Membro do Conselho Internacional do Times Higher Education e reitor do IESB
Instituições que não se adaptarem à transformação tecnológica correm o risco de se tornarem irrelevantes
Imagem: ShutterstockO modelo de educação existente hoje no mundo foi desenvolvido para atender às demandas de profissionais treinados em resposta às necessidades tecnológicas impulsionadas pela Revolução Industrial. De certa forma, esse modelo foi um sucesso, pois permitiu que a educação migrasse do modelo tutorial — no qual o aprendizado se dava pelo relacionamento direto entre tutor e pupilo — para um sistema de ensino em larga escala.
Antes da Revolução Industrial, a aprendizagem ocorria diretamente entre um mestre, alguém que dominava uma matéria específica (como sapateiro, químico, advogado ou médico), e seu aprendiz. A graduação formal, como pré-requisito para o exercício de uma profissão, não existia. Além disso, a oferta de ensino em massa era praticamente inexistente, refletindo o fato de que, no século XII, apenas 20% a 25% da população mundial sabia ler e escrever.
As primeiras universidades, como Bolonha (Itália, 1088), Paris (França, c. 1150) e Oxford (Inglaterra, c. 1096), surgiram como associações de professores e estudantes baseadas no modelo tutorial. Seus currículos contemplavam disciplinas como artes liberais, teologia, direito e medicina, mas as metodologias eram completamente distintas das universidades pós-Revolução Industrial.
Com a necessidade crescente de mão de obra qualificada, foi desenvolvido o modelo educacional em larga escala que conhecemos hoje. Nesse modelo, crianças e jovens foram organizados por faixas etárias, distribuídos em turmas de 40 a 50 alunos, com um professor responsável por ensinar determinada disciplina. Para avançar ao próximo nível, os alunos não precisariam dominar todo o conteúdo, bastando atingir cerca de 60% de aproveitamento. Isso resultou em níveis variados de domínio: alguns alcançavam 80% ou 90%, enquanto outros eram reprovados por não atingirem o requisito mínimo.
Apesar de suas virtudes e limitações, esse sistema moldou o ensino como o conhecemos e persiste até os dias de hoje.
Um marco importante na história do ensino superior foi a fundação da Universidade de Berlim, em 1810, por Wilhelm von Humboldt. Esse modelo revolucionário integrou ensino, pesquisa e extensão, influenciando profundamente a estrutura universitária moderna.
Pouco tempo depois, os Estados Unidos desenvolveram um sistema de faculdades e universidades que deu ênfase à pesquisa científica e à aplicação prática do conhecimento.
No Brasil, o ensino superior demorou a ser implantado: as universidades brasileiras, públicas e privadas, têm menos de um século de existência. Inspiradas pelos modelos europeu e americano, essas instituições cresceram em larga escala, focando em ensino acadêmico e técnico-profissionalizante.
Portanto, o sistema de ensino superior contemporâneo é o resultado de um processo evolutivo iniciado na Idade Média, fortalecido pelo modelo Humboldtiano no século 19 e expandido globalmente ao longo do século 20.
De acordo com Gallagher e Pearson (1989), entre 1893 e 1989, o ensino superior permaneceu quase inalterado em sua estrutura fundamental. Esse cenário persiste até hoje, o que representa um grande desafio em um mundo que avança tecnologicamente de maneira exponencial. Até quando os estudantes aceitarão se submeter a um modelo educacional do século 19, em pleno século 21?
O lançamento do ChatGPT, em 30 de novembro de 2020, foi um marco no uso da Inteligência Artificial (IA) na educação. Ainda que muitos não percebam, a transformação já está em curso. As instituições de ensino superior precisam estar atentas para não correr o “risco Kodak” ou “risco Blockbuster” — empresas que, por não se adaptarem às mudanças tecnológicas, tornaram-se obsoletas.
É razoável acreditar que um jovem nascido na era da IA, com acesso instantâneo e diversificado ao conhecimento, aceitará entrar em uma sala de aula com 60 colegas, durante 50 minutos por dia, por 4 anos ou mais? A resposta é clara: isso não vai acontecer.
As IES precisam entender, com urgência, o papel transformador da Inteligência Artificial na educação. A IA oferece uma oportunidade única de retorno ao modelo tutorial, ao mesmo tempo em que permite a aplicação da teoria do domínio, conforme proposta por Benjamin Bloom (1984).
Bloom demonstrou que o ensino tutorial pode aumentar o rendimento dos estudantes em dois desvios padrão, elevando drasticamente a performance acadêmica. À época, a implementação dessa metodologia em larga escala era inviável devido à falta de tecnologia. Hoje, essa limitação não existe mais.
A IA, por meio de agentes educacionais de Inteligência Artificial, possibilita o desenvolvimento de:
O ensino superior enfrenta uma escolha crítica: adaptar-se ao futuro ou permanecer preso ao passado. Instituições que não implementarem mudanças estruturais e inovações tecnológicas verão seus índices de captação diminuírem e suas taxas de evasão crescerem.
O futuro da educação superior reside na combinação entre: Tecnologia: Uso da Inteligência Artificial para personalizar e ampliar o acesso ao conhecimento. Humanidade: Valorização do papel do professor como mentor e facilitador do aprendizado. Inclusão: Garantia de que todos os estudantes, independentemente de sua condição socioeconômica, tenham acesso a uma educação de alta qualidade.
O futuro da educação superior é agora. A IA já está redefinindo o que significa aprender, ensinar e avaliar. Instituições de ensino superior que não se adaptarem a essa transformação correm o risco de se tornarem irrelevantes, perdendo alunos, recursos e credibilidade.
Não é mais uma questão de se a mudança ocorrerá, mas de quando e quem liderará esse processo. Adotar a IA não é uma escolha, é uma necessidade para garantir a sobrevivência e o protagonismo no cenário educacional do século 21.
Por: Luiz Cláudio Costa | 18/12/2024