Discussão sobre o fim da isenção fiscal das filantrópicas também preocupa
Publicado em 26/11/2019
A educação superior está atenta. Seus representantes chamam a atenção do país para que o setor não viva um retrocesso por causa de um possível aumento da tributação que possa atingir as instituições e pesar no bolso dos alunos. Eles estimam que o valor da mensalidade pode aumentar até 23,1% caso a reforma tributária seja aprovada nos termos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, que tramita na Câmara dos Deputados. O custo maior dos cursos de graduação colocaria em xeque a meta de ampliar o acesso ao ensino superior, prevista no Plano Nacional de Educação (PNE), alertam analistas ouvidos pela reportagem.
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Com a energia concentrada na aprovação da PEC Emergencial, cujo objetivo é reduzir as despesas em cerca de R$ 30 bilhões ainda neste ano, o governo quer voltar à discussão sobre a reforma tributária e articular a votação dessa matéria somente em 2020. Nesse meio-tempo, gestores da educação superior pedem um debate mais profundo sobre o assunto.
O que a PEC 45 propõe na prática é a substituição de cinco tributos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cuja alíquota será de 25%, segundo discussões. “Para o estudante, o aumento da alíquota representa risco de aumento do valor da mensalidade”, alerta o advogado Augusto de Albuquerque Paludo, especialista em direito tributário educacional. “O valor da mensalidade é elaborado a partir de uma equação complexa que envolve vários outros custos, mas, certamente, o custo tributário terá um grande impacto. O setor vem afirmando que ficará inviável para a maioria desses alunos”, afirma.
As instituições particulares com fins lucrativos, segundo Paludo, são tributadas à alíquota de 3,65% sobre PIS e Cofins. Já as sem finalidade lucrativa recolhem 3% para a tributação da Cofins e 1% para a do PIS sobre a folha. O advogado ressalta que, pela proposta, todas elas seriam tratadas da mesma forma no imposto único.
Enquanto a PEC 45 tramita na Câmara dos Deputados, os senadores estão discutindo a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 110, que também prevê alterações no sistema tributário. O advogado José Roberto Covac Júnior, especialista em direito tributário, avalia que a PEC 110 permite, de alguma maneira, que na alíquota a ser definida pela proposta haja porcentual diferenciado ou isenção para instituições de ensino. No entanto, ele entende que, da forma como está hoje, a proposta poderá ter dificuldade de aprovação porque trata de tributos federais, estaduais e municipais, quebrando o pacto federativo, assim como a 45.
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O diretor-presidente do grupo Cruzeiro do Sul Educacional, Hermes Ferreira Figueiredo, defende a aprovação de emendas à PEC 45 de 2019, da Câmara dos Deputados, e à PEC 110 de 2019, do Senado Federal, que tratam da desoneração do setor educacional, abrangendo a educação básica,
superior e profissional. Ele destacou essas medidas em documento enviado à presidência da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, ressaltando que a educação formal é “área estratégica para o desenvolvimento do país”.
O executivo acrescenta que o setor privado de ensino superior contribuiu com 1% do PIB nacional, produz faturamento anual de R$ 70,7 bilhões e mais R$ 4 bilhões de renda indireta, além de gerar 420.367 empregos e uma massa salarial de R$ 31 bilhões. Além disso, conforme acrescenta no documento, forma mais de 948 mil alunos por ano. “Na última década foram 8,1 milhões de alunos formados para o mercado de trabalho, 78% do total, o que representou um incremento de renda significativo a milhões de brasileiros”, diz Figueiredo, que também é presidente do Semesp.
“Esses dados devem ser considerados em qualquer avaliação do sistema brasileiro de ensino superior, que engloba o subsistema público e gratuito e o subsistema privado ou particular, que pratica o ensino pago, ou seja, tem como principal fonte de receita a mensalidade paga pelos alunos”, acrescentou. Ele também alerta o governo para a necessidade de cumprir o Plano Nacional da Educação.
“O ensino deve ter tratamento privilegiado e isso está sendo assegurado na proposta”, afirma o senador Roberto Rocha (PSDB-MA), relator da PEC 110. Em entrevista à revista Ensino Superior, o parlamentar se declarou contra a imunidade tributária para todo o setor. “Não sou favorável a que instituições com finalidade lucrativa tenham imunidade”, destacou.
Porém, Rocha também acrescentou que a PEC 110 prevê tratamento privilegiado à educação em todos os seus níveis, inclusive no ensino superior. As alíquotas, contudo, não estão definidas.
