NOTÍCIA
A falha mais preocupante das IES, em nível mundial, é a baixa incorporação da sustentabilidade nas atividades de ensino
Publicado em 16/07/2025
(foto: Shutterstock)
Por Francisco Elíseo Fernandes Sanches*
Desde o início do envolvimento das Organizações das Nações Unidas (ONU) com o desenvolvimento sustentável (DS) na década de 1970, a educação tem sido crescentemente reconhecida como um elemento essencial para que um futuro sustentável se torne realidade. Esse reconhecimento é explícito no atual arcabouço para a busca global pelo DS: os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela ONU para serem alcançados até o ano de 2030. O ODS 4 aborda especificamente a “Educação de Qualidade”, mas, mais que um objetivo isolado, a educação é um fator crítico para a consecução dos outros 16 objetivos. À medida que as abordagens da sustentabilidade e a educação relacionada avançam, a importância das instituições de ensino superior para o DS cresce.
São as pessoas que saem das melhores faculdades e universidades do mundo que nos estão conduzindo pelo atual caminho insalubre, desigual e insustentável
(Anthony Cortese).
Apesar da reconhecida importância do ensino superior para a sustentabilidade, há um consenso na literatura científica: as IES estão progredindo lentamente em direção ao DS. Elas ainda estão longe de assumir plenamente seu papel de apoio aos ODS; a realidade é que a necessária integração holística da sustentabilidade, permeando todas as atividades dentro dessas instituições (ver Figura 1), ainda está longe de acontecer.

Figura 1. Incorporação holística da sustentabilidade pelas IES (adaptado de Sanches et al., 2023)
Ainda há uma clara concentração das ações das IES na dimensão ambiental, relacionada às operações do campus, e na pesquisa, quando se trata de universidades. No entanto, a falha mais preocupante das IES, em nível mundial, é a baixíssima incorporação da sustentabilidade nas atividades de ensino, especialmente a ausência de sua abordagem nos currículos.
Para exemplificar esta realidade, que é facilmente detectada pelos que atuam no ensino superior, abordarei dois estudos recentes. Duarte e colegas (2023) analisaram os planos estratégicos de 15 IES portuguesas. Em nenhum deles eles identificaram uma integração consistente da sustentabilidade na educação e, especificamente, nos currículos. De modo similar, um estudo de Knobel e colegas (2025) analisou 24 IES distribuídas em 11 países latino-americanos (04 delas brasileiras), selecionadas entre as instituições mais bem classificadas nos SCImago Institutions Rankings. Suas descobertas apontam para uma realidade preocupante: 80% dos esforços de sustentabilidade nessas IES concentramse em operações do campus e pesquisa, revelando um claro desequilíbrio em comparação à incorporação da sustentabilidade nas atividades de ensino. Os autores, em última análise, concluíram que uma mudança profunda nos currículos para abarcar a sustentabilidade não está nos planos da maioria destas IES.
Essa conclusão revela um paradoxo intrigante. Um grande número de artigos publicados no campo da sustentabilidade do ensino superior enfatiza, corretamente, em seus parágrafos iniciais, o papel crucial das IES para o DS. Esse papel é invariavelmente destacado porque as universidades são responsáveis pela formação dos profissionais e líderes que irão atuar em organizações públicas e privadas, com e sem fins lucrativos, responsáveis por tornar o mundo um lugar melhor para se viver. No entanto, como as IES podem cumprir esse papel sem integrar a sustentabilidade em seus currículos? É fácil concluir que, sem essa integração, a contribuição das IES para o DS é gravemente prejudicada. Se a sustentabilidade estiver presente apenas em atividades extracurriculares e, consequentemente, de caráter voluntário, é provável que a maioria dos estudantes conclua sua formação superior sem adquirir as competências necessárias para atuar de forma sustentável.
Esse desequilíbrio na presença da sustentabilidade entre as áreas das IES também é evidente nas ferramentas de avaliação de sustentabilidade usadas para medi-la, particularmente aquelas que estabelecem rankings. Por exemplo, entre os principais rankings de IES sustentáveis, o UI GreenMetric aloca 67% de sua pontuação para a dimensão ambiental e desconsidera a dimensão social, enquanto o Times Higher Education dá ênfase excessiva à pesquisa. É possível que essas ferramentas de medição, em vez de ponderar suas pontuações com base na real importância de cada dimensão para a sustentabilidade das IES, reflitam a realidade atual. Consequentemente, apesar do reconhecimento de sua valiosa contribuição para a sustentabilidade das IES, esses instrumentos têm sido criticados por usar critérios arbitrários que provavelmente espelham as preferências de seus criadores. Isso, em última análise, leva a uma compreensão distorcida do significado de “universidade sustentável” e, em certa medida, ajuda a manter o status quo.
Diante dessa realidade preocupante, naturalmente surge uma questão: O que impede as instituições universitárias de abraçar plenamente a sustentabilidade e integrá-la em seus currículos?
