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Formação

Pedagogos criticam a desvalorização da profissão

Moldada ao longo das décadas, pedagogia requer atenção e transformações contínuas. Se não mudar, vai faltar professor

Publicado em 20/05/2022

por Gustavo Lima

pedagogos pedagogia Foto: reprodução

Admirada e, ao mesmo tempo, desvalorizada, a profissão do pedagogo tem se transformado com o decorrer dos anos. Quais foram as principais mudanças? Nesta reportagem, profissionais da área refletem sobre como a rotina mudou esse papel há pelo menos 80 anos.

Para Rodrigo Teixeira Conceição, diretor pedagógico do Colégio Santo Américo, localizado em SP, a mudança acompanha o curso de pedagogia e mostra uma grande evolução desde as décadas de 1980 e 1990. “O primeiro foco está em sua formação, que antigamente tinha um caráter mais prático e aprofundado. E hoje, na faculdade, [o formando] sai com uma visão mais sistêmica e global sobre tudo, mas tem que buscar um aprofundamento depois”, explica.

Leia: Novas arquiteturas pedagógicas

Além das diferenças na formação, o diretor aponta para um leque maior de conhecimento científico nas mãos do pedagogo hoje, como questões de transtorno de aprendizagem, variação de metodologias ou entendimento de como o cérebro funciona. Rodrigo exemplifica a mudança com a forma de lidar com inclusão na sala de aula, tema que, algumas décadas atrás, não possuía uma grande visibilidade e que hoje é colocado em pauta por profissionais como Doani Emanuela Bertan, conhecida mundialmente por seu trabalho com crianças surdas.

Desafios dependem do local de atuação 

Professora bilíngue (português/libras) da rede pública, Doani Bertan entrou na lista dos ‘melhores professores do mundo’
(Foto: Reprodução/ Youtube)

Doani, que foi finalista Global Teacher Prize 2020, considerado o Nobel da Educação, indica uma preocupação maior em ensinar a criança visando o seu desenvolvimento global, incluindo habilidades e competências que o próprio currículo não aponta. “Enquanto antes o importante era o conteúdo escolar, algo mais tradicional, hoje as habilidades e competências estão mais presentes nesses ambientes educacionais. A criatividade, a autonomia, e as questões socioemocionais também estão sendo bem consideradas. Eu vejo que o pedagogo busca trabalhar a criança na pluralidade”, destaca.

O diretor do Colégio Santo Américo esclarece que a pedagogia trata da forma como a aprendizagem é conduzida. Rodrigo frisa que os desafios da profissão nos dias atuais dependem do lugar em que cada profissional atua. “Para o pedagogo que está em sala de aula, acredito que o principal desafio enfrentado é justamente elaborar um percurso de aula que atinja os alunos no seu íntimo. A função do pedagogo é trabalhar a autonomia desse aluno”, pontua. 

Além do processo de estudos, a avaliação também é tida como um ponto de atenção para a mudança. “O próximo desafio é equilibrar o processo avaliativo para que eu não avalie apenas o conteúdo que o aluno assimilou, mas que também possa avaliar as habilidades desenvolvidas”, completa.

Formação não comanha o ser humano em totalidade

No âmbito administrativo, há também o desafio de entender como estruturar uma matriz curricular que otimize o corpo docente em relação à aula de modo que o estudante aproveite ao máximo sua experiência. Já para os pedagogos que também são gestores, a provocação está ligada ao alinhamento das partes acadêmica e administrativa.

Doani, por sua vez, enxerga a necessidade de uma mudança mais direcionada à raiz da profissão, no ensino superior. Para a pedagoga, o principal desafio é “trabalhar o ser humano em sua humanidade”, algo que, para ela, a grade curricular não acompanhou. “O pedagogo percebeu essa necessidade para com a atualidade, mas a universidade, não. O profissional recebe uma formação que na prática é totalmente diferente”, critica.

 

“Vejo a necessidade de uma reforma no currículo das universidades. E nisso entram vários fatores, como por exemplo, as questões tecnológicas, da violência em todos os sentidos, das minorias e do racismo. A escola é plural e não apenas conteúdo escolar”

Jovens não se interessam pela carreira pedagógica

Rodrigo Teixeira: “A formação antigamente tinha um caráter mais prático e aprofundado”. Foto: arquivo pessoal

Um estudo recente do Instituto Península aponta que os estudantes não desejam seguir carreira pedagógica por conta da desvalorização. Para Doani, tal cenário está ligado às divergências de interesses com o sistema. “Cabe ao professor fazer o aluno pensar. Será que a gente quer uma sociedade pensante? E não falo apenas do governo atual, mas de todos esses anos. A deterioração, em especial da escola pública, não aconteceu apenas nos últimos quatro anos. Então colocamos essa provocação social: o quanto a sociedade detentora de saber quer que esse saber e esse conhecimento estejam para outros?”, alerta.

Leia: Na Unesco: “Professor deve cuidar também da educação emocional”

“Não engolimos mais essa história de que o Brasil é pobre. Não, não é. A renda é má distribuída e o dinheiro é mal aplicado, mas sabemos que temos condições de ter escolas maravilhosas, materiais de primeira linha, professores muito bem valorizados financeiramente. Mas por que isso não acontece?”, questiona.

Rodrigo também enxerga o salário como um dos principais fatores para a desvalorização da profissão. “Não podemos esquecer que a maior parte do nosso corpo docente e discente está no ensino público. Se as políticas públicas não reconhecerem mais o trabalho do professor, a pedagogia ficará nesse plano e a procura será menor”, alega. Segundo o diretor, para que haja mais valorização, existe um percurso que precisa ser feito por parte do poder público.

Responsabilidade do Estado

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Paulo Fraga: “Estado é responsável pelos rumos que a área tem tomado”. Foto: arquivo pessoal

Professor do programa de pós-graduação em educação, arte e história da cultura e atual coordenador do curso de pedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), em SP, Paulo Fraga da Silva diz que o Estado é responsável pelos rumos que a área tem tomado e fala sobre a necessidade de se resgatar a valorização do papel desempenhado pelos docentes. “Temos o Plano Nacional de Educação que tenta fazer isso, mas ainda é muito incipiente. Teria que se causar uma verdadeira revolução”, salienta.

Além do protagonismo na mudança que, nas palavras de Paulo, deveria ser papel do poder público, o professor acredita que a sociedade civil também pode exercer uma tarefa importante. “Embora seja uma profissão admirada e haja um imaginário virtuoso sobre ela, não há uma representação negativa em segui-la”, reflete antes de citar uma frase de Paulo Freire: ainda que desejem bons professores para seus filhos, poucos pais desejam que seus filhos sejam professores.

Em um convite aos estudantes que se interessam pela área, Rodrigo realça a necessidade de bons professores pelo país para a construção de uma nação mais forte. “A pedagogia fornece elementos educacionais que cursos específicos não fornecem, por isso fica esse convite para que, mesmo professores e especialistas, entendam como funciona os processos da pedagogia”, finaliza.

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Autor

Gustavo Lima


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