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Formação

Caminho aberto na Escola Sesi de Educação

Interdisciplinaridade e residência escolar são os pilares da formação na Escola Sesi de Educação

Publicado em 04/02/2025

por Sandra Seabra Moreira

Escola Sesi de Educação O aluno aprende de maneira aprofundada e conecta o conteúdo a outros conhecimentos e situações (fotos: divulgação)

Flávia Rodrigues Groto, 39 anos, formou-se em dezembro de 2024 como professora na área das ciências humanas na Escola Sesi de Educação. É a primeira da família a conquistar a graduação. E não quer ser a única. Pensando em Evelyn, Cibele e Isaque, seus irmãos mais novos, ela afirma “só cheguei aqui para eles saberem que o caminho está aberto”.

Os preparativos para a cerimônia de formatura se estenderam à família, inclusive às sobrinhas. Todos já estiveram antes na faculdade para assistir à apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso, o TCC, de Flávia.

Moradora do Jardim Conceição, em Osasco, região metropolitana de São Paulo, Flávia conseguiu terminar o ensino médio em 2005. Empregou-se no comércio local e dedicou-se a atividades sociais, culturais e políticas em seu bairro, conhecido como um dos mais violentos da região. Juntou-se a grupos de jovens, pedindo por paz e justiça e, em momentos mais críticos, teve o apoio da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio.

 

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Para se instrumentalizar, em 2016 estudou serviços públicos em curso técnico da Etec Cepam, na USP. Em 2020, com a nota do Enem, conquistou uma das vagas remanescentes da Escola Sesi de Educação. No processo, passou por entrevista junto a seis concorrentes “Eles eram mais jovens e mais articulados, e eu nem sabia o que era podcast.” Ao ser questionada sobre atividades culturais que frequenta, Flávia citou o Sarau dos Militantes, evento que ela mesma ajuda a organizar na sua comunidade. Um escritor que admira, o poeta Sérgio Vaz.

“Flávia, por que você quer ser professora?”, perguntou a profissional que coordenava a entrevista. “A minha disputa é diferente da desses jovens. Eles querem, eu não posso querer, tenho a necessidade de ser professora, tenho a minha comunidade, acredito demais nela e quero poder fazer alguma coisa antes de estar no próximo velório.”  Ela se referia à escalada de violência que já ceifou a vida de muitos jovens, seus amigos.

 

A interdisciplinaridade

A Escola Sesi de Educação foi criada para dar conta do imenso desafio de formar professores, sobretudo para sua rede, com 142 escolas no estado de São Paulo. “A faculdade foi concebida para ser um espaço de formação dos professores por área de conhecimento. A autorização saiu em 2015. Foram três anos de estudos intensos antes de lançar a proposta para o MEC. Tivemos até uma certa dificuldade de autorização, porque na época era um curso muito inovador”, conta Luis Paulo Martins, gerente de ensino superior do Sesi e diretor da faculdade. 

Luis Paulo Martins

Luis Paulo Martins, diretor da Escola Sesi de Educação, “trabalhar de maneira interdisciplinar potencializa a formação dos professores”

No início, a faculdade ofereceu cursos de especialização docente, um deles em parceria com a Universidade Stanford, e outro para o ensino da matemática dos anos iniciais. Em 2017, aconteceu o primeiro vestibular. Já são quatro turmas formadas em cada curso. Até o ano passado, a taxa de empregabilidade direta nas escolas do Sesi era de 85%. Além da formação por áreas de conhecimento, a interdisciplinaridade e o foco na prática, com residências que acontecem ainda no primeiro ano, marcam a inovação mencionada pelo diretor.

 

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Não há, por exemplo, uma licenciatura em história, mas em ciências humanas, em que o professor se habilita a ministrar aulas de história, geografia, filosofia e sociologia, inclusive no ensino médio. Os outros cursos são ciências da natureza – física, química e biologia –, linguagem – português, inglês e artes– , matemática e educação física. A carga horária é de 4.300 horas/aula, portanto, maior do que as cerca de 3.200 dos cursos tradicionais. 

