Educação

Colunista

Karina Tomelin

Educadora, psicóloga, pedagoga e mestre em educação

Estratégias formativas para desenvolver competências docentes

Professor universitário precisará conhecer muito mais sobre os processos de aprendizagem que potencializam a formação do estudante

Competências docentes Novas competências são necessárias, mas como conectar o docente com esta necessidade?

No divã: Lenir Luft Schmitz, mestre em pedagogia

Lenir Luft SchmitzSou pedagoga e mestre em pedagogia. Atuei como docente da educação básica por mais de 12 anos e há 20 anos atuo no ensino superior. Tenho experiências como docente e gestora da FAI/UCEFF de Itapiranga/Chapecó – SC e, desde janeiro de 2019, dedico-me à docência de pós-graduação, ao NAD – Núcleo de Apoio ao Docente e aos Programas de Empreendedorismo do Centro Universitário FAG de Cascavel – PR. 

No atual contexto educacional, percebo a necessidade de fomentar a transformação pessoal e profissional dos(as) professores(as), por meio do  desenvolvimento das suas competências mediadoras, que priorizam três enfoques principais: (1) compreensão dos desafios da realidade atual, inclusive, das perspectivas futuristas e das habilidades consideradas relevantes na era digital; (2) análise e definição de propostas metodológicas que estimulam o protagonismo discente e as aprendizagens inovativas e colaborativas; e (3) busca contínua do autoconhecimento e do desenvolvimento humano, partindo das perspectivas da integralidade, que primam pelo bem-estar individual e coletivo das pessoas e sistemas. Assim, na minha atuação profissional, procuro primar pelo desenvolvimento de programas e ações de qualificação dos docentes que atuam no ensino superior, mediante a oferta de atividades formativas, vivências, orientações e mentorias, sendo que todas estas estratégias possibilitam o aperfeiçoamento das competências profissionais, por meio de percursos formativos personalizados, que valorizam a(s) singularidade(s) e potencialidades de cada professor(a).

Gostaria de saber a sua percepção sobre as necessidades atuais dos professores (para buscarem uma atuação eficaz no ensino superior) e quais estratégias formativas podem ser adotadas para garantir o desenvolvimento das competências docentes, especialmente nas práticas de formação continuada.  

 

Minha frase: “Diante deste cenário de mudanças e incertezas no contexto educacional, fica aqui o meu convite a cada professor(a): ‘Conecte-se, escute-se e abrace as suas transformações.’ A mudança começa em você. Ame a sua jornada evolutiva e seja uma pessoa feliz.”

 

Na teoria

 

Oi, Lenir. Nas minhas conversas com gestores educacionais, este é sempre o assunto principal levantado por eles: diante de um cenário com tanta transformação, como engajar professores “resistentes” ou com práticas conservadoras a buscar o autodesenvolvimento? Como você bem pontuou, novas competências são necessárias, mas como conectar o docente com esta necessidade para que ele abrace, de forma legítima, sua própria transformação?

Considero que, no ensino superior, o desafio é ainda maior, por dois motivos:  

 

  1. O primeiro é que a maioria dos professores do ensino superior tem a docência como segunda profissão, já que a atuação docente é, comumente, decorrente da sua formação e experiência em áreas como saúde, gestão, direito, engenharia, entre outras. 

  2. O segundo desafio é a concepção sobre o papel do professor universitário no ensino e aprendizagem de adultos. Seu surgimento está associado à imagem de um profissional convidado a ministrar aulas, que passará a maior parte do tempo falando e reconhecendo que seus estudantes adultos têm autonomia e maturidade para compreender tudo o que é dito.

 

Docência no divã #9: Profundidade e dialogicidade em materiais didáticos para EAD

 

Considerando estes dois desafios, nosso primeiro passo é ressignificar as origens reforçando a docência como uma profissão com saberes e fazeres próprios que precisam ser conhecidos por quem as pratica.  

