a 14 de abril de 2024, quando o Sinaes completa 20 anos, com alguma mudança ou, no mínimo, um documento orientador.”

 

Neste momento, qual o maior desafio à frente da diretoria de avaliação do Inep?

O maior desafio é dar conta da diversidade da educação superior no Brasil. Desde quando foi criado o Sinaes, o setor cresceu em número de cursos, instituições e estudantes e teve suas características alteradas, por exemplo, o aumento significativo de cursos a distância. Essas mudanças causam impactos na avaliação. Para dar conta da diversidade, é preciso aperfeiçoar os processos e instrumentos de avaliação.

Sou um grande entusiasta do Sinaes, um sistema que joga luz, de fato, em todos os pontos importantes da educação superior. Quando falo em aperfeiçoamento não penso em mudança na lei, mas nos processos infralegais e nos instrumentos de avaliação.

 

Você pode citar um exemplo dessa diversidade que o sistema não dá conta de identificar ou valorizar?

Os instrumentos de avaliação in loco são os mesmos para todos os cursos do país. Mas sabemos que cursos de licenciatura são diferentes dos de bacharelado, que são diferentes de cursos superiores de tecnologia. Sabemos que há universidades com foco no ensino e na pesquisa. E há também instituições, como as comunitárias, com foco na integração com a sociedade, gastando muito do seu esforço de atuação em programas de extensão, que aparecem menos nas avaliações.

 

Há previsão quanto às mudanças no Índice Geral de Cursos (IGC) e Conceito Preliminar de Curso (CPC). Se sim, em que âmbito: nas dimensões avaliadas, nos indicadores propriamente?

O CPC e o IGC, indicadores agregados, têm uma metodologia de cálculo única, que é a mesma, por exemplo, para reconhecer professores com titulação de doutor, com dedicação exclusiva. Embora seja muito importante para alguns cursos, para outros não é tanto, a exemplo de cursos superiores de tecnologia, com uma proposta de integração muito maior com o mercado. A ideia, como eu disse, é dar conta da diversidade do sistema. Estamos colocando uma proposta na mesa. Não é uma decisão definitiva, será construído em diálogo com as instituições, associações do setor, o Conselho Nacional de Educação (CNE), o MEC.

A proposta é desagregar todos esses indicadores. Hoje, o CPC e o IGC juntam tudo – a avaliação das dimensões de qualidade, os conceitos de curso e institucional (CI e CC) da avaliação in loco, enfim, é uma série de requisitos diferentes – e gera notas de 1 a 5. É interessante ter um número que resuma a qualidade da instituição. Em geral, as instituições gostam de colocar “curso nota máxima”. Mas esse número passa pouca informação, na verdade.

 

O objetivo da desagregação é trazer mais informações?

Trazer informações detalhadas, mais transparência: dados do corpo docente, do desempenho, da infraestrutura, dos egressos, da autoavaliação, de como a instituição se comporta na pesquisa, na extensão. Podemos ter dezenas de indicadores para cada uma dessas dimensões, mas a ideia é que tenhamos um painel-resumo que traga todas essas dimensões: o Enade, o questionário do estudante, o Censo, a avaliação in loco ou autoavaliação. Um conjunto de informações que permita ao usuário comparar.

O usuário não avaliará segundo os critérios do Inep para o CPC, mas segundo seus próprios critérios. O estudante pode pensar: moro no Mato Grosso, não quero sair da casa dos meus pais, quero cursar agronomia, presencial, numa instituição que tenha muitos professores doutores, que tenha projeto de iniciação científica para me abrir caminhos para a pós, pois quero trabalhar como pesquisador na Embrapa. Ele faz o filtro, estão lá as opções disponíveis.

A Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres), por exemplo, pode ter outros critérios para as decisões de regulação, de programas de financiamento, para distribuição orçamentária das instituições públicas.

 

Esses índices não serão mais calculados? Eles não trouxeram mudanças importantes no sistema de avaliação quando adotados?

É possível acompanhar, por exemplo, que a partir da criação do CPC, que valorizou a titulação no regime de trabalho dos professores, essa dimensão foi valorizada também pelas instituições. Claro, foi um estímulo. O CPC surgiu a partir de 2007 justamente para trazer outras dimensões ao indicador agrupado, para auxiliar nos processos da visita in loco. Foi pensado a partir da lógica da regulação, mas por ter sido usado em políticas públicas acabou estimulando esse comportamento nas instituições. Um comportamento que está vinculado a metas educacionais. O Plano Nacional de Educação (PNE), por exemplo, tem essa meta de aumento do número de professores com titulação de mestrado e doutorado.

Eu não estou dizendo que o CPC ou suas dimensões não são importantes, mas que o sistema é mais diverso do que isso. E podemos trazer mais dados para jogar luz, por exemplo, sobre outras ações das instituições. Vamos continuar calculando o CPC e o IGC, mas queremos divulgar gradativamente essa cesta de indicadores, esse painel-resumo. Quando tivermos informações suficientes e as políticas públicas e as decisões dos gestores educacionais puderem ser tomadas a partir desse painel, poderemos parar de calcular. Não pode ser de uma hora para outra, para não matarmos as políticas públicas.

 

Isso significa então entrar um pouco mais nas especificidades de cada curso e instituição?

Cada curso do país pode ter um detalhe que só ele tem, um curso diferente de todos os outros. Mas são 43 mil cursos, não dá para ter 43 mil instrumentos, nunca chegaremos a esse nível de detalhe qualitativo. Por outro lado, um instrumento único está deixando passar características importantes. Precisamos chegar a esse ponto de equilíbrio. Até que ponto especificamos o instrumento de avaliação e até que ponto deixamos num nível mais geral que permita comparabilidade.

