NOTÍCIA
Professores do ensino superior promovem a expansão da cultura oceânica e preparam terreno para a implementação do Currículo Azul pelo país
Publicado em 17/09/2025
Ronaldo Christofoletti, referência em ciência e cultura oceânica, coordena o programa Maré de Ciência da Unifesp (foto: divulgação)
O termo cultura oceânica pode remeter a um minicurso de oceanografia. O que não necessariamente se aplica. Isso porque o conceito é muito mais amplo e atinge a todos, seja no mar ou em terra firme. Trata-se de entender a relação com o planeta, 70% composto por água e climaticamente regulado pelos oceanos. Falar de cultura oceânica é, por consequência, falar de segurança alimentar, clima e economia. É falar dos biomas terrestres, já que existe uma relação direta entre o verde e o azul. Para expandir a compreensão desses processos surge o Currículo Azul, iniciativa que torna o Brasil um país pioneiro na inclusão da educação sobre os oceanos no currículo escolar.
Assinado pela ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luciana Santos, em abril de 2025, o Protocolo de Intenções que oficializou o Currículo Azul fez com que o país fosse reconhecido pela Unesco como protagonista global em educação para a sustentabilidade e ação climática. Integrado às instituições de ensino básico e superior, o Currículo Azul viabiliza a disseminação da cultura oceânica por todo o país, o que pode auxiliar numa reflexão de comportamentos. “Ao entender a sua relação com o oceano, todo cidadão e profissional em seu espaço de decisão pode ter uma atitude mais positiva”, afirma Ronaldo Christofoletti, coordenador do programa Maré de Ciência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e referência no âmbito da ciência e cultura oceânica.
“Qualquer pessoa, sociedade, grupo ou instituição pode trabalhar a cultura oceânica”, destaca Michelle Vetorelli, bióloga e professora da faculdade de ciências agrárias da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), de Mato Grosso do Sul. “O caminho para a expansão é a educação e o uso da extensão para popularizar a ciência. Para mostrar à população o quanto o oceano afeta a nossa vida e o quanto nós também o afetamos. Trata-se de aproximar de forma prática”, acrescenta a docente, que lista algumas das diferentes áreas em que essa aproximação pode se dar. “Temos a literatura, a arte e a culinária. Além de todas as disciplinas envolvidas, como química, física, biologia, história e geografia. São muitas as vertentes em que a cultura oceânica pode ser trabalhada. Após esse passo e com mais entendimento, a implementação do Currículo Azul nas instituições de ensino caminhará de forma mais tranquila.”
O professor Ronaldo Christofoletti explica que não se trata de criar um currículo do zero, mas de colocar uma “lente azul” em cima do já existente. “É muito mais simples do que se imagina”, pontua. A complexidade do sistema educacional em um país de dimensões continentais, no entanto, traz a necessidade de uma inserção flexível e adaptável para cada sala de aula. Um processo que, segundo Christofoletti, deve ocorrer de baixo para cima. “A proposta é de que exista escuta e uma construção conjunta com os professores.”

“O oceano move toda a economia”, salienta Jussara Lemos, professora titular da UFPA (foto: arquivo pessoal)
A promoção da cultura oceânica pode ser facilitada por meio de quatro pilares. São eles educação, comunicação, conexões culturais e sistemas de conhecimento – reconhecendo não apenas o conhecimento acadêmico, mas também aquele encontrado entre os povos originários.
Entre agosto e setembro, sete IES públicas passam a ofertar a especialização “Cultura oceânica e sustentabilidade na educação básica”. Trata-se de uma pós-graduação lato sensu desenvolvida pela Universidade Aberta do Brasil (UAB). A formação está distribuída entre as federais do Rio Grande, Pará, Pernambuco, Alagoas, São Paulo e Santa Catarina, e na estadual do Ceará.
Jussara Moretto Martinelli Lemos, professora titular da Universidade Federal do Pará (UFPA), conta que o curso visa capacitar docentes para abordarem a cultura oceânica na sala de aula, independentemente da disciplina que lecionam. Além da especialização, a UFPA promove exposições científicas, feiras e eventos com cientistas que levam a cultura oceânica para dentro da instituição. “Estamos na luta para multiplicar e integrar aos nossos currículos.”
A professora titular não esconde a empolgação com o tema. “Porque ele faz sentido.” Jussara reforça que a distância do mar pode causar a falsa impressão de que ele não afeta quem está a 10 mil km de longitude, por exemplo. “Esse equívoco é um prejuízo acarretado pela falta da educação, que vai da básica até o ensino superior. Quem tem o privilégio de conhecer mais da conexão entre o oceano e as nossas vidas são aqueles que estão na universidade, matriculados em cursos como oceanografia, biologia marinha ou gestão costeira. Mas o oceano é um regulador do clima, é fonte de vida, de recursos naturais e move toda a economia. Então, para além dessas especificidades, o assunto deve ser tratado ao longo da educação básica. Afinal, quem está longe do mar é, sim, impactado.”