Costumo fazer a seguinte analogia: imagine que você está em uma cafeteria e ouça a conversa de dois biomédicos tratando sobre dados de uma análise diagnóstica para o mapeamento de doenças infecciosas. Você pode até ser da área da saúde, mas à medida que a conversa se aprofunda, fica difícil acompanhar e compreender o que é dito. Mais difícil ainda é compreender os tipos de tecnologias e equipamentos mencionados na conversa. 

Bem, acredito que chegará um tempo, que espero ser em breve, em que encontraremos dois ou mais professores conversando e, se você não for professor, não compreenderá o que está sendo dito, já que a ciência do aprendizado, as plataformas adaptativas e a inteligência artificial apoiarão esta profissão em um futuro próximo. 

Assim, além de conhecer muito sobre uma determinada área de conhecimento, o professor universitário precisará conhecer muito mais sobre os processos de aprendizagem, recursos digitais interativos, imersivos, estratégias e metodologias que potencializam a formação do estudante de forma a garantir maior eficiência no aprendizado. 

 

Na sala de aula

 

Então, sim, concordo com você que precisamos ajudar os professores no autodesenvolvimento, promovendo estratégias de formação docente. Agora, como motivá-los, engajá-los em programas, se, como brinca Krenak, na tentativa de formar, formatamos, ou matamos o desejo, a experiência e o tempo do professor?

Então, antes de ir para a prática, vou provocar esta reflexão sobre o motivo de  muitos professores serem resistentes aos programas de formação continuada e onde gestores educacionais erram na hora de desenhar seus projetos. 

 

Docência no divã #8: Como motivar os estudantes na aprendizagem ativa

 

  1. Tempo do professor: as demandas do trabalho docente, para além da sala de aula, são muitas e isso não é novidade. Organizar tempos de formação que se encaixem na agenda de todos os professores pode ser muito complexo. É preciso considerar a carga horária de cada um e reconhecer seus desafios em equilibrar as diferentes agendas: da família, do trabalho, das outras instituições etc. “Obrigar” o docente a participar de uma semana pedagógica, sem respeitar seus desafios, pode causar desmotivação e resistência. 

  2. Assertividade: qual será o tema da formação deste ano? Esta pergunta, normalmente, é respondida pelos gestores e, poucas vezes, pelos professores. Significa que, muitas vezes, propomos atividades aos docentes que não correspondem ao seu real desafio. Também desconsideramos os diferentes níveis de fluência dos docentes em suas competências, colocando-os todos no mesmo patamar. Por exemplo, posso ter professores mais fluentes ou menos fluentes em competências digitais ou metodológicas, mas oferecemos a mesma formação a todos de forma uniformizada.

  3. Identidade Pedagógica: quando a instituição não tem claro quais são as competências que valoriza nos seus docentes, não tem claro o que precisa desenvolver. Conectar as competências docentes com a missão e visão da instituição e o perfil do egresso que deverá ser formado é fundamental para o professor identificar seu papel e sua contribuição na instituição. Sem identidade, copiamos os temas da formação do nosso vizinho,  selecionamos o tema mais quente do momento ou o palestrante mais badalado, sem estar conectado com a realidade da IES. 

 

Docência no divã #7: Como criar experiências de aprendizagem integradas com as IAs

 

Por outro lado, pesquisas mostram que muitos professores param de melhorar suas práticas pedagógicas depois de um tempo. A maioria dos professores melhora muito durante seus primeiros cinco anos em sala de aula, depois o ritmo de melhora é mais lento e varia entre os professores. É como se caíssemos no piloto automático da docência. Isso pode estar relacionado com alguns fatores, como: 

  • Não saber exatamente o que preciso melhorar: professores são os profissionais que menos recebem feedback e, muitas vezes, se autoavaliar e entender quais são os próprios gaps pode ser difícil. Afinal, se estamos ocupados ensinando, como podemos observar o que está acontecendo conosco na nossa própria sala de aula? 
  • Desistência ou normalização da prática: quando professores se sentem frustrados por não conseguirem melhorar ou se acham bons a ponto de não buscar novas estratégias. Em ambos, há desistência ou normalização da experiência de lecionar. 

