NOTÍCIA

Ensino edição 227

Do que depende a inovação

Johanna Annala, da Universidade da Finlândia, afirma que a transformação das práticas pedagógicas não pode ser conduzida por um grupo de professores. Os administradores também precisam colaborar

Publicado em 04/04/2018

por Ana Carolina Nunes

capa_ensino

ensinoCom a reputação conquistada na área educacional, era esperado que a Finlândia exportasse suas práticas para outros países, oferecendo desde consultoria na criação de cursos até formação de professores. A Universidade da Finlândia, criada a partir de um consórcio entre a Universidade do Leste da Finlândia, a Universidade de Turku e a Universidade de Tampere, é uma das organizações que se destacam na área. Ela oferece programas para governos e outras instituições de ensino e já realizou trabalhos nos mais diferentes países da Ásia, África, Oriente Médio e América Latina.

Recentemente, a professora e pesquisadora Johanna Annala veio ao Brasil para participar de uma atividade no grupo educacional Ânima, que promoveu um programa de capacitação em práticas inovadoras de ensino para 40 professores selecionados. Uma nova turma será iniciada em breve, desta vez com a participação de docentes de outras instituições de ensino.

Na entrevista que segue, a doutora em Filosofia e Educação afirma que, apesar de todas as diferenças entre o Brasil e a Finlândia, os professores de ambos os países têm preocupações muito semelhantes. Todos querem motivar seus alunos.

Além disso, muitos estão conscientes da necessidade de fazer pesquisas – algo que ela defende veementemente. “Todo professor deve ser pesquisador e muitos pesquisadores deveriam ensinar. Essa combinação leva à inovação na academia e leva ao desenvolvimento da sociedade”, afirma.

A Finlândia tem características muito peculiares. Como é possível exportar o seu bem-sucedido modelo educacional para países como o Brasil?
Eu prefiro usar a palavra e a ideia de ‘compartilhar’ e não ‘exportar’, especialmente porque estamos falando de educação. Apesar de sermos um país diferente, com outra formação cultural – há uma diversidade maior aqui no Brasil, sem dúvida –, nossos professores têm questões similares às dos brasileiros. Por exemplo, eles querem saber como motivar os estudantes, como engajá-los, principalmente aqueles que estudam e trabalham. Além disso, tanto os professores brasileiros como os finlandeses estão atentos à importância da pesquisa. Os professores precisam de tempo para pesquisar. Quando eles têm essa oportunidade, conseguem se dar conta de que a questão central na educação não é tanto como ensinar, mas como os alunos aprendem, e isso faz uma grande diferença em suas rotinas. Acredito que o ensino deve caminhar junto com a pesquisa. Todo professor deve ser pesquisador e muitos pesquisadores deveriam ensinar. Essa combinação leva à inovação na academia e leva ao desenvolvimento da sociedade. Essa combinação não pode ser separada.

Como funciona a parceria entre a Universidade do Leste da Finlândia, a Universidade de Tampere e a Universidade de Turku?
Quando instituições de outros países se interessam pelos treinamentos que oferecemos, nós funcionamos como uma organização. Mas se uma não tem tempo ou expertise para aquele programa específico, uma delas faz a negociação e depois se discute qual das universidades se encarregará do programa.

Fala-se muito da autonomia das instituições de ensino finlandesas. Até que ponto isso é verdade?
Isso procede, embora sigamos alguns parâmetros. Para que uma graduação na Finlândia tenha equivalência na Alemanha, precisamos atender a alguns critérios. Isso é regulado. Mas em termos de currículo, os professores têm bastante autonomia, bastante poder de decisão. Claro que depende de cada área. Em Medicina, por exemplo, temos bastante regulação. Mas em Ciências Sociais, por exemplo, é possível encontrar diferentes ênfases conforme a universidade.

Quais são os resultados dessa autonomia?
Acho que as pessoas gostam de autonomia. Os educadores podem usar suas próprias pesquisas nos projetos que desenvolvem, podem mesclar resultados de pesquisa e ensino, e isso atrai os professores. Eles não sentem que há algo ou alguém inspecionando ou regulando seus trabalhos. Eles se sentem mais confiáveis. E a sociedade da educação funciona na base da confiança no professor, da educação básica ao ensino superior. Há uma confiança de que o professor realmente sabe o que está fazendo.

Isso ajuda quando o assunto é inovação acadêmica?
Sim. Atualmente, as universidades são incentivadas a colaborar com o mercado de trabalho. Dentro desse contexto, elas podem criar projetos abertos à participação dos estudantes e que, ao mesmo tempo, sirvam para coletar dados com o propósito de pesquisa, numa perspectiva de ensino, trabalho e pesquisa. Um apoiando ao outro, envolvendo estudantes, professores e universidades.

