NOTÍCIA
Desde sua criação em 2014, a Faculdade Factum, em Porto Alegre, optou pela inovação, com implantação de metodologias ativas e aprendizagem por projetos e times
Publicado em 16/04/2024
Neste momento em que currículos mais entrosados com o mercado de trabalho e seus empregadores são identificados como atrativos para que os jovens optem por uma graduação, a Faculdade Factum começa a ter o retorno dos esforços que empreendeu nos últimos anos, quando deslocou sua extensa experiência com os cursos técnicos para o ensino superior.
Cravada no centro histórico de Porto Alegre como escola técnica desde 1996, oferece cursos na área da saúde. A faculdade foi criada em 2014, com a primeira turma do curso de bacharelado em enfermagem. A ideia era oferecer a graduação para que os próprios alunos da escola técnica continuassem os estudos. A ideia permanece, mas neste primeiro semestre de 2024, sobretudo com o oferecimento do curso de psicologia, houve expansão do público e variação no perfil dos estudantes.
Atualmente, são 500 alunos no ensino superior e 900 nos cursos técnicos – farmácia, análises clínicas, enfermagem e especialização técnica em instrumentação cirúrgica, todos presenciais.
“Como éramos e somos fortes nos cursos técnicos, estamos trilhando um caminho bem importante no ensino superior. Esse é o nosso diferencial”, conta Janaína Sostisso, diretora de ensino. Arquiteta de formação, está há quinze anos na equipe da Factum. Começou como docente nos cursos técnicos e migrou para o ensino superior, primeiro também como docente, assim que a instituição deu o primeiro passo no oferecimento da graduação, em seguida na direção. “Minha paixão é pela área de inovação, por novos projetos, gosto do desafio.” Na Factum, encontrou muitos.
Atuar num mercado cada vez mais competitivo requer buscar diferenciais com frequência. “É uma luta diária essa busca”, fala Janaína. “Trabalhamos com a seguinte questão: há muitas coisas acontecendo, há novas ferramentas, há parceiros – o que conseguimos fazer com qualidade? Demora um pouco mais para obter resultado financeiro, mas, com propósito, foco e posicionamento institucional, nós conseguimos. Por exemplo, sempre ficamos na área da saúde, não pensamos em ir para outras áreas, o foco no nicho é importante.”
Em termos de inovação, a Factum se destaca pelo seu ecossistema, que envolve todos os estudantes – por meio de projetos integradores – e os parceiros da instituição. ”Somos reconhecidos pelos nossos parceiros, que são instituições fortes, com nome na região. Eles trazem seus problemas para a academia e resolvemos juntos.”
Se criar esse ecossistema levou tempo e contou com a herança dos cursos técnicos, oxigená-lo – por meio de ações inovadoras – é atitude diária. A cultura da inovação, presente na instituição, vem desde o início. Em 2015, com a faculdade recém-inaugurada, a capacitação de professores propiciou a aplicação das metodologias ativas. “Envolveu todos os professores, em vários sábados, totalizando 100 horas. Construímos o material, trabalhamos metodologias ativas na prática. Pegamos as dificuldades que tínhamos na sala de aula, nas turmas muito grandes e nas muito pequenas.”
Enquanto os processos pedagógicos caminhavam, Janaína recebeu o convite de Bárbara Nissola, diretora administrativa, para acompanhá-la a uma missão técnica do Semesp na Finlândia e Dinamarca, em 2018. “A princípio recusei, porque tinha uma filha de dois anos. Mas Bárbara disse ‘você precisa ir e ver com os seus próprios olhos para entender que é possível’.”
Janaína conta que, ao voltar, a vontade era a de mudar o mundo. “É outro sistema, outra cultura, outra visão, outro povo, mas conseguimos implantar muito do que vivenciamos.” Ela conta que, se não é possível adotar todo um modelo, há detalhes e ideias que inspiram ações. Uma delas foi em relação ao uso das bibliotecas. “Aqui, estamos acostumados com bibliotecas silenciosas. Quando chegamos em Helsink, na Finlândia, as bibliotecas eram barulhentas. Há salas individuais, mas o maior espaço é destinado à troca de ideias, com nichos para as pessoas conversarem. A biblioteca é um ambiente vivo. Fizemos uma reunião em meio a uma biblioteca magnífica, com as pessoas passando, ouvindo, participando. Eu achei sensacional.”