“Estamos ouvindo muito a necessidade de cada segmento e contemplando tudo aquilo que agrega valor à proposta, dentro do objetivo de simplificar, racionalizar e reduzir a carga tributária sobre os bens e serviços produzidos pela economia”, diz o relator.
Por fim, Rocha destacou que a reforma tributária é “imprescindível para destravar o desenvolvimento econômico e social do Brasil”. “A ideia é acabar com a progressividade do nosso sistema. Atualmente, quem ganha menos paga proporcionalmente muito mais tributos do que quem ganha mais”, criticou. “Estamos propondo uma reforma para tornar o Brasil um país de classe média, com um forte mercado consumidor e erradicação da pobreza”, acrescenta. A reportagem não obteve retorno do relator da PEC 45, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
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Além da elevação da carga tributária, a PEC 45 traz outro risco para o setor educacional, pois a concessão de benefícios fiscais está proibida no texto inicial. Especialistas entendem que, se a medida fosse aprovada e passasse a valer da forma como está hoje, políticas públicas como o Programa Universidade para Todos (ProUni) poderiam ser encerradas.
“Em qualquer cenário, é fundamental a manutenção do ProUni, que já beneficiou mais de 2,5 milhões de estudantes carentes desde 2005”, destaca o presidente do Semesp, Hermes Ferreira Figueiredo.
O executivo e educador também observa que o número de excluídos no ensino superior ainda é grande. “Se em 1996 tinham acesso ao ensino superior apenas 5,8% dos jovens na faixa etária de 18 a 24 anos, em 2017, na mesma faixa etária, o percentual de excluídos ainda era de 82%, apesar da presença da iniciativa privada”, afirma. “O dado é preocupante, uma vez que houve crescimento na capacidade de atuação da iniciativa privada, porém, o país ainda ostenta taxa bem inferior à de países vizinhos como Argentina, Chile e Colômbia”, lamenta.
Representante do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular, Amábile Pacios diz que a reforma tributária, apesar de ser essencial, não pode prejudicar o desenvolvimento do Brasil.
Segundo ela, aumentar o acesso ao ensino superior é fundamental e diminui as desigualdades do país. No cenário sem ProUni, de acordo com Amábile, a situação ficaria mais difícil para os estudantes brasileiros. “Com certeza, a gente aprofundaria a desigualdade”, acentua. No entanto, ela acredita que os parlamentares estão sensíveis à importância da educação, em todos os seus níveis, para o crescimento e desenvolvimento socioeconômico do país.
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O ensino superior também poderá ser impactado negativamente caso as instituições filantrópicas percam a isenção fiscal. A proposta chegou a ser incluída na PEC da Previdência, mas foi retirada pelo senador Tasso Jereissati (PSDBCE). O caso, contudo, não se encerrou. O tema será tratado em um projeto de lei complementar, que até o fechamento desta edição não havia sido apresentado.
De acordo com Custódio Pereira, presidente do Fonif (Fórum Nacional da Instituições Filantrópicas), o senador Tasso Jereissati se convenceu do importante papel exercido pelo setor. Somente na área da educação, as instituições filantrópicas de ensino têm mais de 2,4 milhões de alunos matriculados.
Considerando apenas os estudantes de ensino superior, eles representam 15% do total. O número de bolsas de estudo também é considerável, segundo Pereira: no total, 725 mil alunos são beneficiados. Para mostrar a importância do setor filantrópico para a sociedade, o Fonif encomendou um estudo à consultoria DOM Strategy Partners, que mostrou que o retorno dado à sociedade é muito superior à imunidade investida: a proporção é de R$ 1,00 para R$ 6,39. “É importante ressaltar que a pesquisa foi feita com base em dados de três ministérios e em informações da Receita Federal. E tudo foi auditado”, ressalta Custódio. Além do alto retorno, o levantamento mostra que as entidades filantrópicas empregam 2,3 milhões de pessoas e que elas são fundamentais em muitos municípios brasileiros. “Em 906 cidades, há somente um hospital, e ele é filantrópico”, reforça o diretor do Fonif.
Custódio acrescenta que o setor continuará empenhado em demostrar esses dados e espera poder participar do debate. “As filantrópicas deveriam receber apoio e reconhecimento, e não se encontrar nessa posição de defender aquilo que está claramente demonstrado. É preciso avaliar o tamanho do prejuízo caso essa proposta siga em frente. O governo não terá como suprir – na mesma proporção e qualidade – o trabalho feito pelas filantrópicas.”
Para ler a PEC 45 clique aqui.
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