Educação

Colunista

Karina Tomelin

Educadora, psicóloga, pedagoga e mestre em educação

Como tornar as metodologias ativas eficazes para jovens e adultos

Conectar as metodologias ativas favorecendo o aprendizado efetivo pressupõe que os docentes definam metas e objetivos claros

Metodologias ativas

Cristiane ManfréNo divã: Cris Manfré, instrutora no Espro

Olá. Sou a Cris Manfré, atuo como instrutora no Espro – Jovens Aprendizes e Formação para o Mundo do trabalho – há quase 10 anos. Sou formada em administração e, ao iniciar minha carreira na educação, senti grande necessidade de me aprimorar nesse ramo. Agora, tenho duas paixões: administração e educação. 

Atualmente, estou cursando Pedagogia e EPT. Ao decorrer do curso, pouco se falou de metodologias ativas e inovação em sala de aula, senti falta de aprender mais sobre como nossos alunos  veem e sentem a importância da educação e do conhecimento.

Frequentemente, em sala de treinamento, me deparo com jovens despreparados (infelizmente) e desanimados, por isso, invisto em conhecimento nas metodologias ativas.

Gostaria de saber como posso utilizar a metodologia ativa de uma forma que o jovem aprenda efetivamente e se conecte com o conhecimento?

Uma  frase: “Não são as respostas que movem o mundo, são as perguntas”, Albert Einstein 

 

Na teoria

Olá, Cristiane. Fico muito feliz quando encontro profissionais que literalmente descobrem a docência e investem na carreira. A maioria dos professores que trabalham com jovens e adultos nem sempre pensou em ser professor. Como você, muitos profissionais do mercado, graduados em diferentes áreas, encontram uma nova profissão e a abraçam com tanta ou mais intensidade do que a primeira. 

Muitos deles encontram desafios similares aos seus. Por exemplo, ao buscar se especializar em técnicas e metodologias de ensino, deparam-se com formações desatualizadas ou que não atendem ao público adulto. Então, espero que nossa conversa possa te inspirar neste desafio.

Vou começar com algumas provocações:

Como, de fato, aprendemos? Quando a aprendizagem é efetiva? Pode o aprendizado ser divertido ou ele é sempre entediante? Estas perguntas deveriam ser base para reflexão de todo o professor.

 

Docência no divã #14: Como trabalhar a resistência docente diante do novo?

 

Héctor Ruiz Martín, um pesquisador e autor especializado em neurociência e psicologia cognitiva, focado principalmente na memória e no aprendizado, defende a ideia de que o aprendizado significativo vai além da mera memorização de fatos; é necessário compreender e aplicar os conceitos aprendidos. Ele destaca a importância da motivação e do ambiente de sala de aula para promover um aprendizado eficaz. Tem um exemplo, citado por ele, que acho fantástico, ilustrando quando um aprendizado se efetiva. 

A reflexão é a seguinte: se eu perguntar a você se seria capaz de desenhar uma nota de R$ 10,00, o que você diria? 

A maioria das pessoas já viu uma nota de 10 reais milhares de vezes, mas não são capazes de desenhar mais de dois ou três detalhes dela corretamente. Sabe por quê? Talvez esta também seja a sua resposta: “Já vi centenas de vezes, mas não prestei atenção”. Ou seja, prestar atenção significa que não pensamos a respeito dela. Por exemplo, se analisarmos os componentes da nota, os elementos, as cores, os traços, o que está escrito e fizermos relações com as outras notas, ou notas anteriores, a chance de sabermos mais a respeito da nota de R$ 10,00 é muito maior. 

Isso significa que pensar sobre algo em termos de seu significado implica vincular a nova informação aos nossos conhecimentos prévios. Aprendemos quando ativamos os conhecimentos prévios relevantes e os conectamos com o objeto de aprendizagem.  Quanto mais conexões fizermos, mais forte será o aprendizado, e mais fácil será recuperá-lo quando necessário, pois mais contextos diferentes o ativarão.

