NOTÍCIA

Edição 277

Falta de atenção dos estudantes desafia a docência

Em meio a mudanças constantes, professores de IES públicas também pesquisam como engajar mais e melhores estudantes

Publicado em 31/08/2023

por Ensino Superior

Falta de atenção dos estudantes desafia a docência Consórcio STHEM Brasil oferece programa de formação voltado a entender como se dá o aprendizado do estudante

Por Rubenigue Maciel: Uma das palestras mais concorridas da edição de 2022 do Fnesp foi proferida pelo mexicano Ignacio de La Vega, pró-reitor para assuntos acadêmicos, corpo docente e internacionalização do Instituto Tecnológico de Monterrey, acerca do Modelo Tec 21, referência na busca e desenvolvimento de novos padrões de aprendizagem pautados por evidências colhidas nas descobertas das neurociências.

Ignácio de La Vega

Ignácio de La Vega (foto: divulgação/Tecnológico Monterrey)

Não sem motivo, o cargo do educador abarca essas três frentes, uma ligada a currículos e a forma de ministrá-los, a segunda às figuras-chave desse processo, os professores, e a última ao para-raios para detectar as tendências internacionais, sempre mutantes. Em sua fala no evento organizado pelo Semesp, De La Vega frisou a grande responsabilidade das instituições universitárias na oferta de uma educação de qualidade, que proporcione “as competências e habilidades necessárias para transformar a realidade econômica e social de nossos países”.

A ênfase não é gratuita, pois, cada vez mais, a missão das universidades está ligada a essas transformações, em especial nos países da América Latina. Esse processo, no entanto, passa cada vez mais pelo entendimento de quem são os alunos contemporâneos e pelo desafio de capturar seus sentidos nos processos de aprendizagem. Partindo da premissa do estudioso da atenção e professor de Teoria da Arte da Universidade de Columbia, Jonathan Crary, isso significa ativar os modos pelos quais ouvimos, olhamos ou nos concentramos atentamente em um objeto, “algo que tem um profundo caráter histórico”. Ou seja, o que captava nossa atenção 50 ou 100 anos atrás não é o mesmo que hoje nos mobiliza. Ou, ao menos, pode não ser.

 

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Essa é uma questão que tem provocado reflexões mais aprofundadas nos últimos tempos, ainda que circunscritas no universo do ensino superior brasileiro. “Não basta usar metodologias ativas”, alerta o professor Fábio Reis, diretor do Consórcio Sthem Brasil, rede que reúne 65 instituições de ensino superior, públicas e privadas, com a finalidade de investir na formação docente, aumentar o engajamento e aprendizado discente, utilizando tecnologias da informação. “Neste ano, começamos a trabalhar em novas frentes. Por solicitação de professores de várias instituições oferecemos um programa de formação voltado a entender como se dá o aprendizado do estudante com base em novos aportes das neurociências, com uma programação elaborada pela Tec Monterrey”, diz Reis.

Fábio Reis

Fábio Reis (foto: arquivo/RFM)

Instituições que seguem no mesmo rumo, como a South New Hampshire University, aumentaram consideravelmente o número de alunos, inclusive na pandemia, quando a IES americana, que atende um público de baixa renda, ganhou 40 mil novos estudantes. Isso aconteceu com personalização do aprendizado, foco e acompanhamento dos discentes e uso de tecnologia. Essa proximidade em relação ao aluno é vital para os bons resultados, analisa Reis. “Cursos precisam ter vivências, experiências. O curso apenas em EAD não permite a experiência presencial; depois, muitas situações se tornam muito mais complexas para os alunos.”

As dimensões da atenção, da memória e da aprendizagem estão no centro do curso elaborado pela Tec Monterrey especialmente para o Consórcio Sthem. A abordagem da neurociência ligada a esses temas busca se traduzir em práticas e atividades que proporcionem estímulos com mais resultado em determinados ambientes. Traduzindo em miúdos, aquilo que consegue não só despertar a atenção do aluno, mas também fazer com que ele tenha um processo menos passivo, o que deverá reverberar de forma mais eficaz na fixação de conceitos.

 

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O problema é que, nas últimas décadas, tem havido uma dinâmica de mudança constante nos fatores que despertam os sentidos. É o que Jonathan Crary chama de “revolução dos meios de percepção”. E essa revolução não deve cessar tão cedo.

“As modalidades perceptivas têm se encontrado num estado constante de transformação, ou, como diriam alguns, num estado de crise. Se é possível dizer que a visão teve alguma característica constante ao longo do século XX [e XXI, podemos acrescentar], esta seria precisamente a falta de características constantes, escreve o autor no livro Suspensões da percepção – Atenção, espetáculo e cultura moderna. E a visão, normalmente nosso primeiro sentido de atenção nos processos educacionais, vem sendo moldada pelas mudanças tecnológicas, cada vez em maior velocidade.