Como esses projetos – e as próprias instituições – são avaliados?
De certa forma, a avaliação é feita por organizações independentes, no estilo revisão de pares. Temos auditorias qualitativas para o nível de pesquisa e ensino na universidade, mas esse processo não é liderado pelo governo, mas por outras universidades e também por alunos. Não tem uma regularidade fixa. Pode ser a cada cinco anos, por exemplo.

Como a senhora avalia a qualidade da educação superior finlandesa?
Acho que nossas instituições de educação básica têm resultados melhores que as de ensino superior nas avaliações externas. Mas, apesar de não estarmos no topo, posso garantir que a qualidade da educação superior finlandesa é muito boa e que os estudantes têm bom nível de empregabilidade. Eles trabalham ao mesmo tempo que estudam. Sendo assim, logo que se formam já conseguem bons empregos.

Qual seria o diferencial na educação superior na Finlândia?
Na educação básica, todos os professores têm nível de mestrado – e mestrado em Educação. Nas universidades, os professores costumam atuar em função de seus méritos no campo da pesquisa e suas aplicações, por seus conhecimentos específicos em física ou sociologia, por exemplo. Trabalha-se ainda com a ideia de que professores estão aprendendo na educação superior; aprendendo como ensinar sociologia e como ensinar física, como passar o conhecimento com as competências exigidas pelo currículo acadêmico. Acho que esse é o principal diferencial. Outra característica marcante do ensino superior finlandês é a qualidade dos alunos. Na educação básica, em todo o território finlandês, todos os professores têm o mesmo nível de formação. Sendo assim, quase todos os estudantes têm o mesmo nível de educação, conhecimento e entendimento. É mais fácil ensinar nessas condições.

Como todo sistema educacional, o finlandês também deve ter as suas falhas. Poderia nos apontar algumas delas?
Há professores que insistem em ensinar todos os alunos da mesma maneira. Porém, não há um único jeito de aprender, apesar da crença generalizada nessa ideia. Algumas pessoas, por exemplo, não conseguem manter o foco. E na Finlândia, assim como em outros locais do mundo, existem professores que fazem apenas o que lhes foi dito para fazer – e mantêm a tradição sem analisar como seus estudantes estão aprendendo. Felizmente, essa não é a realidade de todas as universidades. Em algumas delas, os professores estão realmente pensando como engajar os estudantes no conhecimento e o que fazer com suas limitações.

Muitas instituições têm dificuldade para inovar seus processos. Em sua visão, o que impede as transformações?
As inovações podem ser de diferentes tipos. Em algumas áreas, elas dependem de muita pesquisa básica, enquanto em outras elas acontecem mais rapidamente. Se pensarmos em inovação no ensino superior, não é suficiente apenas uma ou duas pessoas para realizar essa tarefa. É preciso toda uma comunidade – e uma comunidade com habilidade para trabalhar em equipe. Isso é interessante porque os professores também aprendem com áreas diferentes das suas. Professores com percursos de formação diferentes podem aprender juntos. Isso dá mais poder e otimismo aos docentes. Mas a formação dessa comunidade pede um engajamento da instituição de ensino, e não apenas dos professores. É preciso que seja estabelecida uma colaboração entre os administradores da instituição e os professores para que sejam revistos os procedimentos acadêmicos.

Como vocês apoiam esses processos de transformação?
Acho que o que trabalhamos muito atualmente é o compartilhamento de ideias. Tentamos oferecer exemplos das muitas diferentes formas de engajar os alunos a partir da experiência dos participantes. A decisão de adotar as práticas compartilhadas, de incorporar as lições passadas, é de cada um. Por exemplo, temos agora uma discussão sobre como usar ferramentas on-line, com muitos grupos de trabalho, muito aprendizado coletivo, com diferentes perspectivas e cada participante discutindo como eles vivenciam essas ferramentas com os estudantes, compartilhando suas experiências entre eles.

Como está o trabalho com a Ânima?
A parceria está indo muito bem. Conseguimos formar um ótimo grupo com a participação de professores excelentes de diferentes universidades. Todos estão muito motivados, mesmo tendo bastante experiência. Eles querem compartilhar e conhecer novas ideias.

Autor

Ana Carolina Nunes


Leia Ensino edição 227

capa-campi

Conteúdo ensinado nas universidades americanas entra na mira dos...

+ Mais Informações
capa-ed

Estratégias de sobrevivência para as pequenas e médias instituições

+ Mais Informações
ava_1

Ponto de partida

+ Mais Informações
capa_ensino

Do que depende a inovação

+ Mais Informações

Mapa do Site