Educação

Colunista

Karina Tomelin

Educadora, psicóloga, pedagoga e mestre em educação

Como motivar os professores a aplicarem o que aprendem na formação continuada?

Formações com objetivos pouco claros e lideranças pouco inspiradoras podem ser barreiras na implementação

Como motivar os professores a aplicarem o que aprendem na formação continuada? "Formações com objetivos pouco claros e aderentes com a proposta pedagógica da instituição, lideranças pouco inspiradoras e sem propósito compartilhado, podem ser barreiras na implementação"

No divã: Daniele Bedin, docente e formadora de professores

Daniele BedinSou a professora Daniele Bedin, trabalho em uma escola Estadual com língua portuguesa e sou formadora de professores do “Formadores em Ação do PR”. Acredito que o professor deve estar sempre estudando e se questionando sobre o ensino-aprendizagem. Fiz coaching para adolescentes, para entender e ajudar no estudo, trabalho com escolas e ensino individualizado.

Adoro testar metodologias para mostrar para professores nas formações, e mesmo com técnicas de engajamento, gestão de sala e também diferentes metodologias, o que mais poderíamos fazer para os que ignoram as tentativas?

Uma frase: “Todos que ensinam precisam sempre aprender”

 

Na teoria

Olá, Daniele. Obrigada por escrever. Interessante ver que este desafio não é exclusivo da área docente, mas de qualquer instituição ou organização que busca desenvolver seus colaboradores por meio da formação continuada. Mas como saber, afinal, se o investimento realizado na capacitação de um colaborador teve o resultado esperado? Se foi implementado e melhorou processos, rotinas ou o aprendizado dos estudantes? Ou se foi como se não tivesse acontecido? Além disso, quão motivado pode estar o colaborador ou professor para, de fato, colocar em prática o que aprendeu? Ele vê sentido em mudar sua prática?

Para iniciar nossa conversa, vou começar contando algo que aconteceu comigo. No final do ano passado, procurei algumas agências de intercâmbio, buscando cursos de inglês para minha filha adolescente. A ideia era promover uma experiência de intercâmbio antes de entrar na faculdade. Eu me surpreendi com a quantidade de oferta de cursos e atividades em diferentes países disponíveis, inclusive para todas as idades. 

Uma das escolas, em especial, estava com uma promoção: ao matricular o filho um dos pais teria o benefício de receber um curso gratuito. Na hora achei a ideia muito legal. Logo pensei: poder estar com ela em outro país, continuar as atividades em home office e ainda estudar seria fantástico. Mas logo depois fui tomada por um sentimento intenso de preocupação ao imaginar que eu, provavelmente, não conseguiria participar das aulas por motivos como: muito tempo sem estudar e praticar a língua, pessoas que não falariam nada de português, minha idade em relação à provável turma. E fui me convencendo de que, provavelmente, eu iria somente no primeiro dia. Eu veria como seria e, assim, não dando certo, continuaria minhas atividades home office sem prejuízo financeiro com o curso. 

O que você acha que aconteceu? Vou te contar em breve.

Docência no divã #11: Como abordar as soft skills com os estudantes

 

Desde a origem da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), depois da Segunda Guerra Mundial, os países estabelecem como propósito: contribuir para a paz e a segurança, fortalecendo, por meio da educação, da ciência e da cultura, a colaboração entre as nações, e o aprendizado ao longo da vida se tornou uma das principais tônicas da entidade. Foi assim que o termo como o conhecemos, “lifelong learning”, ou aprendizado ao longo da vida, surgiu a partir da evolução de diversos relatórios publicados pela Unesco e sua preocupação com o papel da educação na vida e na sociedade. 

Somado a isso, outros fatores que contribuíram para impulsionar o aprendizado ao longo da vida foram a revolução tecnológica e o aumento da expectativa de vida. A exponencialidade com que a mudança acontece nos dias de hoje tem nos obrigado a atualizações constantes. O aumento da expectativa de vida também aumenta nossas carreiras e cria movimentos para proporcionar a ampliação da aprendizagem, especialmente de forma institucionalizada. Ora como responsabilidade do Estado ou dos empregadores (dentro de organizações), ora como responsabilidade dos indivíduos (de forma independente em plataformas ou instituições de ensino). 

