Professores inspiradores conseguem colaborar visando o bem-estar e o desenvolvimento dos estudantes e da comunidade em um clima livre de competição
Desenvolver uma docência apoiadora pressupõe olhar para dimensões múltiplasNo divã: Bianca Andrade de Moraes
A educação sempre foi o plano A em minha vida, pois sempre acreditei que ela é capaz de transformar nossos destinos. Meu propósito é atuar como professora, principalmente da área que eu mais amo nesta vida: linguagens.
Durante a minha jornada acadêmica, participei de projetos que incentivavam a iniciação à docência, como forma de presenciar o espaço escolar. Por isso, ao sair da graduação em 2020, logo fui chamada para uma entrevista e ali comecei a perceber um certo preconceito etário.
Com apenas 20 anos e recém-formada, os questionamentos sempre eram: “você acha que vai dar conta?”, “sua idade é muito próxima à dos alunos, como vai lidar com isso?”, “você acha que tem capacidade de dominar uma sala de aula?”. Pude perceber que o mercado de trabalho não é preconceituoso apenas com os professores mais velhos, mas também com os mais novos que, mesmo com experiências prévias, são questionados sobre suas habilidades docentes.
Hoje, caminhando no meu quarto ano como docente titular de língua portuguesa, percebo que, além desses questionamentos no momento da contratação, também há outro impasse: os professores mais velhos de casa. Mesmo com planejamentos bem-intencionados, percebo que para alguns pareço uma ameaça, porque resistem às novas propostas didáticas que gosto de propor aos estudantes. O “medo do novo” é real.
Dessa forma, questiono: como engajar-se como professora jovem em ambientes com professores mais velhos, sem demonstrar um tom de ameaça ao propor novas práticas docentes?
Minha frase: ser professora é uma jornada constante de fazer e se refazer.
Bianca, obrigada por trazer esse tema que é tão pouco discutido na profissão docente. Você já deve ter observado, mas se fizer uma pesquisa breve, perceberá que é muito mais fácil encontrar artigos e pesquisas que tratam da relação professor-aluno e praticamente nenhuma referência a relação professor-professor. E por que damos tão pouca atenção a esse assunto que nos atravessa todos os dias nas escolas e universidades? Afinal, será que as instituições de ensino têm sido referência de colaboração e trabalho em equipe, tornando a docência mais cooperativa e feliz?
Faço esta provocação com base na sua pergunta, já que parece que o cenário que você trouxe dá oportunidade para investigarmos mais profundamente as origens da falta de colaboração e da evidente competição e isolamento que existe entre os professores. Apesar de reconhecer a existência das diferenças entre professores de gerações distintas, evidenciado por conflitos, desafetos ou desarmonia, este não parece ser o único foco de um problema que, a meu ver, é generalizado na profissão docente.
Este quadro, docência no divã, é um movimento na tentativa de tornar a docência mais colaborativa e menos solitária. Muitas vezes, você, enquanto professor ou professora, está buscando dar o seu melhor: fazendo cursos adicionais, preocupando-se com experiências de aprendizagem engajantes, dedicando-se para fornecer a melhor referência de ensino e aprendizagem para seus estudantes, mas se sente sempre sozinho diante da turma.
Frequentemente interagimos com outros professores, como, por exemplo, na hora do café, mas na maioria das vezes é uma saudação rápida, tratando de assuntos cotidianos e não adentramos em conversas para compartilhar nossas práticas, materiais, percepções e até desafios da sala de aula. E por que isso acontece?
Bons professores ou professores inspiradores têm algumas coisas em comum. Normalmente eles têm uma compreensão ampla e profunda do assunto que estão ensinando: essa habilidade é desenvolvida por meio de cursos, experiência de vida e refinamento contínuo. Também têm um amplo repertório de técnicas de ensino e aprendizagem, eles aprenderam e aperfeiçoaram ao longo do tempo e sentem-se confortáveis e competentes em utilizá-las. E finalmente são capazes de “ler” os alunos, situações, ambientes e reações, conseguindo dar respostas adequadas para que a aprendizagem ocorra sem problemas.
Mas além disso, professores inspiradores conseguem colaborar, trabalhar em equipe, promovendo e participando de ações compartilhadas com outros professores, visando o bem-estar e o desenvolvimento dos estudantes e da comunidade em um clima livre de competição ou rivalidade. Mas por que muitos professores não colaboram e até competem entre si? Vou listar alguns indicadores que revelam cenários possíveis:
1) Educadores podem querer colaborar, mas nem sempre sabem muito bem como fazer isso: isso acontece em ambientes tradicionalmente pouco engajantes, em que professores não são estimulados a compartilhar experiências ou vivências. Nesse ambiente, há pouca conexão e senso de pertencimento. Muitas vezes, os espaços para os docentes, como a sala dos professores, são frios e pouco convidativos para troca de ideias e colaboração, tornando-se um lugar de passagem, isolamento e silêncio.
2) Historicamente, não há cultura de colaboração entre os professores: não somos acostumados e preparados em nossas formações a compartilhar nossas aulas, visitar outros professores lecionando, romper com as barreiras entre salas, disciplinas e conteúdos. Isolamos disciplinas, professores, turmas, salas de aula em uma série de caixas enclausuradas em currículos pouco flexíveis e convidativos à colaboração.
