Coordenadora do CEPI e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP
A quantidade de temas e a aceleração do conhecimento exercem grande pressão na montagem da grade curricular
Vivemos em tempos complexos. A quantidade de temas que nos cercam e que permeiam a educação é grande e cresce a cada dia. Sem muito esforço, conseguimos apontar vários deles, como inteligência artificial, ciberespaço, mudança climática, saúde mental, e assim por diante. Some-se a isso o crescimento acelerado do conhecimento, com o inevitável surgimento de novos conteúdos. Tudo isso exerce grande pressão na montagem da grade curricular, que já não comporta parcela significativa das propostas formuladas pelos docentes para oferta de disciplinas. Em um contexto tão desfavorável a novas iniciativas, por que devemos investir em formação de lideranças?
Dentre as habilidades úteis aos profissionais de todas as áreas, cito duas que frequentemente observo como essenciais para o sucesso em muitas empreitadas: o relacionamento pessoal e o networking.
Pois é, nada de programação, IA, ou qualquer forma de letramento digital, senão de habilidades que datam muito antes de qualquer teoria sobre o bit, mas que raramente se vê em programas de ensino.
É curioso que algo tão essencial tenha pouco espaço no currículo acadêmico. Talvez essa mesma essencialidade seja a razão de ser pouco explorada na formação superior. Afinal, a quem caberia preparar pessoas para a vida social? A escola primária? Os pais? O analista? A vida? Dentre o universo de possíveis respostas, a universidade parece ser o local menos óbvio para tal.
Acontece que o relacionamento pessoal e o networking profissionais não são sinônimos de habilidades básicas de convívio social. E embora seja possível desenvolvê-los com a experiência por tentativa, erro e reflexão, é mais prático fazê-lo por meio de treinamento, como nos cursos de liderança. E como a formação profissional faz parte da missão da educação superior, também o faz a formação de lideranças.
Certamente, as razões para incorporá-los ao currículo vão além da pertinência com a educação superior. As habilidades de liderança são habilidades atemporais que promovem ganho pessoal independentemente da fase de vida, aumentando a resiliência profissional, já que melhoram a percepção do que ocorre no entorno do trabalho. Na sala de aula, isso se manifesta como melhor domínio das dinâmicas participativas, com evolução visível ao longo do curso, principalmente em programas longos como a graduação. Os alunos que aderem à proposta aprendem a escutar os colegas e a identificar o melhor momento para fazer colocações e questionamentos, e com melhor equilíbrio entre protagonismo e recuo, aumentando significativamente sua capacidade de convencer os demais.
Quando a adesão da turma é significativa, nota-se, ainda, um aumento no rendimento do grupo, com debates mais qualificados e menor dispersividade nos assuntos debatidos. No escopo do programa, isso significa maior aproveitamento do tempo em sala de aula, promovendo, nesse sentido, maior aproveitamento da grade curricular. Logo, o investimento em formação de liderança retorna como ganho de tempo de ensino-aprendizagem, nunca como desperdício de espaço da grade.
A rigor, sequer é necessário reservar espa-ço de grade dedicado à formação de lideranças, já que é plenamente possível desenvolver essas mesmas habilidades por meio de método de ensino adequado e pelos respectivos critérios de avaliação. Por exemplo, aplicar um role play que avalie (também) o desempenho nas habilidades de lideranças.
Num cenário ideal, em que o corpo docente é formado e tem experiência na aplicação de métodos de ensino, é possível desenvolver habilidades de liderança ao longo de todo o programa, buscando o seu aprimoramento constante. Num cenário mais realista, é útil identificar as disciplinas que mais fazem uso de métodos ativos e desenvolver um projeto que promova o desenvolvimento dessas habilidades pelo maior número de períodos e o mais cedo possível. Havendo espaço, seria bastante útil oferecer uma disciplina dedicada à formação de lideranças após os períodos iniciais, mas antes do período final, isto é, quando o aluno já possui repertório e experiência suficientes para explorar com maturidade o treinamento e com tempo remanescente para treiná-las nos períodos finais.
De certa maneira, o que a formação de lideranças promove no programa de ensino é aprender a aprender, como se estivéssemos treinando os alunos a serem alunos melhores. Em outras palavras, até para ser aluno é necessário aprender. Ser aluno não é simplesmente um estado ou uma posição no organograma da educação, mas uma construção que demanda o desenvolvimento de habilidades. Tudo isso, com o bônus de que tais habilidades lhe serão úteis para o resto da vida.
Por: Marina Feferbaum | 09/12/2024