NOTÍCIA

Ensino edição 230

O que mudou no EAD

Novas regras aumentam em 300% o número de polos e acirram a competitividade. Veja como essas alterações estão moldando o segmento educacional

Publicado em 18/07/2018

por Marina Kuzuyabu

ead00 Alunos dos cursos a distância da Fiap: novo marco regulatório estimulou a diversificação dos modelos acadêmicos||||A criação de programas acadêmicos atrelados à realidade local pode servir de diferenciação para as IES.||Fachada da unidade Santo Amaro do Senac: a instituição tinha apenas dois polos e hoje conta com

Alunos dos cursos a distância da Fiap: novo marco regulatório estimulou a diversificação dos modelos acadêmicos.

Com apenas dois polos de educação a distância, o Senac planejava chegar ao final de 2017 com 42 unidades. Os preparativos para isso haviam começado em 2015, quando a instituição entrou com o processo de credenciamento. Como esses trâmites levavam aproximadamente dois anos para serem concluídos, a meta provavelmente seria alcançada no prazo previsto.

Uma virada na regulação, contudo, permitiu que o Senac abrisse 20 polos e credenciasse outros 246, totalizando 266 unidades.

Essa virada foi o decreto 9.257, que mudou consideravelmente as normas de credenciamento e oferta de EAD. A alteração de maior envergadura foi a que permitiu a criação, sem autorização prévia, de no mínimo 50 polos por instituições com conceito satisfatório. Aquelas com CI 5 agora podem abrir até 250 unidades por ano, como fizeram o Senac e outras instituições.

A Estácio, um dos maiores grupos educacionais do país, tinha 238 polos no 1º semestre de 2017 e hoje tem 409. O Ser Educacional, outro conglomerado de peso, saiu de um patamar de apenas 15 polos para 190. A Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), que oferece cursos em parceria com a USP, Unicamp e Unesp, tinha 45 e hoje tem 243 polos. Até agosto, serão 330. No mercado em geral, os números mostram uma evolução de 300%.

A educação a distância, portanto, está em larga expansão, trazendo desdobramentos para o mercado da educação como um todo. O mais notável, sem dúvida, é o aumento da concorrência e suas consequências. Praticamente logo depois que houve a regulamentação do decreto, a Estácio criou uma diretoria específica de expansão do EAD.

José Aroldo, vice-presidente de EAD da Estácio, afirma que a instituição cresceu em todas as regiões, mas focou principalmente o Nordeste e o interior do Sudeste, este último por ser uma região com grande poder aquisitivo. Para viabilizar a expansão dos polos, a instituição recorreu a parceiros, especialmente escolas de idiomas e profissionalizantes, para evitar a abertura de unidades próprias sem sustentabilidade financeira.

Para atrair mais alunos, a Estácio diluiu ao longo do curso o valor das três primeiras mensalidades de modo que os calouros pagam apenas R$ 49,00 no início. Como resultado, no 1º semestre de 2018, a captação de alunos cresceu 20% em comparação com o mesmo período de 2017. A base total de alunos matriculados na modalidade a distância hoje é de 152,4 mil, ante 124 mil registrados no 2º trimestre de 2017. “Na história da Estácio, começamos a expansão dos polos pelas cidades de maior competição, então estamos habituados com a concorrência. Para nós, a entrada de mais competidores é positiva, pois ela desenvolve o mercado”, afirma.

O Senac, por sua vez, utilizou sua própria estrutura de escolas para crescer. Por isso, a expansão aconteceu justamente nas regiões que concentram seu maior número de unidades, ou seja, o Sul e o Sudeste. “Muitas já são faculdades e todas têm auditório, biblioteca, sala de aula e corpo docente. Grande parte das unidades também já tinha experiência como polo de EAD para cursos de pós-graduação”, explica Alcir Vilela, gestor de ensino superior do Senac EAD. “Nós tínhamos capacidade operacional, mas estávamos travados pela regulação. Tanto que não precisamos investir em infraestrutura física e tecnológica. Só nos preocupamos com a capacitação do corpo docente”, resume.

Praticamente sem aumentar o portfólio de cursos, a instituição captou 4 mil alunos no 1º semestre de 2018 contra 1,5 mil no mesmo período do ano passado. Apesar do avanço, Vilela afirma que a expectativa era maior. “O cenário se tornou mais competitivo e agressivo. Houve uma diluição dos alunos por todos esses novos polos e a captação ficou mais difícil”, relata.