Segundo a pesquisa do Panorama do Treinamento no Brasil, realizada pela Integração Escola de Negócios, os Estados Unidos investem, em média, 4,62% sobre a folha de pagamento anual na área de Treinamento e Desenvolvimento de colaboradores, enquanto o Brasil investe uma média de 2,11% no mesmo período. O tempo do empregado nestes treinamentos também são diferentes. Enquanto no Brasil aplica-se, em média, 23 horas de treinamento por colaborador; nos Estados Unidos, este tempo chega a 33 horas. 

 

Docência no divã #10: Estratégias formativas para desenvolver competências docentes

 

No caso dos professores, os dados do Observatório do Plano Nacional de Educação – PNE indicam que 49,6% dos professores de educação básica estavam pós-graduados em 2020, e 39,5% tiveram acesso à formação continuada. A participação dos professores em atividades de desenvolvimento profissional contínuo considera a motivação para aprender a condição básica para que a aprendizagem possa ser bem-sucedida. Fatores intrínsecos, como interesses pessoais, e fatores extrínsecos, como incentivos, reconhecimento, recompensas e até punições podem estar por trás da motivação dos professores. 

Ainda sobre as estatísticas relacionadas à aprendizagem ao longo da vida, especialmente o mercado de aprendizagem online, vemos que a aprendizagem individualizada, segundo a Oxford Learning College, cresceu 900% globalmente desde 2000. Segundo o Fórum Econômico Mundial, em 2016, 21 milhões de estudantes inscreveram-se nos cursos online do Coursera. Com a pandemia, o aumento foi três vezes no número de novas matrículas, elevando para 71 milhões, em 2020, e 92 milhões, em 2021. Até 2030, a estimativa do Tecnológico de Monterrey é de que a educação continuada digital cresça 16%. 

No Brasil, o crescimento dos cursos de educação a distância, entre 2011 e 2021, foi de 474%, segundo o INEP. Não faltam evidências para que as pessoas melhorem suas competências, seja por upskilling, termo em inglês que significa aumentar ou fazer crescer as habilidades já desenvolvidas, ou por reskilling que, na tradução, significa “requalificação”. Trata-se da formação para desenvolver novas competências, acontece quando trocamos de função ou de emprego, estamos em novas atividades ou há uma transformação tecnológica e científica no fazer do nosso trabalho. 

 

Docência no divã #9: Profundidade e dialogicidade em materiais didáticos para EAD

 

Além destes dois indicadores, Jorge Blando, Vice-reitor de Life Long learning, na Tec de Monterrey, cita outros fatores por trás deste movimento, do aprendizado ao longo da vida como:

 

  1. Permanecer relevante: continuar atualizado para o mercado de trabalho. 
  2. Estar pronto para o inesperado: saber lidar com diferentes situações do cotidiano. 
  3. Melhorar o perfil profissional: tornar-se especialista ou polivalente. 
  4. Sentir segurança em si mesmo: melhorar a autoestima e se sentir confiante.
  5. Gerar novas ideias: ampliar o repertório e conectar com saberes anteriores.
  6. Mudar as perspectivas sobre as coisas: ter outras referências para analisar e compreender fenômenos.
  7. Gerar um balanço entre experiência e novidade: equilibrar a prática profissional com novas tecnologias e recursos. 
  8. Florescer como pessoa e profissional: sentir-se realizado e contribuir para o desenvolvimento social, local e global. 
  9. Inspirar os outros:  tornar-se referência e exemplo para outras pessoas. 

 

Sem dúvida, não faltam argumentos para fortalecer a importância do aprendizado ao longo da vida. Mas por que ele, muitas vezes, não é efetivo? Quais são as barreiras que impedem de colocar em prática? No meu caso, quando questionei minhas próprias habilidades, fui tomada por minhas próprias crenças: de que o aprendizado é difícil, que estaria muito velha para aprender, que não era boa no assunto. Mas que outras barreiras impedem professores de colocar em prática o que aprendem? 

 

Na sala de aula

Embora não haja dúvidas acerca da importância do aprendizado ao longo da vida e sejam evidentes os benefícios da formação continuada para o desenvolvimento de habilidades, há de se considerar os desafios ao se buscar otimizar investimentos em treinamentos e desenvolvimento. Estes desafios estão alicerçados em barreiras que podem levar ao fracasso os projetos e programas de formação continuada. 

