NOTÍCIA
A importância do trabalho jornalístico é corroborada pelo relatório do Fórum Econômico Mundial de 2025. Pelo segundo ano consecutivo, a desinformação é considerada o maior risco global que a humanidade enfrentará a curto prazo
Publicado em 19/08/2025
“O grande desafio do setor hoje é combater a desinformação” - José Wagner Borges Gondim, coordenador do curso de jornalismo da Universidade de Fortaleza (Unifor)

Para José Wagner Borges Gondim, coordenador do curso de jornalismo da Unifor, nas situações de crise, a sociedade se volta para o jornalismo (foto: Luiz Carlos de Arruda)
Há décadas, o jornalismo encontra-se diante de desafios trazidos por um cenário complexo que vai desde a crise do seu modelo de negócios tradicional até o questionamento sobre a própria relevância da atividade jornalística. Na era atual da informação instantânea, redações encolhem em todo o mundo, veículos tradicionais fecham as portas enquanto novas mídias independentes e menores buscam conteúdos de nicho e novos formatos para alcançar o público.
Levantamento do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), elaborado a pedido da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), revela que o número de empregos formais no jornalismo caiu de 60.899 em 2013, quando o setor viveu seu auge de vagas, para 49.917 em 2023, uma retração de 18% no período. Entre as explicações desta queda estão crises econômicas, pandemia, transformações tecnológicas e mudanças nos modelos de negócio da imprensa.
“Eu costumo achar que a situação do jornalismo é cíclica. À medida que a sociedade se desenvolve, deixa de lado o jornalismo, mas quando as situações de crise se instalam ela se volta para o jornalismo. O grande desafio do setor hoje é combater a desinformação”, avalia José Wagner Borges Gondim, coordenador do curso de jornalismo da Universidade de Fortaleza (Unifor).

“Soubemos do número de mortos na pandemia graças a um consórcio de veículos de comunicação”, reitera Fabio Cypriano, da PUC-SP, acerca da relevância do jornalismo nos momentos de crise (foto: Thais Polato)
Um exemplo disso pôde ser visto durante a pandemia. “Nós só soubemos do número de mortos na pandemia graças a um consórcio de veículos de comunicação. Se fosse depender do governo incompetente que havia na época, a gente não teria essa informação”, lembra Fabio Cypriano, diretor da Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes (Faficla) da PUC-SP.
A importância do trabalho jornalístico é corroborada pelo relatório do Fórum Econômico Mundial “The Global Risks Report 2025”. Pelo segundo ano consecutivo, a desinformação é considerada o maior risco global que a humanidade enfrentará a curto prazo. O estudo afirma que ela pode “afetar as intenções dos eleitores; semear dúvidas entre o público em geral em todo o mundo sobre o que está acontecendo nas zonas de conflito; ou ser utilizada para manchar a imagem de produtos ou serviços de outro país”.
O advento da internet em meados dos anos 90 deu início a uma crise econômica generalizada que permanece até hoje nas redações. Até então, a maior parte das receitas dos veículos de notícias vinha da publicidade, com uma menor parcela composta por assinaturas e vendas avulsas nas bancas.
Isso ocorria porque as mídias (jornais, revistas, rádios, TVs) eram os únicos canais de comunicação entre as empresas e o público e quem desejava vender seus produtos ou serviços precisava se utilizar de um destes meios para alcançar o consumidor. Com o surgimento e crescimento da internet, multiplicaram-se os meios de comunicação entre empresas e consumidores, o que reduziu drasticamente a receita oriunda da publicidade para o jornalismo.
Atualmente, grande parte do dinheiro da publicidade que costumava ir para os jornais foi absorvida pelas Big Techs, especialmente Google e Meta, que dominam cerca de 50% das receitas de publicidade online. Os dados são do centro de pesquisas Pew Research Center e motivaram projetos de lei no Brasil e no mundo para que uma parte dessa receita, decorrente do uso online de publicações de caráter jornalístico, seja dividida com as mídias noticiosas.
“A desregulamentação das plataformas digitais e o avanço da desinformação tornaram o ecossistema digital hostil à produção responsável de informação. Fake news circulam com velocidade, impacto e alcance desproporcionais, favorecidas por algoritmos que premiam engajamento acima de veracidade”, afirma Ricardo Ponsirenas, reitor dos Centros Universitários FMU e FIAM/FAAM.
Combater essa proliferação de fake news é promover a educação midiática na sociedade. “Precisamos incluir não só no curso de jornalismo, mas em outras profissões, alguns princípios sobre comunicação. É essencial que os profissionais saibam diferenciar o que é uma informação qualificada, que vem de uma fonte primária, por exemplo, do que uma informação das redes sociais. Precisamos ter uma formação específica para isso não apenas para o curso de jornalismo, mas para toda a sociedade civil”, diz Cypriano.
“A regulação da internet, por meio da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet (PL 2630/2020 ou “PL das Fake News”), também é um caminho para proteger e reconhecer direitos autorais e patrimoniais, especialmente em tempos de IA generativa. A IA, inclusive, pode facilitar as nossas rotinas e qualificar ainda mais a produção jornalística”, defende Deisy Feitosa, coordenadora de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero.
Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a exigência do diploma de jornalismo para o exercício da profissão sob o argumento de que a exigência limita a liberdade de expressão. Desde então, tem crescido por parte de entidades de classe e associações do setor a pressão para que o diploma seja novamente exigido.
Essa questão, entretanto, não tem gerado tanto impacto na procura pelos cursos da área, segundo os gestores das instituições de ensino. “As empresas sérias de comunicação não vão colocar dentro das suas redações profissionais que não têm uma formação, que não investiram em conhecimento”, diz Borges Gondim. Entre os diferenciais da Unifor, ele destaca a alta empregabilidade e o seu parque tecnológico, o maior hub de laboratórios do Nordeste.
“Eu falo da TV Unifor, Rádio Unifor, Newslink (laboratório de redação convergente, onde estudantes produzem diariamente conteúdos sob supervisão dos professores). Criamos o primeiro núcleo de estudos e pesquisa em comunicação empresarial, ainda em 2013, para preparar o curso e o nosso aluno para trabalhar com inteligência artificial, com métricas, parametrizações e cenários diversos, permitindo que, a partir de pesquisas de opinião, pesquisa mercadológica, enquetes de internet e o domínio técnico de métricas, ele possa desenvolver cenários para tomada de decisões”, diz o coordenador.

