NOTÍCIA
O que está por trás do pouco significado atribuído pelos jovens franceses à experiência escolar
Publicado em 30/11/2011
No século 19 Jules Ferry, ao estabelecer as bases da educação republicana e laica na França, pregava uma reforma que fosse capaz de “tornar a escola agradável e o estudo atraente”. Pesquisa publicada em outubro de 2011 revela que mais de um século depois de sua gestão junto ao Ministério da Instrução Pública esse ideal não corresponde à experiência das crianças e dos jovens que frequentam o sistema educacional francês. Dentre as quase 800 crianças entrevistadas, 73% afirmaram “gostar pouco ou nada da escola” e somente 9,6% delas sentiam-se “bem” ou “à vontade” na escola. Mais de 350 dentre elas relataram sintomas de angústia relacionada ao medo do fracasso escolar, como distúrbios do sono ou do intestino. A escola republicana, que já foi o grande orgulho da sociedade francesa, tem se tornado motivo de sua desconfiança e objeto de grandes controvérsias, sobretudo em tempos de campanha eleitoral.
As raízes desse mal-estar em relação à escola parecem ter uma multiplicidade de fatores condicionantes e os esforços no sentido de sua superação têm apontado para uma infinidade de prognósticos conflitantes. Contudo, poucos deixam de reconhecer alguma vinculação entre a angústia de pais e alunos em relação ao desempenho escolar e a forma pela qual o país tem orientado suas políticas de avaliação nos últimos anos. A França, conhecida pelo seu rigor acadêmico ao final da escola básica (sobretudo nos grandes “Liceus”, estabelecimentos renomados de ensino médio) foi progressivamente estendendo a normatização das exigências a etapas anteriores de escolarização.
Hoje os alunos das “Écoles Maternelles” – que equivalem grosso modo à educação infantil e atendem crianças entre 3 e 5 anos de idade – têm metas precisas de rendimento da aprendizagem. Ao final da primeira etapa da “seção média” – aos 4 anos – devem saber escrever seus nomes em letra de forma; na mesma etapa, um ano depois já é preciso escrever em letra cursiva. Há competências esperadas nas áreas de matemática e mesmo de expressão artística. Professores não hesitam em pedir que alunos de 3 ou 4 anos refaçam uma lição ou desenho cujo resultado não corresponde às expectativas fixadas para a faixa etária. A cobrança por resultados começa cedo e tende a se acirrar ao longo da escolarização obrigatória.
Um dos efeitos desse rigor é a necessidade de mobilização da família, que se vê muitas vezes na premência de complementar o trabalho escolar, buscando meios de propiciar uma aprendizagem que, em princípio, a escola deveria dar conta (expediente, aliás, bastante comum em colégios de elite do Brasil…). O resultado é nosso velho conhecido: crianças advindas de famílias escolarizadas acabam tendo oportunidades de aprendizagem significativamente maiores do que aquelas cujos pais tiveram pouca escolarização. E a não aprendizagem num ambiente de tensa competição pode ser fonte de frustração e dor.
Pessoalmente jamais fui adepto da ideia de que o processo educacional sempre será agradável para aquele que a ele está sujeito. E não estou só: em Platão, por exemplo, a saída da caverna em direção à luz é penosa e íngreme. Sófocles afirma que nada de grande adentra a alma humana sem sofrimento. Mas como nos lembra Nietzsche, o que faz qualquer dor suportável é nela se vislumbrar um sentido; um significado existencial. Quando mais da metade de nossos jovens já não veem sentido para a experiência escolar, faz-se necessário pensar o que significa “qualidade de educação”.
*José Sérgio Fonseca de Carvalho é doutor em filosofia da educação pela Feusp e pesquisador convidado da Unviersidade Paris VII