Educação

Colunista

Thuinie Daros

Diretora de planejamento acadêmico na Vitru Educação

Habilidades e saberes têm prazo de validade

A era atual, caracterizada pela aceleração tecnológica, transforma radicalmente o prazo de validade das habilidades e saberes

Habilidades e saberes

Imagine um futuro em que softwares e robôs realizam tarefas mais eficientemente que humanos. Este cenário não é ficção, mas uma realidade iminente que desafia o valor duradouro do conhecimento tradicionalmente adquirido. A era atual, caracterizada pela aceleração tecnológica, transforma radicalmente o prazo de validade das habilidades e saberes, exigindo uma revisão urgente e profunda das práticas educacionais. Historicamente, o conteúdo e os saberes adquiridos tinham uma “vida útil” que durava décadas, permitindo que as pessoas construíssem suas carreiras e vidas inteiras com base em uma educação inicial. 

No entanto, estamos vivenciando uma era sem precedentes, onde a velocidade das mudanças tecnológicas e sociais reduz drasticamente esse prazo de validade. Para se ter uma ideia, na década de 1970, um trabalhador de produtividade média levava 12 a 15 anos para que 50% do seu conhecimento se tornasse obsoleto. Na virada do século, esse prazo caiu para três anos, isto é, a cada 36 meses você perde metade da sua capacidade de desempenhar adequadamente a sua profissão e isso só tem se intensificado.

A fórmula tradicional de educação, que incluía a obtenção de um diploma e a participação em cursos pontuais para atualização, já não é suficiente. A aceleração tecnológica implica que o conhecimento adquirido no início de uma carreira pode se tornar obsoleto em poucos anos, ou até meses. Quer um exemplo? O ChatGPT foi lançado pela primeira vez em fevereiro de 2023. Logo depois, em abril do mesmo ano, uma pesquisa feita pelo ResumeBuilder mostrou algo surpreendente: 91% das empresas nos Estados Unidos já estavam à procura de pessoas que soubessem usá-lo. Esse mesmo estudo apontou que 3 em cada 10 líderes de empresas consideravam extremamente urgente contratar alguém com experiência em Inteligência Artificial (IA) generativa. E tudo isso aconteceu em menos de dois meses após o lançamento do ChatGPT.

 

Leia: Experiência em novos patamares, o desenho da educação

 

Existem, ainda, situações mais graves em que a defasagem de conhecimentos tira completamente um profissional do mercado, dependendo do grau de dependência de sua profissão em relação ao ferramental específico. 

Em um contexto global de transformações profundas, que remodelam não apenas os modos de trabalho, mas também as estruturas sociais e econômicas, torna-se imperativo para todos os setores, especialmente o educacional, adaptar-se e evoluir no mesmo ritmo e proporção.

A questão crucial que se coloca é: quais habilidades humanas serão necessárias para navegar neste novo cenário? O que você faria se tudo aquilo que você sabe sobre a sua área deixasse de ser útil? E se o principal produto da nossa instituição, o conhecimento que ofertamos, fosse substituído? Se a experiência que ofertamos é distante do que os estudantes acessam em outros espaços para aprender? Se formamos novos profissionais e entregamos para o mercado com conhecimentos totalmente desatualizados? Estes cenários nos convidam a repensar profundamente sobre como ofertar a experiência de aprendizagem dos estudantes, destacando a urgência de se desenvolver novas modelagens pedagógicas capazes de atender os estilos de consumo de conteúdo e ainda superar o desafio da obsolescência de conhecimentos.

 

Obsolescência e os novos modelos de consumo 

O desafio da obsolescência e os novos modelos de consumo de conhecimento não podem ser subestimados. Professores e gestores devem atualizar continuamente seus currículos, incorporando novas competências técnicas ou comportamentais e tecnologias. Isso envolve não apenas a atualização de conteúdos, mas também a adoção de metodologias que incentivem os estudantes a se tornarem aprendizes autodirigidos, capazes de explorar e descobrir novos conhecimentos por conta própria. Isso porque o modelo de como consumimos conteúdo evolui rapidamente. Escolhemos o que queremos aprender com base em nossos interesses pessoais, preferindo conteúdos que sejam breves, visualmente atraentes e que nos conectam emocionalmente. 