 

A parafernália atencional

 

E como pode o professor lidar com tamanha instabilidade? O que fazer para lidar com novidades como o Chat GPT ou outras criações da inteligência artificial? Por enquanto, não há muitas respostas institucionais, a não ser aquelas normativas. Graças às discussões propiciadas pelo Consórcio Sthem, essa sensação de solidão docente tem sido minorada entre os participantes do grupo. E, na falta de formação continuada, como acontece para os professores da educação básica, os profissionais das universidades públicas estão entre os mais ativos no repensar de suas práticas. Isso mostra, ainda que com variações, que as aflições são generalizadas. 

Carlos Renato Zacharias

Carlos Renato Zacharias (foto: arquivo pessoal)

É o caso de Carlos Renato Zacharias, professor livre-docente de física da Faculdade de Engenharia e Ciências de Guaratinguetá, da Unesp. “O grupo do Consórcio me permitiu conhecer novos problemas, experiências que me fizeram crescer muito. Com essas trocas, é possível expandir os limites, trocar erros e acertos. Na Unesp, pouquíssimas pessoas fazem trabalhos semelhantes”, lamenta.

Segundo Zacharias, a neurociência dá “um certo respaldo”, por exemplo, para que ele dose o conteúdo, pare, retome algumas coisas, ajudando os alunos a lidar com novos conceitos e informações, a localizar melhor os pontos críticos para a aprendizagem. “Com isso, o empirismo se transforma em projeto, temos um suporte conceitual”, resume.

Preocupada com a boa recepção dos novos ingressantes, Juliana Maria Sampaio Furlani, coordenadora do curso de física a distância da Unifei em Itajubá, revela que em sua instituição os professores mais acolhedores estão sendo alocados nos anos iniciais. Isso porque, explica, depois do Sisu e das cotas, as universidades públicas recebem alunos de classes sociais que até então não tinham acesso a essas instituições – realidade, de resto, que as instituições privadas conhecem há mais tempo. 

 

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Juliana Maria Sampaio Furlani

Juliana Maria Sampaio Furlani (foto: arquivo pessoal)

Para Furlani, essa novidade é muito bem-vinda, mas é preciso dar mais atenção ao ingressante. “Não dá para supor que ele tenha os mesmos pré-requisitos que os estudantes de outro nível sociocultural. Aí o professor precisa mudar a postura em relação aos alunos.” Outro ponto está relacionado à multiplicação de fontes de informação, nem sempre confiáveis, com as quais se tem de lidar. “A universidade é o lócus do conhecimento, é preciso trabalhar a informação de forma mais crítica.”

Outro ponto ressaltado pela professora é uma tentativa de equalizar melhor as avaliações. Numa disciplina tradicionalmente temida pelos estudantes, como Cálculo, a opção foi adotar uma prova única para as turmas de mesmo ano. Dessa forma, estão menos sujeitos às subjetividades docentes.

 

Estratégia para o sono

 

Boas noites de sono são necessárias para que o cérebro processe as novidades a que somos expostos durante o dia, em especial no caso de estudantes que se defrontam com uma rotina de estudos à qual não estão habituados. Como já comprovaram vários estudos de neurociência, a privação do sono nessas circunstâncias prejudica muito o desempenho dos alunos, o que costuma ocorrer com ingressantes que mergulham nas festas universitárias.

Segundo Furlani, o primeiro ano acaba sendo estratégico para que esses estudantes não abandonem o curso. Se chegarem ao segundo ano, a possibilidade de permanência até o final passa a ser bem maior. Por isso, os professores têm organizado atividades de extensão à noite, permitindo a socialização dos alunos e oferecendo estímulos diversos, como a observação do céu ou pequenas competições entre eles.

 

Efeitos pandêmicos

 

O professor Zacharias salienta uma mudança comportamental que chamou sua atenção após o retorno às aulas presenciais. “Os alunos estão muito passivos, apáticos, sem atitude. Há dificuldade em fazê-los participar. Não gostam de trabalhar em grupos, é como se não associassem o trabalho em grupo à vida acadêmica”, tem notado o docente. 

Segundo ele, uns têm vergonha de não saber, outros têm mais vergonha ainda de saber. Em contato com professores de outras instituições nacionais e internacionais, ele constatou comportamentos parecidos. “A aversão ao rótulo de nerd cresceu muito.”

Em acréscimo a isso, os alunos estariam mais adaptados a relações de avaliação mais mecânicas, como a realização de exercícios. “Depois que percebi isso, pego forte na parte conceitual e só lá no final começo a fazer os cálculos”, diz Zacharias, que credita essa postura à formação anterior dos alunos.

Ele observa que os professores iniciantes nas universidades públicas, que têm de passar por três anos de estágio probatório, tendem também a dar aulas mais tradicionais em função de terem de cumprir seus projetos de pesquisa. “A própria universidade cobra muito a pesquisa. Depois de três anos eles conseguem ousar um pouco mais.”

Entre a superexposição a tudo que tenta nos captar a atenção e a concentração intensiva num assunto que provoca uma espécie de suspensão em relação ao mundo exterior, encontra-se um professor de quem se pede sensibilidade para detectar a realidade do aluno. E esse é só um dos requisitos nesse mundo de extenuante complexidade.

 

Revista Educação: Neuroeducação abre possibilidades de melhoria nas estratégias de aprendizagem

Autor

Ensino Superior


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