Decisão do STF representa um novo marco de relacionamento entre o professor e a escola
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Por João Paulo de Campos Echeverria*
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1058, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), esclarece uma questão que vinha sendo discutida no Tribunal Superior do Trabalho (TST). O tema era a definição de que o chamado “recreio” — os 15 minutos de intervalo entre uma aula e outra — deveria ser considerado como tempo em que o professor permanece à disposição da instituição de ensino, gerando o direito à remuneração correspondente, incluindo eventuais horas extras quando aplicável.
De forma bastante resumida, o TST entendia que o intervalo entre aulas, conhecido como ‘recreio’, constituía tempo à disposição do empregador e deveria integrar a jornada de trabalho do professor. Com isso, surgiram não apenas reclamações trabalhistas individuais, nas quais os professores reclamavam a remuneração correspondente a esse tempo, mas também demandas de natureza coletiva, propostas por diversos sindicatos dos professores em todo o Brasil, que começaram a se proliferar em grande número diante da Justiça Trabalhista.
O efeito natural de todo esse contingente contencioso foi uma reação em cadeia das mais diversas associações e sindicatos representantes das instituições mantenedoras de ensino, desde aquelas representativas do ensino básico àquelas do ensino superior, que foram ao STF, primeiramente pela Associação Brasileira das Faculdades (ABRAFI), autora da ação, questionando a constitucionalidade da orientação conferida pelo TST em sua jurisprudência, especialmente no sentido de demonstrar que a dinâmica do “recreio” não estaria submetida a lógica de subordinação prevista no art. 4º da CLT, e, por isso, estaria suprimindo as garantias constitucionais da reserva legal e separação dos poderes.
Em outras palavras, a ação proposta diante do STF, que ficou conhecida como ADPF 1058, ressaltou que não havia previsão legal no sentido de enquadrar o “recreio” como tempo à disposição das escolas, e que, ao assim agir, o TST estaria criando uma regra à margem da competência constitucional do legislador para criar a lei.
Nesta ADPF 1058, em que diversas outras entidades representativas do ensino foram admitidas como “amicus curiae”, incluindo o Semesp, o STF tratou de verificar justamente se essa “presunção absoluta” em se considerar o “recreio” como um tempo do professor à disposição da escola, como foi estabelecido pelo TST, seria constitucional ou não. O resultado alcançado, no entanto, trouxe algumas complicações.
O STF, a bem da verdade, em uma linha de raciocínio conciliadora que conjugou os votos dos ministros Gilmar Mendes (relator) e Flavio Dino, parece haver caminhado para um quadro em que privilegia tanto o trabalhador, ressaltando que essa presunção absoluta deve prevalecer como regra ordinária, quanto às escolas, permitindo que a primazia da realidade, princípio basilar no direito do trabalho, seja garantido, autorizando que cada caso seja tratado em sentido concreto, de maneira individual e, com isso, garantindo às instituições de ensino o direito de fazer prova no sentido de que no intervalo (“recreio”) o professor não estaria sob qualquer espécie de subordinação e que, portanto, não estaria à disposição da instituição.
Assim, por maioria de votos, sendo vencido apenas o ministro Edson Fachin, o STF indicou que o tempo de “recreio” poderá ser excluído do cômputo da jornada de trabalho do professor se a instituição de ensino comprovar que o professor o utilizou para atividades estritamente pessoais.
Para as instituições de ensino, ao menos à primeira vista, o resultado é aparentemente positivo, pois a presunção absoluta que automaticamente computava o recreio na jornada de trabalho é flexibilizada. De outro lado, o caminho encontrado pelo STF parece ter agradado também os professores, pois assentou a ideia de que, em não havendo prova em sentido contrário, presume-se que aqueles 15 minutos precisam ser remunerados.
Mas as consequências dessa decisão vão além dos aspectos financeiros, pois ao estruturar essa dinâmica do “recreio” de forma definitiva, o STF impõe sobre as escolas algumas decisões de gestão que, para além das convenções coletivas que serão negociadas em cada canto do Brasil em consideração a essa nova orientação, poderão se voltar para a reorganização da grade horária dos turnos, para alteração dos manuais de aluno, regimentos internos e, ainda, dos contratos de prestação de serviços educacionais celebrados com os alunos.
Em outras palavras, as escolas tendem a “olhar para dentro”, para sua organização interna, pois são as medidas tomadas a partir de agora, que partem da premissa de que o “recreio” deve ser remunerado, mas que permite que as escolas façam prova no sentido contrário, é que vão promover maior segurança jurídica em cada caso concreto. É certamente um novo marco de relacionamento entre o professor e a escola.

De outro lado, não se pode perder de vista dois elementos centrais em qualquer caminho que venha a ser tomado a partir dessa orientação apresentada pelo STF, pois que a essencialidade do “recreio”, em muitos casos, não é um capricho, mas uma necessidade do professor para dar continuidade à sua jornada de trabalho.
Finalmente, as escolas devem levar em consideração critérios pedagógicos vocacionados ao aprendizado do aluno. E ao desenvolvimento da pesquisa e da ciência. Se os “recreios” servem à curiosidade daqueles estudantes que vão além da aula ordinária, também servem ao descanso dos alunos, para que possam melhor acolher o conhecimento.
*João Paulo de Campos Echeverria, sócio da Covac Sociedade de Advogados; e assessor Jurídico do Semesp.
Por: Jurídico | 24/11/2025