“Mudamos nossa biblioteca”, lembra. Para ela, inovação não tem relação com “inventar a roda”, mas com a atitude cotidiana de se perguntar “o que está acontecendo?” e “o que vamos fazer?”. “Os estudantes esperam de nós algo que vá mudar a rotina e trazer um novo aprendizado”, ensina.
As mudanças, entretanto, foram mais estruturais. Também ao voltar de viagem o impulso foi o de mudar a matriz curricular e implantar o PBL – Project Based Learning, a aprendizagem baseada em projeto. E veio o susto: os alunos não queriam. “Fui para o divã”, brinca.
“Eles não querem porque não estão preparados. No ensino tradicional, podamos a criatividade e a vontade de estudar. Lá no ensino fundamental, o aluno diz que quer desenhar ao invés de escrever os números. A professora diz ‘não, hoje você tem de escrever os números’. Depois, chega à universidade e quer nota, ranking. Mas o nosso objetivo não é este, é desenvolver capacidades, é tornar o aluno melhor, tanto do ponto de vista técnico quanto comportamental.”
Após muita conversa, reuniões e grupos focais, em que foram detalhados os motivos, os ganhos de conhecimento e as experiências que os estudantes teriam com as mudanças, eles aceitaram. “Foi sensacional, mergulhamos de cabeça. Cada semestre foi um aprendizado para nós.” Janaína destaca a contribuição do consultor Rafael Korman, que também foi responsável pela capacitação dos professores nas metodologias ativas, dos professores, da direção administrativa e da mantenedora para que o PBL fosse implantado com sucesso.
Os estudantes trabalham em projetos com os parceiros e com a comunidade. Janaína traz um exemplo envolvendo haitianos que chegaram à cidade e tinham dificuldades para se comunicar por causa do idioma. “Nossos alunos foram a campo, conversaram com eles, viram onde eles estavam, desenvolveram uma cartilha, criaram estratégias visuais para que eles pudessem identificar como chegar às unidades básicas de saúde de forma segura, aonde tinham de ir e com quem falar. Isso ajudou muito, tanto que a secretaria municipal de saúde implantou o projeto.”
Surgiu, então, uma questão que vem sendo percebida por muitos docentes e gestores. “Os alunos sabiam resolver problemas, mas não sabiam trabalhar em equipe.” Em 2018, a Factum implantou o TBL – Team Based Learning –, a aprendizagem baseada em equipes. “A partir daí, para serem aprovados, os estudantes têm de demonstrar que, além de resolverem problemas, sabem trabalhar em equipe.” Ao final do semestre, os estudantes recebem microcertificações.
Este ano, conta Janaína, a ideia é trabalhar com mais afinco as simulações realísticas e as questões de empreendedorismo, “como a criação de startups, por exemplo”. As simulações passam longe dos recursos digitais como o metaverso. “Alguns pilares não gostaríamos de abandonar, a questão do olho no olho, de eles se sentirem pertencentes. O metaverso é interessante, mas se ganha de um lado e se perde de outro.”
Os cenários das simulações são reais e mobilizam as entidades parceiras. “No ano passado, simulamos um incêndio no hospital Moinhos de Vento, houve até a chegada do helicóptero da Brigada Militar, que pousou no hospital e levou a vítima”, conta a diretora. Os estudantes eram como atores. Um grupo prestava socorro, outro era atendido e havia os estudantes que observavam. Janaína diz que a prática exige “uma preparação gigantesca”, destaca a união das instituições e aponta o estreitamento de laços com a comunidade como fundamental. “Ninguém vive sozinho.”
Vídeo e o livro Viagem à escola do século XXI – Assim trabalham os colégios mais inovadores do mundo “traduzem o que é inovação e a desconstrução do conceito de sala de aula”. Disponível aqui.