É um ponto de equilíbrio difícil, mas temos uma indicação que pode nos ajudar nessa definição. Desde 2018, todos os cursos do país estão classificados pela Classificação Internacional Normalizada da Educação adaptada para cursos de graduação e sequenciais de formação específica (Cine Brasil). Independentemente do nome do curso, existe uma área detalhada que está vinculada à proposta pedagógica de cada curso e essa classificação tem graus diferentes de agregação. A maior delas abrange as dez grandes áreas. Uma proposta inicial é começar a especificar os instrumentos de avaliação in loco em direção às dez grandes áreas. Isso significa, por exemplo, um instrumento para os cursos da área da saúde, outro para a área da educação e formação dos professores, outro para engenharias. A proposta que estamos colocando vai nessa direção.

 

Quais propostas existem para aperfeiçoar a autoavaliação?

A ideia é conhecer os processos que estão sendo conduzidos pelas Comissões Próprias de Avaliação (CPAs) e estimular os melhores processos de autoavaliação. Nem todo mundo está fazendo do mesmo jeito. Queremos coletar informações mais objetivas da autoavaliação para compor esse painel de indicadores também.

 

Quanto ao Enade, é recorrente a crítica de que, embora as IES tenham liberdade para construir os currículos dos cursos, o exame é igual para todos. É possível que isso mude?

O Enade é elaborado a partir do que está previsto nas diretrizes curriculares nacionais. Não importa qual a especificidade do curso, se é presencial ou EAD, ou se quer ser inovador nessa ou naquela direção, aquele básico que é previsto na diretriz curricular é o que precisa ser cobrado. Por isso faz sentido que o Enade seja a mesma prova para todos os estudantes daquele curso, afinal de contas, queremos medir a competência e o conteúdo.

Mas podemos, sim, aperfeiçoar o Enade. Por exemplo, quando divulgamos os resultados do último CPC, relativo à edição de 2021 do Enade, nós demos ênfase aos resultados dos cursos de licenciaturas. Das 30 áreas avaliadas em 2021 – que são o mesmo grupo que será avaliado no ano que vem, em 2024 –, 17 eram de licenciatura. Isso trouxe uma discussão, inclusive o MEC criou um grupo de trabalho que contou com participação das secretarias do MEC, da Capes, do CNE, das associações representativas das insti- tuições, para pensar como melhorar os cursos de formação de professores, incluindo, da parte do Inep, a avaliação.

O Inep criou uma comissão interna, formada por professores que já foram das comissões que elaboraram as provas de licenciatura. A ideia é pensar num modelo de prova para avaliar os cursos de licenciatura e buscar uma resposta melhor para a pergunta “esse curso está formando bons professores?”, ao invés de “esse curso está formando bons matemáticos, químicos, historiadores?”. Uma mudança fundamental de paradigma na prova. Vamos começar com esses cursos de licenciatura, que são estratégicos. Com essa experiência, vamos conseguir mudar outras áreas. São 90 provas diferentes ao longo de três anos. O desafio de mudar tudo de uma vez é paralisante. Isso tem de vir no mesmo âmbito de uma discussão sobre o que o Enade precisa de fato avaliar.

 

Significa discutir prioridades?

Discutir se precisamos continuar avaliando essas 90 áreas, ou se podemos concentrar os esforços e aperfeiçoar o Enade para ele conseguir trazer resultados melhores sobre as competências desenvolvidas pelos estudantes. E resultados melhores até no sentido de expectativa de desempenho e comparabilidade ao longo dos anos. Aproveito, aqui, para instigar: será que uma prova teórica aplicada ao final da graduação é a melhor maneira de avaliarmos estudantes de cursos superiores de tecnologia? Se trouxéssemos algum indicador sobre empregabilidade já não seria, talvez, um dado mais relevante?

 

Em meio à expansão dos cursos EAD, há preocupação em relação à qualidade de alguns cursos. Há previsão de alteração específica no processo de avaliação para essa modalidade?

Penso que tem a ver com dar uma resposta melhor acerca da qualidade dos processos formativos e como os estudantes estão saindo da graduação. Se é na modalidade EAD ou presencial faz pouca diferença, porque a exigência da diretriz curricular é a mesma. Gostaríamos de dar uma resposta melhor quanto a esses resultados. Dando essa resposta melhor, a Seres, por exemplo, terá elementos mais fáticos para tomar decisões mais duras em relação aos cursos que estão com desempenho mais baixo. Mas não podemos relacionar diretamente a modalidades de cursos. Nossos resultados mostram que existem EADs bons e ruins e cursos presenciais bons e ruins. E mais um detalhe: esses resultados precisam ser contextualizados, justamente por causa das missões institucionais.

 

Você pode detalhar melhor acerca dessa contextualização?

Uma das vantagens desse sistema de avaliação, vou chamar de multidimensional, é que apresenta caminhos diferentes. Por exemplo, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) forma excelentes engenheiros. Eles têm alto desempenho na prova do Enade. Nem todo mundo precisa ser igual ao ITA. Há instituições com propostas diferentes, como uma instituição no interior do estado, em região de baixo desenvolvimento socioeconômico, em que os estudantes não têm, nas condições de entrada, as mesmas características dos estudantes que entram no ITA.

Também é fundamental avaliar como esses estudantes estavam antes da entrada na graduação, e como saem, as condições de emprego, o envolvimento deles com a comunidade e outros impactos sociais. Essa instituição, com estudantes de condições socioeconômicas baixas, com critério seletivo baixo, pode não entregar a nota mais alta no Enade, mas uma nota muito boa, talvez melhor que outras instituições que tiveram estudantes com características, na entrada, muito melhores. Temos de valorizar isso.

 

Autor

Sandra Seabra Moreira


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