“Trabalhar de maneira interdisciplinar potencializa a formação dos professores”, afirma o diretor. “O objetivo é formar o profissional com competências mais gerais, que ele possa transitar nos diferentes conhecimentos da sua área e oferecer aos alunos aprendizagens conectadas e aprofundadas.”

Martins menciona o conceito de transferibilidade, “uma das competências mais complexas”, a capacidade de transferir o que se aprende a outros contextos.  Para isso, o aluno aprende de maneira aprofundada determinado assunto e, em seguida, conecta os conhecimentos adquiridos. 

“Em história, é impossível trabalhar todas as guerras e todas as revoltas que aconteceram na humanidade. Mas é possível entender o fenômeno do conflito. A Guerra do Paraguai, por exemplo, o que a gerou, como os eventos aconteceram, quais os impactos na geopolítica, as pressões econômicas e políticas, os grupos políticos que se formam para a guerra e depois dela, são aspectos que existem em qualquer conflito”, explica Martins. “O que defendemos é que o aluno entenda isso com profundidade e que seja capaz de transferir para outras circunstâncias e lugares.”

 

A prática

A residência educacional é outro pilar da formação na Escola Sesi de Educação. A princípio eram 20 horas por semana, desde o primeiro período. Atualmente, são 10 horas semanais e mais duas horas de orientação. “Fizemos adaptações ao longo do tempo. Já tivemos várias formulações para chegar a um modelo que atendesse todas as demandas “, conta Martins. As 20 horas causavam estresse e cansaço, além disso, o fato de o curso ser gratuito atrai muitos alunos pobres, trabalhadores e de locais distantes. “Mas não abrimos mão desse momento de vivência e reflexão na prática da escola.”

Para Flávia, a convicção na carreira docente aconteceu na primeira aula que ministrou, supervisionada. Era uma aula de transmissão de conceitos. “Consegui! Saí chorando. Quando a teoria chega na prática, e o aluno olha para você e diz ‘eu adorei sua aula, eu entendi tudo’, você tem certeza que este é o seu caminho. A residência me fez professora.”  

Outra adaptação em relação à residência, já colocada em ação, é a preparação intensiva dos alunos no primeiro período antes de pisarem na sala de aula. A imaturidade de alguns jovens demanda, inclusive, que eles sejam acompanhados por professores da faculdade no início da residência. Nas escolas do Sesi que os recebem, outro professor é designado para acompanhá-los e, como responsável pelos residentes, obtém uma bolsa de R$1.100,00 e gratuidade ou descontos nos cursos de especialização oferecidos pela faculdade. 

 

Nenhum a menos

Até 2019, havia 40 vagas por curso preenchidas. Veio a pandemia, “o interesse diminuiu, não conseguimos voltar aos números anteriores. E a crise na escola começou a ficar muito evidente”. 

Assim que ingressou, Flávia enfrentou as aulas remotas sem computador próprio e sem habilidades com a tecnologia.  Ao mesmo tempo, a crise sanitária exigiu mobilização. “Comecei a ligar para amigos, pedindo feijão, arroz,  fui montando cestas básicas, doamos mais de 500 delas. E fui também para a faculdade ajudar a fazer comida para Paraisópolis.”

Flávia Rodrigues Groto

Flávia Rodrigues Groto, recém-formada, “a residência me fez professora”

Em 2021, desistiu da faculdade. Uma professora, Fernanda Subires, foi persistente. “Me ligava todo dia. Eu pensava: qual o problema dessa professora? E ela começou a me ajudar a entregar roupas, cobertores, comprar cesta básica e me dizia ‘você tem de voltar’.” Em 2022, a professora ligou para Flávia no dia da abertura das inscrições. “Quando eu não acreditei em mim, ela acreditou.”

No pós-pandemia, a redução das horas de residência foi uma das medidas para conter a evasão. Outra medida, a partir de 2023, foi a concessão de bolsas no valor do salário mínimo para alunos de famílias pobres. “Começamos com a bolsa em fevereiro de 2023; ainda havia alunos da época da pandemia e, entre eles, muitos evadiram, mesmo com a bolsa”, conta Martins. Essa evasão oscilou entre 40% e 50%. Em 2024, no primeiro semestre, já baixou para 20%.

