Delimitação traz a necessidade de ajustes institucionais
Mudança traz a necessidade de ajustes institucionais (imagem: Shutterstock)
Por Luciana Maia*
A publicação do novo decreto que revoga o Decreto nº 9.057/2017 e altera significativamente o Decreto nº 9.235/2017 marca um ponto de inflexão importante para o ensino a distância no Brasil. Trata-se de uma atualização regulatória que vinha sendo aguardada por muitos atores do setor, diante de um cenário que mudou profundamente nos últimos anos – seja pelo avanço das tecnologias educacionais, pelo amadurecimento das instituições, seja pela própria ampliação do acesso à educação superior em diferentes formatos.
Durante anos, o marco regulatório de EAD funcionou com base em dispositivos concebidos para uma realidade anterior à consolidação da cultura digital, anterior à pandemia e à transformação dos hábitos de estudo. Revisitar essas normas se fazia necessário. E é isso que o novo decreto propõe: uma reconfiguração das regras de oferta, operação e acompanhamento da modalidade, em sintonia com os desafios atuais.
Entre as mudanças, destaco a categorização das modalidades presencial, semipresencial e a distância, com critérios claros sobre a carga horária mínima presencial exigida em cada uma. Essa distinção traz mais transparência para a sociedade e contribui para um debate mais qualificado sobre o que cada formato representa – em cada área de ensino.
As restrições à oferta de cursos EAD em áreas como direito, medicina, enfermagem, odontologia, psicologia e em licenciaturas indicam uma postura mais cuidadosa por parte do regulador. O objetivo, ao que tudo indica, é preservar a qualidade da formação em áreas sensíveis.
Outro ponto de destaque está na reconfiguração dos polos EAD. Com exigência de infraestrutura mínima e limitação de parcerias entre instituições, o decreto sinaliza que os polos devem ser, de fato, espaços de apoio pedagógico e conexão entre estudantes e instituições – e não apenas endereços formais.
A regulamentação detalhada das funções docentes no EAD como o professor regente, o professor conteudista e o mediador pedagógico dão visibilidade ao trabalho coletivo que sustenta a modalidade e estabelece parâmetros mais claros para a composição das equipes acadêmicas, buscando a promoção de responsabilidade e coerência pedagógica.
As regras mais estritas para avaliações, controle de frequência e publicidade seguem essa mesma lógica: garantir que o estudante saiba exatamente o que está contratando, que seja avaliado de forma justa e que haja coerência entre a proposta pedagógica e a prática institucional.
Não menos relevante é a decisão de unificar o processo de credenciamento para todas as modalidades e a proibição de que o diploma indique o formato de ensino. Esses pontos reforçam a ideia de que qualidade está ligada ao projeto acadêmico, não ao meio.
Em resumo, o novo decreto busca trazer rigor para um cenário educacional em constante transformação. Trata-se de uma atualização que era necessária e que recoloca a EAD no centro do debate sobre qualidade, equidade e inovação no ensino superior brasileiro.
Entre os aspectos que merecem atenção, destaca-se a nova definição dos agentes de ensino na modalidade a distância. A formalização das funções de professor regente, professor conteudista e mediador pedagógico representa um passo importante na organização das equipes acadêmicas. No entanto, também suscita reflexões, especialmente quando pensamos na atuação dos mediadores (em algumas IES tutores desempenhavam papel parecido e com forte conteúdo acadêmico).
Essa delimitação, embora possa ser bem-vinda do ponto de vista normativo, traz a necessidade de ajustes institucionais. Será preciso revisitar atribuições, repensar vínculos contratuais e garantir que a mediação da aprendizagem continue sendo feita com qualidade, autonomia e clareza de papéis. O que se impõe, portanto, é um movimento de adaptação e amadurecimento das práticas já consolidadas, à luz de um novo marco regulatório.
O momento pede escuta, análise e construção conjunta. A qualidade do ensino a distância no Brasil dependerá, cada vez mais, da capacidade das instituições de interpretar esse novo cenário não como uma limitação, mas como um ponto de inflexão – e um chamado à revisão de práticas e ao fortalecimento da experiência acadêmica.
| Aspecto | Decreto nº 9.235/2017 | Novo marco regulatório |
| Modalidades de ensino | Não especificava claramente as modalidades. | Definição das modalidades: presencial, semipresencial e a distância, com respectivas cargas horárias presenciais mínimas. |
| Oferta de cursos EAD | Permitida para diversas áreas, incluindo de saúde e licenciaturas. | Restrição da modalidade 100% EAD para cursos como Enfermagem, Medicina, Odontologia, Psicologia e Direito |
| Polos de apoio presencial | Regras menos detalhadas sobre infraestrutura e compartilhamento. | Estabelecimento de requisitos mínimos de infraestrutura e restrições ao compartilhamento de polos entre instituições. |
| Corpo docente e mediação | Menor detalhamento sobre funções e limites de alunos por professor. | Definição de papéis específicos (regente, conteudista, mediador) e limitação de alunos por atividades mediadas (70). |
| Credenciamento de IES | Processos separados para credenciamento em modalidades presencial e EAD. | Credenciamento unificado para todas as modalidades; IES públicas estaduais e distritais automaticamente credenciadas, mas devem formalizar junto ao MEC. |
| Avaliações | Flexibilidade na forma de avaliações, com possibilidade de avaliações totalmente online. | Proposta de avaliações presenciais periódicas com peso significativo na nota final, incluindo questões discursivas. |
| Transparência na publicidade | Menos exigências sobre informações em materiais publicitários. | Obrigatoriedade de informar claramente o formato do curso e detalhes metodológicos em materiais publicitários e contratos. |
| Diplomas | Possibilidade de distinção entre diplomas de cursos presenciais e EAD. | Proposta de uniformização dos diplomas, sem distinção da modalidade de ensino. |
| Pós-Graduação Lato Sensu | Regras menos restritivas para oferta de cursos de pós-graduação lato sensu. | Alinhamento da oferta de pós-graduação lato sensu com as modalidades autorizadas para os cursos de graduação da instituição. |
| Revogação de normas anteriores | Mantinha o Decreto nº 9.057/2017 em vigor, que regulamentava o EAD. | Revoga integralmente o Decreto nº 9.057/2017 e dispositivos do Decreto nº 9.235/2017 relacionados ao EAD. |
*Coordenadora da rede de EAD do Semesp e professora de mestrado na Fipecafi, Luciana Maia Machado é a nova colunista da revista Ensino Superior. A colaboração terá o ensino a distância como foco.
Por: Ensino a distância | 20/05/2025