Ainda assim, o Senac não partiu para uma “ação de varejo”, como ressalta o executivo. “Não baixamos os preços e nem temos a intenção de fazê-lo”, garante.

Alunas de gastronomia realizam atividades práticas em um dos polos do grupo Ser Educacional: salto de 15 para 190 unidades.

Guerra de preços

Uma parte considerável das instituições, contudo, optou pelo caminho oposto, beneficiando muitos alunos que consideravam a faculdade um sonho distante. “Os ingressantes do EAD estavam fora do sistema educacional. Poucos são aqueles que estavam no presencial e migraram para o modelo a distância”, afirma Jânyo Diniz, presidente do grupo Ser Educacional, que agrupa a Universidade Guarulhos (UNG), a Uninassau, a Unama e, mais recentemente, a Uninabuco.

Em sua opinião, a diminuição das mensalidades deve ser entendida como um processo natural, passível de acontecer em qualquer mercado onde há um aumento da oferta. “Há até pouco tempo, seis competidores tinham 85% do mercado. Hoje esse mercado está mais diluído. São 200 competidores aproximadamente”, detalha.

Para compensar a redução do preço, a única saída é “ganhar escala”, como apontam os executivos do setor. Isso se torna ainda mais importante quando a operação envolve investimentos para melhorar a experiência do aluno. Como não são todas que conseguem tal condição, a concorrência está se tornando insustentável para as instituições de pequeno porte, especialmente as faculdades.

Romário Davel, da consultoria educacional Atmã, afirma que há 600 instituições em situação vulnerável. Elas têm menos de 1,2 mil alunos – ou seja, não conseguem trabalhar em escala – e sem uma marca forte, estão vendo seus alunos migrar para instituições de maior prestígio. “As que oferecem cursos como Direito e Medicina ainda podem ser compradas pelos grandes grupos. As demais correm sério risco de fechar as portas”, pontua o especialista, que também atua para a Fundacred.

Recentemente, o Semesp e outras associações representativas do setor recomendaram cautela às instituições que estão adotando, como única estratégia de captação, a redução do valor, alegando que a prática pode comprometer de forma irreversível a sustentabilidade financeira de suas operações. O Semesp também denunciou por meio de nota que algumas instituições estão utilizando sua liberdade de atuação no mercado e sua capacidade econômica para praticar mensalidades abaixo do custo de operação com o objetivo de eliminar concorrentes. A prática, denominada de Preço Predatório, é considerada conduta anticompetitiva pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), e pode, inclusive, ser denunciada.

Fachada da unidade Santo Amaro do Senac: a instituição tinha apenas dois polos e hoje conta com mais de 260.

Efeitos secundários

Na opinião de Davel, a redução do preço também traz outro problema, que é a depreciação da marca. “A imagem de marca premium pode se perder nesse processo. É preciso mencionar também o impacto sobre os programas presenciais, que também estão sendo pressionados. Estima-se que, nos próximos três anos, haverá uma queda de 40% no ticket médio dos cursos presenciais”, completa.

Jânyo Diniz calcula que a guerra de preços se estenderá até o próximo ano, pois as novas regras são recentes e muitos competidores ainda estão entrando no mercado. Aos poucos, contudo, essa estratégia perderá a validade. “O jogo será pautado pela percepção e pela experiência dos alunos, que estão cada vez mais exigentes”, afirma.

Por isso, com a ajuda da tecnologia, as instituições estão investindo em novidades para se destacar no mercado. O grupo Ser Educacional ampliou seu portfólio de cursos, com destaque para os das áreas da saúde e engenharias, e incorporou à sua plataforma acadêmica recursos de inteligência artificial que permitem aos alunos esclarecer dúvidas em tempo real, durante 24 horas por dia, e criar trilhas individuais de aprendizado baseadas em suas preferências e aptidões. Esse recurso ainda não foi estendido a toda a base de alunos, mas isso acontecerá em breve, garante o CEO.

Na Estácio, foram criadas oficinas de acolhimento para os ingressantes. Elas acontecem nos dois primeiros semestres e tratam dos mais variados assuntos, de técnicas de estudo para o EAD até aulas de reforço para as disciplinas com maior reprovação. José Aroldo também afirma que o material didático está em constante evolução e hoje é composto por 13 objetos de aprendizagem para permitir aos alunos maior variedade no acesso aos conteúdos.