Mapeei algumas barreiras que impactam a implementação das aprendizagens geradas em atividades de formação continuada. Elas estão classificadas em tecnológicas, humanas e institucionais. 

 

Tabela

 

As barreiras tecnológicas dizem respeito ao acesso a recursos, tecnologia, infraestrutura para aplicação da aprendizagem: muitas vezes, o contexto das formações se dá em espaços ou recursos que não são compatíveis com a aplicação prática da sala de aula, por exemplo: computadores melhores em locais com boa conexão de internet, equipe de formadores, quantidade de pessoas comportável. Além disso, o baixo letramento digital de alguns professores dificulta a continuidade da aprendizagem para além dos espaços de formação, principalmente se não houver um apoio qualificado para implementação da prática.  

 

Docência no divã #8: Como motivar os estudantes na aprendizagem ativa

 

A baixa motivação, seja por questões intrínsecas ou extrínsecas, afeta, de maneira significativa, a aplicação prática das aprendizagens. Desânimo sobre a própria carreira ou pouco reconhecimento e apoio das lideranças sobre a implementação de novas experiências podem ser citadas. Além destes, as crenças limitantes sobre o aprender, como: aprender é um mal necessário, é difícil, ser muito velho para aprender, ter que fazer um curso de 300 horas para se sentir fluente em aplicar uma metodologia ou recurso, ter medo de dar errado, de perder o “controle”, sentir-se “descredibilizado”, sentir-se incapaz. Estes casos são os mais difíceis de identificar porque são individuais e se relacionam com a mentalidade e percepção do professor sobre ele mesmo, a docência e a sala de aula. 

Nas questões institucionais estão a cultura que não valoriza o aprendizado e a dedicação dos que estão em busca constante por aperfeiçoamento. Formações com objetivos pouco claros e aderentes com a proposta pedagógica da instituição, lideranças pouco inspiradoras e sem propósito compartilhado, podem ser barreiras na implementação. 

Neste sentido, é fundamental que, antes de julgarmos os professores que têm dificuldades ou apresentem resistências ao aplicar os aprendizados das formações que recebem, possamos identificar as barreiras. Levar em consideração que o declínio na autoconfiança para aprender com a idade, por exemplo, pode diminuir a motivação em atividades de aprendizado e desenvolvimento, indicando estratégias e gestão adaptada para este grupo etário; que o suporte após os eventos de formação são necessários, tanto para energizar os professores, empoderando-os, quanto para apoiá-los em suas iniciativas; que desenvolver uma liderança estratégica, inspiradora, acessível, que lidere pelo exemplo, seja motivada a aprender, contribui para que medos ou problemas relacionados com a aplicação das aprendizagens possam ser relatadas pelos professores.

 

Docência no divã #7: Como criar experiências de aprendizagem integradas com as IAs

 

Para ampliar a reflexão sobre o tema, indico o Relatório Edu Trends. Ele conta as origens, revisões e transformações ao longo de várias décadas de aprendizado ao longo da vida. Faz parte dos esforços do Tec de Monterrey para contribuir com a base de conhecimento global sobre o futuro da educação. 

E para terminar, sobre minha experiência com o intercâmbio, posso dizer que venci minhas crenças limitantes logo nos primeiros minutos de aula. Percebi que era capaz, encontrei pessoas em situações parecidas com as minhas, fiz muitos amigos e me descobri apaixonada pela sala de aula, seja como aluna ou como professora. 

 

Essa foi a Daniele no Divã, o próximo pode ser você. Envie seu relato para mim e participe das próximas colunas.

 

Karina Nones Tomelin

Educadora, psicóloga, pedagoga, mestre em Educação. Colunista na Revista Ensino Superior

Por: Karina Tomelin | 28/03/2024


Leia mais

Jogos e aprendizagem

O uso de jogos na aprendizagem

+ Mais Informações
Convivência intergeracional

Como lidar com a convivência intergeracional na sala de aula

+ Mais Informações
IA

Estratégias éticas e responsáveis para integrar IA na educação

+ Mais Informações
Mapeamento da IA

Como mapear o uso da IA nas instituições de ensino

+ Mais Informações

Mapa do Site