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Teoria e prática, ainda muito distantes

Formação dos professores deve ser redimensionada

Publicado em 10/09/2011

por Rubem Barros


"Não prescindimos da oralidade", lembra Vera Masagão, da ONG Ação Educativa

"Diretor só deveria mexer com papel e o cargo de coordenador teria de ser extinto.  Hora atividade é perda de tempo, só serve para críticas e para levarmos trabalho para casa. (…) O HTPC [Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo] não é organizado e não permite prepararmos aulas em equipe. Cada um caminha de um jeito, e só trocamos experiências na hora do café."

O desabafo ao lado é parte de uma mensagem enviada por uma professora da rede estadual paulista à redação de Educação. Reflete a falta de sintonia entre propostas trazidas de fora da escola e a prática do professor. Com 21 anos de magistério, 17 como professora de 1o ano, a missivista conta que foi obrigada pela diretora da escola a fazer o "Letra e Vida", programa de formação de alfabetizadores. Reclama que sua experiência é desprezada e se sente pressionada. Mas diz que suas turmas têm os melhores desempenhos da escola.

Para Sílvia Colello, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Alfabetização e Letramento da Feusp, situações como essa resultam da não observação de um dos dois âmbitos centrais da formação continuada. "Fica-se apenas no primeiro, o de trazer as novidades em psicolingüística, sociolingüística etc. É difícil o professor fazer a transposição didática entre a produção da academia e a escola, o segundo âmbito, que requer boa coordenação", diz.

Sílvia lembra que é preciso dar novos sentidos a práticas já consagradas, sem desqualificar o que era feito. "A cópia pela cópia, por exemplo, não interessa. Mas quando o aluno tem de copiar uma poesia que ele mesmo selecionou em meio a outras, num processo em que refletiu e se identificou com algo, a prática ganha sentido social", explica.

A febre novidadeira tem levado a caminhos tortuosos e à supressão de práticas que, mesmo carentes de renovação, são necessárias. Como lembra Vera Masagão, da Ação Educativa, a leitura oral, por exemplo, tem grande importância. "O ser humano não prescinde da oralidade. A fluência na leitura oral é importantíssima e um dos maiores problemas da escola. Ela ajuda a fazer a leitura analítica. Essa decifração tem de se tornar um automatismo", defende.

Regina Zilberman, pesquisadora do CNPq, relata que há muitos docentes que pedem propostas que possam utilizar. "Têm muita vontade de acertar. Mas as formas de expressão evoluem rápido, e o professor tem dificuldade de lidar com sua tarefa."

Um dos pontos consensuais é que a formação do professor tem de ser revista. Para Paulo Mendes, consultor do PNLD, a graduação tem de supor o aprendizado do objeto a ser ensinado e a maneira de fazê-lo. "É preciso conhecer a linguagem, saber o que é ler, escrever, analisar lingüisticamente um texto e os gêneros a serem ensinados. Só assim é possível planejar o que usar de cada gênero e como, além de identificar que tipo de capacidades o trabalho com ele envolve." Já os cursos de formação contínua são desarticulados entre si e carecem de dimensão prática. "São várias formações específicas", conclui.

A revisão é mais necessária em função do que se passou a cobrar do aluno depois da implantação da LDB 9.394/96. Além de competências ligadas aos níveis básicos de leitura, como localizar e comparar informações e reconhecer personagens, hoje se espera que o aluno use também capacidades discursivas, identificando opiniões expressas em artigos e os contextos de produção, por exemplo.

Para isso, nada melhor que incentivar a escrita do aluno como forma de recriação do mundo, a partir de suas experiências, sem esperar que ele apenas reproduza padrões impostos de um ponto de vista externo.


Livro versus professor

Outra questão crítica é o livro didático. Theodoro da Silva, da ALB, identifica o momento de ascensão dos didáticos à decadência do espaço docente. "O professor não adota um livro didático, é adotado. Isso gera uma dependência do centro e uma transmissão de conhecimentos de mão única", avalia. Como solução, indica as experiências de redes municipais que produziram seus próprios materiais, realçando aspectos locais e conjugando-os a conhecimentos universais.

Essa ausência dos valores locais também foi constatada por Roxane Rojo, da Unicamp, em recente pesquisa que analisou 43 coleções de didáticos. No que tange ao letramento escolar, a lingüista avalia que as edições estão num lugar mal parado. "Nem avançam para falar a um leitor literário, nem dão atenção à cultura local. Em mais de 100 volumes, só havia dois raps e um monte de narrativas e poeminhas infanto-juvenis."

Colaboradora do PNDL desde o seu início, Roxane relata outro problema na escolha dos livros mais bem avaliados: a ausência de tempo, espaço e infra-estrutura escolar adequados. Além disso, algumas obras são deixadas de lado por falta de formação específica dos professores. "Após a primeira avaliação, escolhiam-se os melhores livros. Depois, o próprio professor começou a escolher os menos cotados, mais fáceis de utilizar." 



Religião e auto-ajuda, os preferidos

Dois terços dos brasileiros que dizem gostar de ler têm mais de 30 anos e de cinco a 11 anos de estudos. As mulheres são a maioria (60%) dos que lêem por prazer, mas, em geral, as escolhas são determinadas pela necessidade, não pela preferência. Do total de adultos alfabetizados, 62% dizem ter pouco ou nenhum contato com livros. Os números fazem parte de pesquisa feita pela Câmara Brasileira do Livro, que ouviu 5,2 mil pessoas em 2001.

Quando o universo pesquisado se restringe aos professores, as diferenças não são tão grandes. Como na população em geral, os gêneros preferidos dos professores são religião e auto-ajuda, lidos por 45% dos 800 docentes ouvidos em estudo inédito de Theodoro da Silva, da ALB. A literatura pedagógica, voltada ao trabalho, também é bastante lida. Dos entrevistados, 20% declaram não gostar de ler.

"O sujeito esquece que o compromisso dele é com a cultura, o conhecimento, e que o conhecimento epistemológico está fundamentalmente na linguagem escrita", analisa o pesquisador.

"O professor é um leitor, mas não da alta literatura. Não se pode obrigá-lo a ler os clássicos. O que se pode fazer na escola é dar oportunidades para que descubra que a leitura literária é um valor em si. Já os professores de português não têm jeito: têm de ter o gosto pela língua e pela literatura", completa Magda Soares (foto), da UFMG. 



Para saber mais
A Escola que (Não) Ensina a Escrever, de Silvia Gasparian Colello (Paz e Terra, 2007)
Letramento e Formação do Professor, de Angela Kleiman (Mercado de Letras, 2005)
Alfabetização e Letramento, de Roxane Rojo (Mercado de Letras, 1998)
Do Mundo da Leitura para a Leitura do Mundo, de Marisa Lajolo (Ática, 1999)

Autor

Rubem Barros


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