Esta mudança não é um fenômeno isolado; ela reflete uma tendência mais ampla na indústria de mídia, que tem se adaptado constantemente, investindo em tecnologias como vídeos em 4K, imersivos, áudio espacial etc., para capturar a atenção do público. Analogamente, no âmbito educacional, capturar e manter a atenção dos estudantes emerge como a etapa inicial e mais vital rumo a um processo de aprendizagem verdadeiramente impactante.

 

Docência no divã: Estratégias formativas para desenvolver competências docentes

 

Por outro lado, temos a disseminação de “informações fast-food” que ilustram a tendência contemporânea de priorizar a quantidade e a velocidade de consumo de informações em detrimento da qualidade. Essa abordagem gera uma espécie de “vício mental” que sofistica o modelo de consumo, limitando a capacidade do estudante de se concentrar em um tópico por um período significativo. O resultado pode ser a apropriação de um conhecimento superficial, baseado em informações fragmentadas e muitas vezes desconectadas.

Reconhecendo a grande importância de posicionar “a experiência de aprendizagem” ao mesmo nível de importância que o próprio conteúdo, ressaltamos a necessidade de uma abordagem educacional que transcenda a mera transmissão de informações e engaje genuinamente os estudantes em um processo de aprendizado que seja não apenas informativo, mas também formativo, cativante e transformador. Esse compromisso exige a criação de conteúdos que integradas com recursos e metodologias desafiem os estudantes  intelectualmente, e que também os estimulem visual e emocionalmente, garantindo assim uma experiência de aprendizagem completa e multidimensional.

Para atender a esta demanda, delineio 4 pilares para criação de modelagem pedagógica centrada na experiência.

 

1. Metodologias ativas de aprendizagem

A adoção de práticas pedagógicas centradas no estudante, que promovam a solução de problemas reais, a criatividade e o pensamento crítico. Essas metodologias ativas, como projetos baseados em problemas reais e aprendizagem colaborativa, são projetadas para desenvolver competências técnicas ao mesmo tempo em que fomentam habilidades interpessoais cruciais para o sucesso profissional.

 

2. Integração de tecnologias emergentes

O currículo deve ser enriquecido com as ferramentas e tecnologias mais avançadas, garantindo que os estudantes não apenas se familiarizem com elas, mas também se tornem proficientes e capazes de aplicá-las criativamente em suas futuras carreiras. A fluência tecnológica é uma competência essencial na era digital, e nosso compromisso é assegurar que cada estudante esteja adequadamente preparado para as demandas futuras.

 

3. Experiências de aprendizagem memoráveis

Proporcionar experiências de aprendizagem que sejam verdadeiramente memoráveis. Isso inclui trazer para o ambiente educacional professores inspiradores, oportunidades de vivência prática e uma cultura universitária rica e estimulante. Esses elementos são cruciais para transformar o processo de aprendizagem em uma jornada empolgante e significativa para cada estudante.

 

4. Atualização contínua do corpo docente

É vital garantir que nossos educadores estejam constantemente atualizados com as últimas inovações em suas áreas de especialização. A formação continuada do corpo docente é a espinha dorsal de uma experiência de aprendizagem enriquecedora, permitindo que professores não somente transmitam conhecimento, mas também inspirem, motivem e desafiem os estudantes. O investimento no desenvolvimento profissional dos docentes reflete diretamente na qualidade do ensino e na experiência educacional dos estudantes.

Esta transformação educacional não é meramente desejável, mas uma necessidade premente. Ao oferecermos experiências de aprendizagem capazes de superar os desafios impostos pela obsolescência do conhecimento, estamos equipando nossos estudantes para um futuro em que a habilidade de aprender, desaprender e reaprender constantemente se torna o maior dos ativos.

 

Por: Thuinie Daros | 23/02/2024


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