A criação de programas acadêmicos atrelados à realidade local pode servir de diferenciação para as IES.

EAD sem polo

Na Fiap, a diferenciação ganhou proporções maiores e está no centro de suas estratégias de desenvolvimento. Na contramão do mercado, a instituição não abriu nem um polo até agora – e pretende continuar assim. Com três campi em São Paulo e um em Alphaville, a Fiap quer atrair os estudantes até ela, e não ir aonde eles estão. É a lógica das grandes universidades, como Harvard e MIT, cita Leandro Rubim, diretor dos cursos EAD.

Outro ponto fora da curva são os valores das mensalidades, que variam entre R$ 1.000,00 e R$ 1.200,00. Com um portfólio enxuto de cursos (sete graduações e dois MBA), a instituição quase triplicou sua base de alunos no modelo a distância, que saiu de 420 para 1,2 mil.

De acordo com Rubin, os planos de crescimento estão dando certo, apesar da concorrência acirrada, porque o modelo acadêmico é diferente e agrada às pessoas que estavam esperando uma “faculdade on-line de ponta” na área de tecnologia.

Também agrada aos alunos a plataforma de aprendizagem, que tem uma linguagem muito próxima das plataformas Netflix e Spotify. “O modelo de navegação é o mesmo. Os alunos podem deixar os conteúdos off-line para assistir ou ler depois e, no caso dos vídeos, a sessão sempre começa no ponto onde eles pararam”, exemplifica. Além disso, tudo pode ser acessado pelo celular. Para 20% dos alunos, esse já é o acesso predominante.

Os conteúdos são disponibilizados em três formatos: em livro, em áudio e em vídeo. Trata-se do mesmo material, mas editado conforme a mídia. No caso do áudio, por exemplo, há roteiristas que aplicam técnicas de storytelling ao conteúdo para transformá-lo em um podcast. O aluno acessa qual formato deseja e pode, inclusive, prescindir do e-book. Estes são escritos pelos professores, que são remunerados para tal fim, ganham participação nas vendas e permanecem com os direitos autorais. “O EAD se tornou interessante para os professores”, ressalta o diretor.

Os alunos se comunicam entre si e com os professores por meio do Slack, considerado o WhatsApp corporativo por suas credenciais de segurança, e as aulas ao vivo são transmitidas pelo YouTube. “Tem mais um detalhe: utilizamos a metodologia Project Based Learning. O aluno aprende por meio de cases, executando projetos. Todos os cursos são assim, inclusive os de programação e desenvolvimento”, explica. O projeto é fatiado para que ocorram entregas de trabalho periodicamente. A avaliação acontece nesses momentos, tornando desnecessária a realização de provas finais. Rubin acrescenta que, além da boa captação, a instituição também tem um índice de evasão relativamente baixo, de 15%.

Na opinião do consultor educacional Romário Davel, o surgimento de modelos acadêmicos inovadores é uma das vantagens do novo marco regulatório, ao lado da ampliação do acesso. Ele afirma que há muitos outros casos de instituições que estão apostando na aprendizagem ativa. “Com o amparo da tecnologia, elas estão tornando o aluno mais protagonista do processo de ensino e aprendizagem e dando ao professor novas funções”, enfatiza.

Em sua opinião, também podem se destacar aquelas que valorizarem sua inserção na comunidade e desenvolverem programas intimamente relacionados às questões locais. “As articulações regionais, o comprometimento com o desenvolvimento do entorno são aspectos importantes, pois uma instituição que trabalha de forma massificada jamais conseguirá trabalhar de forma aprofundada e simultaneamente com os desafios da atividade agrícola da Bahia e do Rio Grande do Sul, por exemplo.”

Essas e outras iniciativas de diferenciação já estão acontecendo e devem crescer. Pelo menos é o que esperam os players do setor, que não querem que a guerra de preços prejudique a imagem do EAD e inviabilizem o seu fortalecimento.

Autor

Marina Kuzuyabu


Leia Ensino edição 230

inovacao

Por que algumas instituições conseguem inovar e outras não?

+ Mais Informações
educacao

Entenda o que mudou nos cursos de especialização

+ Mais Informações
inadimplencia

Inadimplência no ensino superior deve crescer

+ Mais Informações
ead

Suporte tecnológico para crescer

+ Mais Informações

Mapa do Site