A resposta é que, para isso, elas precisam confrontar e superar barreiras históricas. Por exemplo, a própria ideia de “universidade sustentável” permanece um conceito controverso que provoca intenso debate. A má interpretação e a não compreensão do conceito de Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS) são a causa da maior barreira para a incorporação da sustentabilidade nos currículos: a resistência do corpo docente. Essa falta de compreensão é agravada pelo fato de que a maioria dos professores nunca recebeu treinamento para realmente compreender, praticar e ensinar sustentabilidade.
Essa prática, conhecida como “educar os educadores” para a sustentabilidade, apesar de óbvia para a transformação curricular, parece ser rara entre as universidades. No entanto, treinar os professores em sustentabilidade não é suficiente. Outros líderes e formadores de opinião dentro das IES também devem receber treinamento. Sem o apoio deles, as iniciativas “de baixo para cima” frequentemente falham. Em relação a esse aspecto, para que a transformação das organizações em direção ao DS ocorra, a governança corporativa é cada vez mais reconhecida como crucial, especialmente para as IES, levando-se em conta suas características singulares.
Diante deste quadro, podemos inferir que, para que a incorporação holística da sustentabilidade ocorra nas IES, a participação de toda a comunidade universitária é crucial. Nesse sentido, o “engajamento” é a estratégia mais eficaz para superar a resistência à mudança. No entanto, para isso ocorra, a barreira da falta de familiaridade com o DS, EDS, ODS, conceitos de universidade sustentável e ideias relacionadas deve ser quebrada. Talvez, muitas das outras barreiras frequentemente citadas por pesquisadores nas últimas décadas derivem dessa falta de conhecimento e compreensão. Estas incluem, principalmente:
• Falta de alocação de recursos econômicos, físicos e humanos;
• Ausência ou insuficiência de políticas institucionais para a sustentabilidade;
• Ausência da sustentabilidade nos planos estratégicos e nos currículos;
• Falta de interdisciplinaridade no ensino e pesquisa; e, especialmente
• Ausência da sustentabilidade nos currículos.
Devido à situação exposta, uma importante reflexão é necessária. Se considerarmos que a missão primordial das IES é o ensino (chamado de “primeira missão” em muitos países) e que a principal contribuição dessas instituições para o DS é a formação de profissionais e cidadãos com as competências e habilidades necessárias para viver e trabalhar de forma sustentável, todas as outras dimensões da sustentabilidade de uma IES são atividades que contribuem secundariamente para esse propósito. Há um entendimento claro de que a pesquisa, a extensão, as operações do campus e a estrutura organizacional prestam importante contribuição. A utilização do campus, como um “laboratório vivo” e da comunidade como uma “sala de aula viva” são amplamente reconhecidas como de grande relevância no complemento da formação dos estudantes.
Apesar dos claros avanços das IES na incorporação da sustentabilidade, eles estão concentrados nessas áreas que, em relação ao ensino, são complementares. Ao mesmo tempo, identifica-se a ausência, ou baixíssima abordagem, da sustentabilidade nos currículos dos cursos universitários.
Essa situação leva a outras duas questões relevantes:
• Não estariam todos os envolvidos com a sustentabilidade no ensino superior – pesquisadores, administradores de rankings, dirigentes universitários, professores e outros profissionais das IES – complacentes com esses avanços e falhando em focar a necessária transformação radical dos currículos para abranger a sustentabilidade?
• Estariam os responsáveis pelas IES evitando enfrentar a principal barreira para cumprir seu papel para o alcance dos ODS devido ao alto grau de complexidade que essa transformação envolve?
Infelizmente, a realidade aponta para uma resposta positiva a essas questões. Há necessidade urgente de promover uma profunda mudança nos currículos. Caso contrário, continuaremos a considerar como mais sustentáveis as IES que gerenciam seus resíduos, implementam práticas de baixa emissão de carbono, publicam mais artigos científicos e recebem mais citações. É evidente que essas ações são relevantes porque permitem que as IES se posicionem como organizações sustentáveis, complementam o aprendizado dos alunos e promovem o desenvolvimento sustentável da sociedade. No entanto, para que uma IES seja considerada sustentável numa visão de “instituição como um todo”, ela deve ir além e enfrentar o desafio de integrar a sustentabilidade em seus currículos.
Em relação a essa questão, para que qualquer problema seja resolvido, o primeiro passo é reconhecê-lo como tal. Portanto, é essencial que o ensino superior reconheça o grande problema que a ausência da sustentabilidade nos currículos acarreta. Uma vez superada essa questão, o segundo passo para resolver o problema é o diagnóstico correto de suas causas. Nesse sentido, parece haver consenso sobre o que dificulta a integração curricular da sustentabilidade. Uma vez reconhecido o problema e identificadas suas causas, resta o terceiro e decisivo passo: agir para resolvê-lo.

*Francisco Elíseo Fernandes Sanches é diretor administrativo e financeiro do Centro Universitário da Fundação Hermínio Ometto (FHO).