NOTÍCIA
Embora seja uma área com alto índice de empregabilidade, mercado precisa oferecer melhores condições de trabalho
Publicado em 12/05/2020
Períodos de crise colocam em evidência o papel de profissionais que, na maioria dos casos, passam desapercebidos no cotidiano da maioria da população. No caso da Saúde, esse cenário fica ainda mais patente quando uma situação emergencial coloca em risco a vida de milhares de pessoas e põe em xeque a capacidade de atendimento por parte dos sistemas público e privado de saúde.
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A pandemia da covid-19 levou para o centro do debate a capacidade dos países de suprir a demanda por profissionais que estão, literalmente, na linha de frente da batalha contra o novo coronavírus, em especial enfermeiros, enfermeiras e técnicos de enfermagem. Também fica a dúvida se, passada a fase mais aguda do surto, as redes de atendimento estarão prontas para desafios futuros, principalmente em relação ao número de profissionais em atividade.
Tal questionamento encontra resposta pouco animadora em levantamento realizado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que apontou para o risco de um apagão de profissionais da saúde em um prazo de dez anos. O estudo, batizado de “A Situação da Enfermagem no Mundo”, foi realizado em 191 países e trouxe à tona situações distintas para países pobres e àqueles que estão entre os 31 que compõem o quadro de membros da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
No primeiro grupo, o déficit de profissionais da saúde pode chegar a 7,6 milhões de pessoas. No segundo, a previsão é de 3,2 milhões. De acordo com o estudo, é preciso um esforço para elevar em cerca de 8% o total de formados por ano nos cursos da área da saúde. Também é necessário tornar salários e condições de trabalho mais atrativos. As projeções do órgão internacional revelam que, caso o percentual de formandos não seja atingido, o mundo terá 36 milhões de enfermeiros em 2030, não atingindo a meta de 41,8 milhões.
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Trazendo esse debate para o cenário nacional, a Ensino Superior procurou entidades que representam as instituições de ensino superior e ouviu coordenadores e diretores de cursos ligados à área da saúde. Crescimento do número de formados, alta taxa de empregabilidade e caminhos para o ensino durante e depois da pandemia formam o quadro do ensino de enfermagem no Brasil.
Para obter uma visão mais próxima da realidade possível da situação dos cursos de Enfermagem no país, os dados do Instituto Semesp funcionaram como um potente telescópio. Hoje, o Brasil tem 1.048 cursos de Enfermagem, sendo 894 privados e 154 públicos. São Paulo concentra 203 (185 privados e 18 públicos).
Entre os anos de 2014 e 2018, o total de concluintes registrou um crescimento de 42%, passando de 29.750 para 42.253. Na divisão por tipo de IES, a rede privada saiu de 24.628 para 37.319 formados (51,5%), enquanto a pública registrou queda de 3,7%, de 5.122 para 4.934. Trazendo o quadro para São Paulo, a tendência é semelhante. O total de estudantes que obtém o diploma subiu 51,3%, de 6.022 para 9.116. As IES particulares tiveram alta de 57,3%, de 5.429 para 8.543. Nas públicas, a queda foi de 3,37%, de 593 para 573.
Saindo das salas de aula, as informações levantadas pelo Instituto Semesp, a partir da base de dados do Conselho Federal de Enfermagem, mostram que o Brasil conta com cerca de 2,2 milhões de profissionais da saúde. Dividindo esse número por área de atuação, temos 1,3 milhão de técnicos de enfermagem, 558,3 mil enfermeiros, 417,5 mil auxiliares e 291 obstetrizes (parteiras).
O percentual de empregabilidade é elevado. Do total de formandos no Brasil, 69,5% informaram ao instituto que atuam no campo de formação, 20,3% estão desempregados e 10,2% seguem em outros setores.
As projeções da OMS indicam que há um mercado de trabalho com elevado potencial de absorção de mão de obra qualificada nos próximos anos, o que deve ter impacto na procura pelos cursos. Atentas a esse cenário, as IES já têm registrado um aumento no número de candidatos a cada processo seletivo.
Coordenadora da Graduação em Enfermagem do Einstein, Andrea Gomes C. Mohallem conta que, nos últimos cinco anos, houve um aumento de, em média, 15% no número de candidatos a uma vaga nos cursos de saúde. Todos os anos, a instituição recebe 100 calouros de enfermagem e 200 de técnicos de enfermagem. Com relação ao perfil, as mulheres ainda são maioria. “Mais de 80% são mulheres, embora o número de homens tenha aumentado a cada ano. Na graduação do Einstein, a idade média do ingressante é 19 anos.”
Com relação à empregabilidade, a instituição informa que, nos últimos seis anos, o percentual médio de contratação dos recém-formados é de 82%. Parte deles é absorvida pelo próprio Hospital Israelita Albert Einstein. Na avaliação de Andrea, essa taxa é fruto de uma grade curricular que aproxima os alunos das práticas atuais da área da saúde e o investimento no uso eficiente da tecnologia. “Promovemos periodicamente eventos voltados para a inovação, como o Hackathon interinstituições, uma maratona que envolve alunos de graduação da enfermagem, medicina e engenharia, com o objetivo de propor inovações para melhoria da qualidade de vida nas comunidades.”