 

Docência no divã #13: Como lidar com a convivência intergeracional na sala de aula

 

Um outro ponto, que você já deve saber, é que a forma como os adultos aprendem é diferente das crianças. As capacidades mentais de crianças e adultos são diferentes. Na pedagogia, a criança depende muito mais do conhecimento proposto pelo professor. Já na andragogia, o adulto interessa-se pelo como fazer. Por isso, costumamos tratar a pedagogia – “paidos”, que significa criança, e “agogos”, que significa conduzir ou guiar como a arte ou ciência de guiar, liderar ou conduzir crianças. A palavra “andragogia” também tem suas raízes no grego “andros”, que significa homem ou adulto e “agogos”, que igualmente significa conduzir, liderar ou guiar. Assim, andragogia etimologicamente significa a arte ou ciência de guiar ou conduzir adultos.

Malcolm Knowes é um dos maiores influenciadores da andragogia e seus estudos são pilares para o trabalho da educação de adultos. Dentre seus princípios estão:

Gráfico 1

Veja o detalhamento de cada um destes princípios e como se aplicam na sala de aula:

  • Necessidade de saber: para os alunos adultos, é fundamental que saibam o “porquê” daquilo que estão aprendendo. Também precisam reconhecer  “por quê” este princípio é importante para sua vida. Logo, é fundamental que o adulto entenda “como” poderá aplicar novos conhecimentos. Neste sentido, quando o professor traz um problema em que faz o estudante se identificar com ele, mostrando como a aula ou aquele conteúdo apoiará na superação do desafio, terá mais chances de conseguir a motivação dos estudantes. 
  • Autoconceito: o adulto é autodirigido, significa que ele assume um papel mais ativo durante a sua formação. Ele atravessou a ponte da aprendizagem dependente para uma aprendizagem independente. Reconhecer esta autonomia e independência é fundamental para promover maior participação dos estudantes na tomada de decisões.

 

Docência no divã #11: Como abordar as soft skills com os estudantes

 

  • Experiência: os aprendizes adultos colecionam uma grande quantidade de experiências, inclusive erros que são fontes valiosas de informação e apoio para novas aprendizagens. Reconhecer sua identidade, sua experiência de vida, sua carreira como parte da nova jornada de aprender é imprescindível. Neste sentido, quando o professor conhece seus estudantes, consegue apoiá-los no processo de desenvolvimento, conectando novos saberes com suas experiências anteriores. 
  • Prontidão: a disposição para o aprendizado precisa se conectar também com os desafios diários. Considerar sua jornada de trabalho ou rotinas familiares além de aprendizagens que o ajudarão a enfrentar os desafios do dia a dia.  
  • Orientação: o foco está em resolver problemas e encontrar soluções práticas. Ambientes de aprendizagem envolventes consideram desenvolver competências reais que possam ajudar os estudantes nas suas carreiras atuais. 
  • Motivação: refere-se à motivação intrínseca, promover o reconhecimento do sucesso do estudante, favorecendo o aumento da autoestima e da confiança. Diferentemente das crianças, nessa fase, o aprendizado também é autorrealização, e os adultos valorizam isso. 

 

Docência no divã #9: Profundidade e dialogicidade em materiais didáticos para EAD

 

Quando comparamos as contribuições de Malcolm Knowles e Paulo Freire, vemos que ambas reconhecem o educando adulto como ser independente, com ênfase na autonomia. Consideram a experiência do educando como um recurso valioso para a aprendizagem, utilizando métodos ativos e da valorização da participação do estudante. Contudo, Paulo Freire vai além, focando no empoderamento do educando através da “cultura da palavra”, contrapondo-se à “cultura do silêncio”, promovendo uma abordagem pedagógica crítica e emancipatória. Veja alguns dos princípios-chave propostos por Freire:

Gráfico 2

Freire reconhece o direito dos educandos de partir de uma atitude curiosa, da sua história e do mundo para se envolverem gradualmente numa análise crítica da realidade. Além disso, diferente de Knowles, que concentra sua visão do indivíduo em termos psicológicos, Freire vai além, incorporando os contextos sociais, políticos, culturais, econômicos e históricos no trabalho educacional. 

Assim, para Paulo Freire, a educação adulta é uma prática da liberdade, que promove a autonomia e a capacidade dos indivíduos de questionar e transformar sua realidade. O diálogo é central, com educadores e educandos aprendendo e ensinando mutuamente. A conscientização desenvolve uma compreensão crítica das condições socioeconômicas e políticas, capacitando ações transformadoras. 