 

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As bolsas são destinadas a todos os alunos que atendam ao critério de até um salário mínimo per capita na família. “Não fazemos ranking”, conta Martins. Em 2024, 52% dos alunos, algo em torno de 200, receberam a bolsa.  

Ainda relacionado à evasão está o problema da escolha errada de carreira. Há alunos que desistem quando começam a residência. “É bom que saiam no início”, diz Martins. Entre as mudanças feitas recentemente no processo de ingresso está a entrevista individual com dois professores, além da coletiva. A faculdade conta ainda com um núcleo de apoio psicossocial. “Temos uma psicóloga 40 horas à disposição dos alunos para equilibrar o lado emocional, o cansaço e o estresse.” Além disso, detalha Martins, o autoconhecimento é tão importante quanto o conhecimento teórico, pedagógico, “para ganhar segurança”. 

Em 2025, 2.700 pessoas se inscreveram para o vestibular, mas apenas 800 compareceram à prova para o preenchimento das 200 vagas disponíveis. “Ou seja, aparentemente, mesmo tendo uma intenção, nem todos concretizam. Há aqueles que naturalmente são reprovados. Então, abrimos o processo seletivo para as vagas remanescentes, fazendo campanha para trazer alunos.” 

A faixa etária dos alunos vai de 18 a 60 anos. No vestibular para 2025,  20% dos inscritos têm mais de 40, “não são a maioria, mas chamam a atenção”. São pessoas que já fizeram alguma licenciatura, mas voltam porque a formação é interdisciplinar e pode ampliar a capacidade profissional. Há pessoas em transição de carreira, que veem uma oportunidade não apenas de cursar o ensino superior, mas também de ter um emprego no Sesi. “Inclusive mães que já criaram seus filhos”, pontua Martins. Atualmente, 45% dos alunos são brancos, 34,5% são pardos e 17% são pretos.

 

A decolonialidade

Para o diretor, a tranquilidade que a bolsa permite também favorece a participação dos alunos em grupos de estudo e atividades de extensão. “Nosso curso é noturno, mas na faculdade temos quase a mesma quantidade de alunos à tarde e à noite, todos os dias.  Eles também vão à tarde para orientação de TCC ou da residência.”

É nesse contexto que Flávia “mergulhou na faculdade”. A gratuidade, o estágio remunerado no Sesi Osasco para acompanhar uma criança com Transtorno de Espectro Autista (TEA) e a bolsa foram fatores decisivos para o sucesso e para que ela exercesse sua liderança. É representante na CPA – Comissão Própria de Avaliação – e membro do Colegiado. É também cofundadora do grupo de estudo  Amefricanidades: pensamento negro no Brasil.

 

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O TCC abordou a importância da decolonialidade no enfrentamento ao racismo na sala de aula. Flávia explica que não é sobre “apagamento europeu”, mas sobre a necessidade da decolonialidade. “Se toda vez eu trouxer para o aluno um negro nesse lugar subalterno, subserviente, de inferioridade, e não contar a formação e a intelectualidade das pessoas negras, como as crianças e adolescentes negros vão se espelhar, se ver?”, questiona. 

Para Flávia, é preciso apresentar livros de Conceição Evaristo para os jovens, abordar o Egito como pertencente ao continente africano e trazer a América Latina em toda a sua beleza e riqueza. “É necessário falar da violência, mas também ensinar quem foi Luiz Gama, e, por exemplo, sobre a Revolta dos Malês – será que não foi uma revolução? Uma das reivindicações dos Malês era a educação para a criança negra e isso foi apagado na história, ninguém sabe.” 

Flávia vai seguir carreira. Já realizou entrevistas em três escolas do Sesi e prestou concurso para ingressar na rede pública. Aos sábados, é professora voluntária no Emancipa, uma rede nacional de educação popular. Lá, prepara jovens e adultos para prestar o vestibular.

Autor

Sandra Seabra Moreira


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