Então, diante deste cenário, vamos para a segunda pergunta: o que fazer? 

 

Na prática:

 

Uma das coisas que aprendi, e algumas foram na base do erro, foi pensar em um programa de formação de professores que promova o conhecimento das potencialidades docentes, oportunize a formação multimodal, seja coerente quanto às expectativas que são colocadas sobre a prática pedagógica e que valorize os docentes naquilo que já fazem de bom. Por isso, vou indicar três projetos que considero fundamentais para os professores.

  1. Microlearning Pedagógico: falamos um pouco sobre o tempo do professor. Esse é um dos maiores desafios da formação. Logo, se não tenho 1 hora por semana ou 4 horas por mês para apoiar o autodesenvolvimento docente, porque não utilizo o tempo que tenho? Eu acredito que é possível aprender algo novo todos os dias e isso pode ser feito em poucos minutos, tanto na sala dos professores, com alguma inspiração diária, como de forma digital, por meio de newsletters ou outros recursos. Não poderia deixar de sugerir o Educabox, que atende as duas versões. Pode ser a partir de um acesso rápido ao aplicativo pelo smartphone ou mesmo a instalação de uma Alexa na sala dos professores que permita maior interação e participação entre eles.

  2. Mentoria: a mentoria docente, quando bem organizada e comunicada aos professores é, sem dúvida, uma das maneiras mais eficientes para promover melhorias na sala de aula, seja ela presencial ou virtual. Receber um feedback verdadeiro, por meio da observação de critérios claros sobre a forma como ensinamos, planejamos e conduzimos uma aula pode ser verdadeiramente transformador.

 

Docência no divã #6: Como aproveitar as características individuais e coletivas dos estudantes?

 

O professor também pode gravar suas aulas e assisti-las depois, já que é muito difícil se auto-observar enquanto leciona. Também é possível contar com colegas professores e promover momentos de trocas, em que um visita a sala do outro e contribui de maneira sincera para o crescimento profissional. Ao assistir a aula de outro professor, além de apoiá-lo, podemos ter ideias incríveis de como melhorar nossas próprias aulas. Uma forma de tornar este processo mais objetivo é utilizar rubricas de observação de aulas. Existem várias disponíveis na internet. Também vou deixar, neste link, uma indicação de leitura. Em um dos capítulos, conto o passo a passo de como iniciar um programa de mentoria docente.

  3. Compartilhamento de boas práticas: em todas as instituições, encontramos professores incríveis, que buscam constantemente dar o seu melhor em suas atividades pedagógicas. São práticas que envolvem criatividade, relacionamento humano, inovação, criação de sentido e conexão com a comunidade. Estas práticas precisam transbordar as quatro paredes e inspirar outros professores a pensar novas oportunidades de ensinar, mostrando que um mundo novo é possível. Compartilhar as práticas dos educadores permite não somente a valorização do trabalho docente, mas também diminui a solidão e melhora o espírito colaborativo. 

 

Docência no divã #5: Como evitar o burnout docente?

 

Em minha jornada na formação de professores, sempre que pude, dei visibilidade ao trabalho de professores motivados pelo ensino. Uma das formas que encontrei foi a divulgação das práticas nas semanas pedagógicas e a criação de revistas de divulgação científica. Compartilho duas delas, em que é possível encontrar o resumo de boas práticas de professores do ensino superior de São Paulo e Curitiba

Lenir, obrigada por compartilhar seus desafios na formação continuada de professores, termino com esta frase que me motiva a ajudar professores no autodesenvolvimento: “Quem não vive aprendendo, não sobrevive ensinando.” 

 

Essa foi Lenir no divã, o próximo pode ser você. Envie seu relato para mim e participe das próximas colunas.

 

Karina Nones Tomelin

Educadora, psicóloga, pedagoga, mestre em Educação. Colunista na Revista Ensino Superior.

 

Por: Karina Tomelin | 18/01/2024


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