IA generativa regulamentada pode qualificar a produção jornalística, afirma Deisy Feitosa, coordenadora do curso de jornalismo da Cásper Líbero (foto: Julia Bonfim)
A alta empregabilidade também é um elemento ressaltado pela coordenadora da Cásper. “Nossos estudantes começam a estagiar já nos primeiros semestres em grandes empresas de comunicação e têm a possibilidade de atuar nas unidades de negócio da Fundação Cásper Líbero, um complexo de comunicação que integra Faculdade Cásper Líbero, TV Gazeta, o portal Gazeta Esportiva e a rádio Gazeta FM.
“Recebo alunos que comentam que algum professor ou membro da família sugeriu que não escolhessem a profissão pela falta de regulamentação. Porém, quando conversamos com as turmas de calouros no último dia de aula do semestre, percebemos em seus comentários que eles passaram a ter consciência e convicção da importância do jornalismo profissional. Inclusive, já ouvi alunos que atuavam como influenciadores dizerem que, se tivessem optado por não cursar uma escola superior de jornalismo, não teriam as ferramentas e as competências necessárias para desenvolver técnicas de escrita”, afirma Deisy Feitosa.
Na Cásper, os estudantes podem aplicar seus conhecimentos em diferentes áreas, como o Núcleo Editorial, com as revistas Cásper e Esquinas, e o Núcleo Audiovisual, formado pela Rádio Gazeta Online e pela Produtora Experimental Audiovisual.
Em relação à PUC-SP, Cypriano ressalta a formação cidadã promovida pela universidade. “A PUC é uma universidade crítica que busca a formação de jornalistas cidadãos. O nosso curso se atualizou e trata de checagem de fatos, jornalismo de dados, de temas ligados a questões raciais. Portanto, vejo que há uma busca por cursos que estejam muito voltados para a atual situação do Brasil.”
Além disso, o fato de a PUC-SP ser uma universidade de fato faz com que os alunos não sejam formados apenas por professores especialistas em jornalismo, mas por especialistas em diversos campos, como história, filosofia, economia e línguas. “Temos um jornal transversal ao curso, o Contraponto, que tem 25 anos, além de uma agência de notícias Maurício Tragtenberg também consolidada”, afirma o gestor.

Para Ricardo Ponsirenas, reitor da FMU e FIAM/FAAM, a desregulamentação das plataformas digitais e a desinformação vão na contramão da produção responsável de informação (foto: divulgação)
Para se atualizar aos novos tempos, a FIAM/FAAM está expandindo o uso de inteligência artificial na personalização de trilhas formativas, lançando novas disciplinas eletivas voltadas à cobertura jornalística em temas emergentes como meio ambiente, tecnologia e diversidade, além de ampliar os convênios com veículos e coletivos independentes, fortalecendo o vínculo entre formação acadêmica, prática profissional e transformação social.
“O grande diferencial do curso de jornalismo da FIAM/FAAM é a sua conexão direta com o presente e, mais importante, com o futuro da profissão. O curso faz parte da Escola da Indústria Criativa, uma das sete escolas autônomas criadas a partir do nosso projeto Level-up, que reposicionou a instituição com foco total em empregabilidade, inovação e protagonismo estudantil. Apostamos também no conceito de educação de última milha, que antecipa tendências e acelera o ingresso do aluno no mercado”, afirma Ponsirenas, reitor dos centros universitários.
Segundo ele, a ideia é formar o aluno para ser um comunicador completo, capaz de transitar entre redações tradicionais, agências de conteúdo, coletivos independentes, veículos digitais e o universo da “creator economy”. “O currículo é vivo, prático, interdisciplinar e conectado com as transformações do mercado”, diz.
O desafio não é apenas sobreviver à transformação digital, mas redefinir o papel do jornalismo na sociedade da informação. Isso exige repensar modelos de negócio, reformular processos educacionais e, principalmente, reconquistar a confiança do público em uma era em que a verdade se tornou disputável.