3) Gestores pouco colaborativos: a liderança educacional, ainda que busque estimular a colaboração entre seus professores, nem sempre fornece uma comunicação clara de como gostaria que isto acontecesse. Por vezes, gestores educacionais lideram por meio de políticas de privilégio, beneficiando professores submissos às suas gestões, promovendo, ainda que inconscientemente, um clima hostil, polarizado e pouco amistoso entre os docentes.
4) Mentalidade competitiva: há, ainda, professores que se sentem ameaçados ao compartilhar parte da sua produção com outros docentes. A comparação não intencional, em que normalmente nos rendemos, faz com que acreditemos que um professor é superior ou inferior ao outro por conta de suas habilidades, experiências ou personalidade. Esta comparação nos enfraquece nas próprias competências. Ao fazer isto, vemos nossos colegas como rivais e sofremos com a síndrome da papoula alta: se um professor que se destaca, passa a ser odiado por seus colegas, gerando insegurança, ameaça e um clima de pouco compromisso profissional, levando alguns docentes ao anonimato e conformismo, a se sentir odiado pelos colegas.
Somado a todos estes cenários, há, ainda, o problema que você apresentou, Bianca: o pouco acolhimento de professores veteranos com professores mais jovens. Se olharmos sob o prisma da colaboração, poderíamos reconhecer que professores mais experientes possuem recursos valiosos, materiais de estudo e práticas em suas áreas que são verdadeiros tesouros pessoais, mas que, muitas vezes, ficam trancados a sete chaves.
É como se muitos professores quisessem proteger seu trabalho duro e se sentissem ameaçados em compartilhar este trabalho com professores mais jovens. Além disso, a experiência profissional na gestão da sala de aula, que é algo que conquistamos ao longo do tempo na docência, muitas vezes frutos de erros e acertos, poderia encurtar sensivelmente o caminho de jovens professores na conquista da eficiência em seus métodos de ensino e aprendizagem.
Por sua vez, jovens professores, que recém saíram das universidades ou cursos de pós-graduação, poderiam apoiar os professores veteranos, em uma oportunidade de mentoria reversa, compartilhando recursos, leituras e materiais atualizados das práticas pedagógicas, mas alcançar este nível de colaboração requer, muitas vezes, o reconhecimento de outros obstáculos que são internos: crenças, estereótipos e preconceitos que construímos sobre nossos colegas docentes:
Muitas coisas estão mudando no mundo e na sala de aula também. Então, se podemos imaginar um cenário melhor para a colaboração entre professores, porque não começar a construí-lo? Como seria uma escola ou universidade em que professores fossem verdadeiros colegas, vivendo o “colegiado”. Aliás, esta palavra tem origem no latim que significa “sociedade”, “associação” ou “corpo de colegas”. O termo é formado por “con-“, que significa “junto”, e “legere”, que significa “escolher” ou “reunir”. Refere-se a um grupo de pessoas que são reunidas ou escolhidas para trabalhar juntas, cujos membros têm poderes igualitários e trabalham em um objetivo comum. E se este objetivo comum fosse compartilhar a docência e viver a sala de aula de forma mais colaborativa e apoiadora?
Não há vencedores quando professores competem entre si. O impacto da falta de colaboração atinge diretamente não só os professores, mas também os estudantes e a liderança educacional. Assim, as formas para prevenir ambientes competitivos ou promover mais colaboração não exigem mudanças individuais somente dos professores. São compromissos coletivos e que precisam ser acompanhados de perto pelos gestores educacionais. Desenvolver uma docência apoiadora pressupõe olhar para dimensões múltiplas e, se você, além de professor, é gestor educacional, é importante saber disto:
Enquanto professores, podemos praticar a docência apoiadora:
Promover uma docência apoiadora exige implantar forte cultura colaborativa que se desenvolve ao longo do tempo. Embora os benefícios sejam claros, a verdadeira colaboração é complexa e exige paciência. Pesquisas indicam que quando professores focam em melhores práticas, estratégias de ensino, análise de dados e reflexão, há um aumento no desempenho dos estudantes, melhora no clima de aprendizagem e maior satisfação no trabalho. A colaboração regular entre educadores abre caminhos de comunicação e confiança, promovendo a aceitação de novas ideias e feedback construtivo. Além disso, a colaboração reduz a carga de trabalho individual e promove apoio mútuo entre os professores.
Como sugestão de aprofundamento deste tema, indico o guia “Why Don’t Teachers Collaborate: A Leadership Conundrum”. Nele, você encontra desafios e barreiras que impedem a colaboração entre professores, mesmo com os claros benefícios que ela traz. O documento explora como a liderança pode influenciar a colaboração, destacando a necessidade de mudanças nas atitudes dos líderes para promover um ambiente colaborativo. Ele sugere que a colaboração entre professores melhora as práticas de ensino, a satisfação no trabalho e os resultados dos alunos, mas reconhece a complexidade e os obstáculos envolvidos no processo. Também fornece uma série de ferramentas para aplicar com professores, com foco no desenvolvimento de uma docência apoiadora.
Bianca, espero que nossa conversa abra caminhos para impulsionar a docência apoiadora em você e em outros colegas professores. É um futuro que eu gosto de imaginar e adoraria ver acontecer.
Essa foi a Bianca no Divã, o próximo pode ser você. Envie seu relato e participe das próximas colunas.
Karina Nones Tomelin
Educadora, psicóloga, pedagoga, mestre em Educação. Colunista na Revista Ensino Superior.
Por: Karina Tomelin | 12/07/2024