Para elevar o número de concluintes no campo da saúde, a coordenadora acredita que é preciso repensar modelos de financiamento estudantil pelo governo federal. Ela ressalta que a formação de um enfermeiro de qualidade exige um considerável investimento por parte da IES, que vai da infraestrutura de laboratório à oferta de um corpo docente qualificado.
Para seguir com o calendário durante a pandemia da covid-19, o Einstein optou por instalar câmeras nas salas de aula duas semanas antes do início da quarentena. “Entendemos que a simples transmissão simultânea de uma aula não garante a aprendizagem. É preciso muito mais para manter a atenção, motivação e o comprometimento. O método ativo de ensino contribuiu para o sucesso da migração do presencial para o online neste momento de pandemia.”
Solange Lopes, diretora dos cursos de saúde da Unicesumar, alerta que o cenário apresentado pela OMS não será revertido somente com um aumento no número de concluintes nos cursos de graduação, mas que é preciso oferecer melhores condições de trabalho e um aumento nas contratações pelos agentes públicos. “Precisamos de uma efetiva expansão dos serviços de saúde. Também é preciso destacar que, com um cenário de pandemia e crise econômica, as dificuldades financeiras irão impedir que muitos estudantes concluam seus cursos de graduação.”
A instituição recebe, em média, 80 novos alunos por ano em seu curso de Enfermagem. Nos últimos três anos, a procura pela área registrou um aumento de 15%. O corpo discente é majoritariamente feminino, com idade variando de 18 a 29 anos. Cerca de 40% das ingressantes já possuem uma habilitação como técnico de enfermagem. Na outra ponta do corredor acadêmico, a taxa de concluintes varia de 12% a 15%. O percentual de discentes que, após a formatura, consegue uma vaga no mercado de trabalho é de 90%. “Estamos sempre buscando alternativas para atrairmos alunos para nossos cursos de graduação, seja pela qualidade dos cursos, pela tradição de formação de qualidade na área da saúde, bem como a instalação de laboratórios modernos de simulação realística e infraestrutura moderna”, explica Solange Lopes.
Sobre os impactos da pandemia no andamento das aulas, a diretora destaca que não houve trauma na adaptação ao modelo a distância. “A instituição vinha trabalhando, desde o início da pandemia, com a possibilidade de paralisação das aulas presenciais. Treinamos professores, preparamos modelos de aulas, adaptamos o sistema e demais recursos necessários.”
A instituição já pensa nas mudanças depois da Covid-19. “Após o retorno das aulas presenciais, avaliamos a possibilidade de uma oferta maior de aulas a distância. Trata-se de uma mudança de paradigma que vencemos e fomos forçados a nos adaptarmos na crise que afetou a todos, mas que está trazendo bons resultados.”
Ana Carolina Bhering, coordenadora de Enfermagem do Senac São Paulo, destaca que a alta empregabilidade é um dos fatores de atração do curso de técnico em enfermagem da instituição. Oferecida em 39 unidades, a modalidade conta atualmente com 10.800 alunos matriculados. “Nos últimos cinco anos registramos aumento de 236% no índice de ingressantes. Creio que esse aumento está ligado diretamente com a alta empregabilidade da área, influenciada pelo aumento de leitos dos serviços de saúde, envelhecimento populacional, aumento das doenças crônicas, oncológicas e de saúde mental. Nossa taxa de empregabilidade é de 88%.”
Para a coordenadora, o estudo divulgado pela OMS comprova a importância da enfermagem na melhoria dos indicadores da saúde. “Falamos de uma categoria essencial para a prevenção, educação e recuperação da saúde por meio de imunização, partos assistidos com menor índice de intervenção e experiências positivas, planejamento familiar, aleitamento materno, grupos educativos, atendimento ao idoso, cuidados paliativos e saúde do trabalhador.”
Ana Carolina avalia que o MEC precisa buscar formas para fomentar e incentivar a formação de novos enfermeiros. As medidas, explica, seriam uma saída para ampliar os investimentos em ações de prevenção e promoção da saúde, reduzindo índices de hospitalização, de mortalidade por causas evitáveis, taxa de ocupação dos serviços de saúde e melhorando a sobrevida da população carente na atenção primária.
As aulas online foram o caminho encontrado pela instituição para seguir com o semestre durante o período de isolamento social. “Os alunos são acompanhados remotamente por uma equipe composta de especialistas de todas as esferas. O plano de curso possibilitou reorganização para que a atividade remota fosse promovida mantendo a qualidade.”
Quanto ao retorno às salas, a coordenadora do Senac São Paulo revela que, quando chegar o período de retomada dos cursos presenciais, será possível obter os subsídios necessários para avaliar projetos futuros, incluindo iniciativas ligadas ao ensino a distância.
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