Freire valorizava o saber prévio dos educandos, contextualizando a aprendizagem em seus contextos culturais, sociais e históricos, e encorajava a participação ativa no processo educativo. A educação problematizadora, em contraste com a abordagem bancária, incentiva a reflexão sobre problemas reais. A humanização e a transformação social são objetivos centrais, com a educação promovendo justiça social e igualdade, criando um ambiente democrático e transformador em que o aprendizado é uma construção coletiva de conhecimento e emancipação.

 

Na sala de aula

Agora, vamos tentar colocar tudo isso em prática? Conectar as metodologias ativas favorecendo o aprendizado efetivo dos jovens e adultos pressupõe que nós, professores, definamos metas e objetivos claros e que nossas intenções pedagógicas sejam partilhadas com eles, fortalecendo seu propósito com a aprendizagem. 

Enquanto gestores, podemos promover reflexões permanentes sobre nossos currículos, adequando as expectativas dos estudantes e motivando-os a se envolver no  processo de aprendizagem.

Além disso, podemos encorajar nossos alunos a investigar para além dos limites das bordas curriculares, fomentando sua capacidade curiosa e criativa de se conectar com novos saberes.  

Uma das formas é apoiar os estudantes a criarem seu próprio processo de aprendizagem ou aprender de maneira autodirigida. Significa assumir a autoria do seu próprio processo, ser protagonista no aprender, independentemente se você está em um ambiente formal ou não formal. 

 

Docência no divã #8: Como motivar os estudantes na aprendizagem ativa

 

Para conseguir fazer isso, no entanto, é fundamental ajudar os estudantes a reconhecer suas próprias crenças sobre o aprender, tais como: só é possível aprender em ambientes formais e com apoio de alguém, que aprender é sinônimo de conteúdo, que é um mal necessário, que é solitário. Romper com a ideia, por exemplo, de que o professor educa e os alunos são educados, o professor dá e o estudante recebe. 

Superada esta etapa, é possível reconhecer a aprendizagem autodirigida como um ato que envolve vontade e intencionalidade. Criar uma cultura de aprendizagem autodirigida pode começar na escola e na universidade e se expandir para ambientes organizacionais e para a vida. Se aprender será nossa maior necessidade, para nos adaptarmos às mudanças velozes que estamos vivendo, como nós, professores, podemos ajudar os estudantes a desenvolver a capacidade de se autodirigir no aprendizado? 

Podemos fomentar a aprendizagem autodirigida incentivando a autonomia e o pensamento crítico dos estudantes. Isso pode ser alcançado ao promover a definição de metas pessoais, o planejamento e a priorização de tarefas, e a reflexão contínua através de diários de aprendizagem e autoavaliação. Além disso, é essencial fornecer acesso a uma variedade de recursos e tecnologias educacionais e criar um ambiente de apoio por meio de comunidades de aprendizagem colaborativa. Exemplificar comportamentos autodirigidos e compartilhar estratégias pessoais de estudo também são práticas inspiradoras. Os alunos se tornam mais independentes, confiantes e preparados para a aprendizagem contínua ao longo da vida.

 

Docência no divã #7: Como criar experiências de aprendizagem integradas com as IAs

 

Se você quer aprofundar este assunto, sugiro conhecer Alex Bretas, que é palestrante e fundador do Mol, a maior comunidade de aprendizagem autodirigida do Brasil. Ele é uma das principais referências em aprendizado autodirigido e aprendizagem ao longo da vida no país. Além disso, ele promove a ideia de que é possível aprender profundamente de forma independente e tem contribuído significativamente para a criação de comunidades de aprendizagem autodirigida.

Indicação DND15Além disso, o livro A Arte da Aprendizagem Autodirigida, escrito por Blake Boles e traduzido por Alex Bretas, trata da importância e das técnicas da aprendizagem autodirigida, oferecendo 23 dicas práticas para uma educação não convencional. 

Cristiane, espero que nossa conversa a tenha provocado a utilizar as metodologias ativas conectadas aos conceitos da andragogia e da aprendizagem autodirigida. Penso que desenvolver suas aulas considerando estes princípios será um salto nas práticas que você já utiliza com os estudantes do Espro.

Essa foi a Cristiane no Divã, o próximo pode ser você.  Envie seu relato para mim e participe das próximas colunas.

 

Karina Nones Tomelin

Educadora, psicóloga, pedagoga, mestre em Educação. Colunista na Revista Ensino Superior

 

Por: Karina Tomelin | 13/06/2024


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