NOTÍCIA
Professora especialista em diversidade da escola de negócios da Duke University analisa efeito dos protestos de combate ao racismo e dá orientações para que a mudança seja efetiva
Publicado em 01/09/2020
A morte de George Floyd, em maio, nos EUA, estimulou protestos em inúmeros países e, com isso, muitos executivos passaram a condenar urgentemente o racismo dentro de suas organizações.
Para a professora especialista em diversidade da Fuqua School of Business, da Duke University, EUA, Ashleigh Shelby Rosette, essas declarações públicas são um começo, mas para promover um diálogo autêntico e uma mudança real, os líderes empresariais precisam, primeiramente, voltarem-se para dentro e avaliar o quão preparados estão para liderar esse debate internamente.
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“Raça é um dos tópicos mais difíceis de discutir em nossa sociedade, especialmente quando se trata da experiência negra”, diz Rosette, cuja pesquisa concentra-se em liderança, negociação e diversidade. “Historicamente, não nos sentimos à vontade ao olhar no espelho as injustiças cometidas contra os negros e nem em reconhecê-las, de modo que, com frequência, não dizemos nada. Presumimos que o que temos são uma democracia verdadeira em nossa república e meritocracias reais em nossas organizações, quando todos os indicadores sociais da saúde, da economia e da educação sugerem inequivocamente que isso não é verdade”, resume.
Em live promovida no LinkedIn da Duke Fuqua, Rosette trouxe cinco perguntas que todo líder empresarial deve responder para determinar se está realmente preparado para liderar discussões legítimas sobre o racismo em suas organizações.
1. Você reconhece que as minorias raciais não são um grupo monolítico?
Rosette: Nas últimas semanas, vi pessoas não-negras se esforçando para dizer as palavras negras ou afro-americanas ao falar sobre raça. Não há problema em falar de um grupo.
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Quando usamos o termo [politicamente correto em inglês] people of color, devemos garantir que o fenômeno racial que descrevemos afeta todas as pessoas não brancas de maneira que possa ser comparável. Se isso não acontecer, não há problema em rotular e nomear o grupo racial de interesse.
George Floyd, Ahmaud Arbery e Breonna Taylor eram todos negros americanos que morreram recentemente em incidentes que demonstram o racismo incorporado em nossos sistemas.
Portanto, neste momento, muitas discussões estão focadas especificamente na experiência negra, enquanto alguns elementos desses incidentes também podem se aplicar de maneira mais ampla a todas as pessoas não brancas. É importante reconhecer que diferentes grupos raciais e étnicos têm experiências muito diferentes e é importante entender essas diferenças.
Esses são fenômenos fundamentalmente diferentes e precisam ser tratados de maneiras fundamentalmente diferentes. E isso não deve ser motivo de separação, mas sim de unidade, solidariedade e aliança.
2. Você sente empatia por pessoas de raças diferentes?
Rosette: Você está melhor preparado para liderar a mudança se for capaz de ter empatia racial. Se seu colega, superior, par ou subordinado, seja negro, asiático ou latino vem até você e diz que teve uma experiência recente relativa à raça, é porque a experiência foi sobre raça.
Primeiro, reconheça a coragem que levou essa pessoa, provavelmente de uma raça diferente da sua, a chegar em você para lhe contar sobre algo que ela acredita ter sido racialmente motivado.
Muitas vezes, a resposta a esses relatos é de descrença e demissão, rotulando-se a pessoa que compartilhou sua experiência como “muito sensível”. Mas lembre-se que você não conhece a história dela, não conhece a dor dela e o que pode parecer um incidente inofensivo para você, pode causar muita angústia no contexto vivido pelas minorias raciais.
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3. Com que frequência você se coloca no lugar dos outros?
Rosette: A chave para liderar a mudança é entender a história de outra pessoa. Os dois lados – tanto as pessoas brancas devem trabalhar para entender as histórias das minorias raciais quanto as minorias precisam buscar compreender a perspectiva das pessoas brancas.
Olhe ao seu redor para ver de quem você procura aconselhamento com maior frequência. Eles se parecem com você? Pensam como você? Tem o mesmo conhecimento que você? Eles são da mesma raça que você? Nesse caso, você pode não estar preparado adequadamente para lidar com as discussões sobre raça em sua organização.
As duas últimas décadas levaram a algum progresso, mas o fato é que os homens brancos ainda compõem a grande maioria dos executivos corporativos.
Isso significa que os homens brancos tendem a selecionar e promover outros homens brancos. Ou seja, qualquer discussão sobre raça que você possa ter pode não ter a perspectiva adequada ou, talvez, que considerações raciais não sejam adequadamente levantadas em sua organização.
4. Você sabia que discutir raça é mais arriscado para as minorias?
Rosette: Falar sobre raça é inerentemente arriscado, e ainda mais arriscado para as minorias raciais. Quando comparados aos brancos, as minorias são desproporcionalmente convocadas a participar de iniciativas de diversidade.
Isso significa que essas pessoas têm de fazer seu trabalho normal e contribuir para a diversidade. Sempre trabalhando bastante e, muitas vezes, sem o mesmo reconhecimento recebido pelos colegas brancos. Além disso, o impacto emocional é grande quando se está envolvido em um trabalho para a promoção da diversidade em paralelo à carga normal de trabalho.
Por último, pesquisas recentes mostraram que membros de minorias raciais que se dedicam ao trabalho de valorização da diversidade eram percebidas como menos competentes e recebiam avaliações de desempenho inferiores de seus chefes em comparação com pessoas dessas mesmas minorias que não realizavam trabalhos sobre diversidade. O estudo não mostrou diferença nas percepções de competência ou classificações de desempenho para brancos que fizeram trabalhos de diversidade e inclusão.
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5. Você entende que os protestos recentes são mais do que apenas sobre George Floyd?
Rosette: As mortes, nos EUA, de Ahmaud Arberry e Breonna Taylor e as ameaças contra Christian Cooper, um patrono negro do Central Park, demonstram uma longa história de tratamento díspar contra negros por autoridades de todo o país.
Lembre-se de que muitos desses crimes não foram capturados em vídeo e transmitidos para todo o mundo, mas foram experimentados por numerosos negros americanos e seus antepassados em todo o país.
Quando se pergunta a um colega negro sobre suas experiências com o racismo, boa parte dessas histórias ocorreram no trabalho, tema que estudei recentemente.
Os líderes que estão prontos para colocar a mudança em andamento devem começar procurando lugares dentro de suas organizações onde preconceitos, discriminação e o racismo possam acontecer – contratação, promoções e salário.
Faça uma análise legítima e se comprometa com mudanças reais. E, aqueles que não têm autoridade para tomar decisões dentro da organização, devem saber que podem liderar mudanças, como voluntário e aliado. Entre em contato com seus superiores e inicie discussões sobre raça. Não fique calado.
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