Michelle Vetorelli, professora da UFGD, enfatiza a importância de levar a cultura oceânica de forma prática e compreensível para a população (foto: arquivo pessoal)
Distante do litoral, a professora Michelle Vetorelli relata ter sentido certa dificuldade em trabalhar a temática. A cultura oceânica foi o caminho encontrado para aproximar os estudantes da Universidade Federal da Grande Dourados e a população douradense das questões que envolvem os oceanos. Em colaboração com professores da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Michelle desenvolveu um projeto interinstitucional de cultura oceânica. “A iniciativa teve início após aproximarmos a população por meio de exposições que trouxeram pertencimento às pessoas.”
A ação derivou diferentes projetos de extensão para a UFGD, como um voltado para a popularização do programa Escola Azul*. “Dentro desse projeto tenho alunos de diversos cursos, como agronomia, engenharia de aquicultura, zootecnia, biotecnologia e biologia. Vamos até as escolas e apoiamos a integração das instituições ao programa. Com isso, conseguimos que escolas da região passem a ter o selo Escola Azul e, apenas em Dourados, já temos seis adesões a partir do projeto de extensão.”
De acordo com Ronaldo Christofoletti, o Escola Azul é fundamental para a implementação do Currículo Azul. “É um programa global que está em 70 países e o Brasil sozinho concentra 25% de escolas azuis. É cultura oceânica na veia, mesmo que longe do mar. Temos, por exemplo, escola indígena que trabalha a temática no Mato Grosso do Sul.”

Pesquisas sobre a fauna aquática são desenvolvidas no Acervo Zoológico da Unisanta (foto: divulgação/Unisanta)
O município de Santos, no litoral de São Paulo, deu um passo significativo para ampliar a educação oceânica. Por meio da Lei Municipal nº 3.935, de 2021, a cidade estabeleceu a cultura oceânica como política pública educacional obrigatória nas escolas municipais. Na região, a Universidade Santa Cecília (Unisanta) produz pesquisas que auxiliam a obtenção de dados locais e que podem ser utilizados nos componentes curriculares do Currículo Azul. “Estudos sobre a qualidade de água da Baía de Santos e dos canais de drenagem; pesquisas sobre o nível das marés e a previsão de fenômenos climáticos extremos; pesquisas sobre a flora da restinga, importante defesa natural da linha de costa”, exemplifica Fabio Giordano, pró-reitor acadêmico.
*O conceito “Escola Azul” nasceu em Portugal e trabalha a cultura oceânica de forma transversal ao currículo.
| Preservação oceânica |
| Com A terra inabitável: uma história do futuro (2019), o jornalista norte-americano David Wallace-Wells apresenta um panorama de alguns impactos da ação humana nos oceanos, como a migração de peixes em busca de regiões mais frias, a alta concentração de carbono nas águas e o branqueamento de corais. “Segundo o Instituto de Recursos Mundiais, até 2030 o aquecimento e a acidificação dos oceanos ameaçarão 90% de todos os corais. É uma péssima notícia, porque os recifes de corais sustentam pelo menos um quarto de toda a vida marinha e fornecem alimento e renda para meio bilhão de pessoas.”
Fundado em 2021 pelos ativistas ambientais Rodrigo Thomé e Rodrigo Cebrian, o movimento EUceano.org acompanha a agenda da Década do Oceano (2021-2030) decretada pela Unesco, promovendo educação oceânica por meio de conteúdos audiovisuais. Acompanhe as redes sociais do movimento e mantenha-se informado(a) sobre a importância da preservação dos oceanos. |