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Entre o local e o universal

Produção científica na área de educação busca adaptar-se a padrões internacionais para melhorar inserção de periódicos sem perder de vista as questões locais

Publicado em 05/12/2012

por Rubem Barros

No último mês de outubro, circulou entre pesquisadores latino-americanos uma mensagem de um de seus pares que, ao mesmo tempo, dividia sua estupefação e alertava os colegas para um tipo de golpe que tem ganhado corpo no meio acadêmico. Trata-se da admissão de artigos por periódicos científicos internacionais de acesso livre condicionada ao pagamento de taxas. No caso do autor da mensagem, ele deveria fazer um depósito de US$ 100 em uma conta em Bangladesh para um journal na área de artes. Denunciada pela revista britânica Times Higher Education (THE) em agosto deste ano, a prática dessas revistas, batizadas de predadoras, envolve, além da cobrança, a veiculação de informações falsas, como a indexação dos periódicos e a citação, em seus conselhos editoriais, de renomados pesquisadores que jamais souberam de sua “contribuição” para a linha editorial ou seleção de artigos. Segundo a matéria, já foram mapeadas 140 revistas predadoras.


Busca por espaço
O caso é simbólico de um processo que, de uma forma ou de outra, tem afetado os pesquisadores e revistas brasileiros: a obrigação de publicar em periódicos, essencial para a boa avaliação dos pesquisadores, está levando à multiplicação das revistas científicas, acompanhada de uma busca às vezes frenética por espaços editoriais qualificados por parte daqueles que estão nas universidades. A área de educação não foge à regra. No último documento de área da Diretoria de Avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (DAV/Capes), relativo ao triênio 2007-2009, foram listados 1.070 periódicos científicos nacionais na área de educação, com classificações que variam de A1 (a mais alta) a B5. Além deles, há mais uma infinidade com classificação C, que não tem valor para a pontuação dos pesquisadores. Essa pontuação pessoal assume grande importância na medida em que abre portas para conseguir novos financiamentos para pesquisas, projetos e participação em congressos e eventos científicos.
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A listagem da Capes, porém, causa grande grita entre os pesquisadores de educação, assim como de outras áreas, por seus critérios serem vistos como muito produtivistas ou mais afeitos à lógica das áreas de exatas e biológicas. Ou seja, exige-se grande volume de publicação, de preferência em periódicos que seguem critérios internacionais, sem que se analisem particularidades de área, como, por exemplo, o fato de a educação brasileira ter determinadas características ou estar em um estágio muito diferente da americana ou europeia, principais referências no caso das publicações científicas.

Novo olhar
Em função disso, o Fórum dos Editores de Periódicos da Área de Educação (Fepae), ligado à Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), constituiu, em abril deste ano, uma comissão para avaliar e dar pareceres sobre os periódicos que, voluntariamente, quisessem submeter-se a esse outro olhar, que se propunha mais “pedagógico e solidário”, nas palavras de Aparecida Paiva, professora da Universidade Federal de Minas Gerais que coordenou o processo. A Anped havia promovido processo similar nos anos de 2001, 2003 e 2006, mas, nessas ocasiões, baseou-se quase que integralmente na avaliação da Capes, replicando-a em grande parte.


Para a coordenadora, a comissão fez uma análise mais aprofundada do que aquela feita habitualmente pela Capes em função de ter se detido sobre 110 periódicos – 115 se apresentaram, mas cinco deles tinham dados insuficientes. Os critérios e a metodologia não foram muito diferentes daqueles utilizados por instituições como Capes, CNPq e as outras principais agências de fomento à pesquisa no Brasil. A diferença ficou no tratamento dos dados e no caráter mais analítico e propositivo. 


“Muito mais do que quantificar, qualificamos. A postura foi sempre a de contribuir para a melhoria dos periódicos, de indicar o que é preciso fazer para isso”, resume Aparecida.


Apesar de a avaliação paralela, aparentemente, haver gerado alguma tensão entre Anped e Capes – não havia nenhum representante da Capes durante a sessão da reunião em que o trabalho da comissão foi apresentado na 35ª Reunião Anual da Anped, ocorrida em outubro em Pernambuco – os pareceres produzidos foram solicitados pela coordenadora de área da Capes, Clarilza Prado de Souza, professora da PUC-SP. Ou seja, de alguma forma, devem ser levados em conta.


Aspectos analisados
Na avaliação da comissão, foram analisados, a partir da leitura de três números de cada periódico, aspectos tais como: consistência da política editorial; constituição do conselho editorial e do comitê científico (se exclusivamente ligados ao programa, ou com intersecção com outras instituições nacionais e internacionais); formas de circulação; como são os processos de submissão e arbitragem de artigos; aspectos formais (indexação, projeto gráfico, resumo e palavras-chave em mais de uma língua, artigos em outros idiomas); outros fatores de impacto, como divulgação para formação docente e políticas públicas; indexadores mais citados, entre outros.


Para além da avaliação indi­vidualizada dos periódicos, é possível depreender do processo algumas características mais gerais das publicações do setor. Uma delas é que a migração para a modalidade on-line ainda é lenta.  “A área tinha uma tradição de publicação em livro, a publicação em periódicos é recente”, diz Aparecida.


Outra questão é que algumas publicações, por terem sido criadas para dar espaço aos pesquisadores de seus próprios programas, ainda mantêm conselhos editoriais, consultores (para fazer a seleção de artigos) e conteúdos muito voltados para a própria instituição, com pouca interlocução com outros estados e países.


A publicação de dossiês temáticos, valorizada pelo fato de proporcionar um conjunto de artigos que possam aprofundar um determinado tema, é objeto de alerta da coordenadora. “A área tem muita tradição na publicação de coletâneas, resultantes de congressos, simpósios etc., normalmente publicados em livro. Uma hipótese que faço é que esteja havendo uma migração desses trabalhos para os periódicos. O dossiê é ótimo para refletir sobre determinada temática, mas não para reunir artigos que fariam mais sentido em livro”, diz, defendendo a necessidade de o material ter organicidade.


No que diz respeito às políticas editoriais, em geral elas foram vistas como claras e alinhadas aos programas de pós-graduação. Mas, em alguns casos, essa clareza pode ser fonte de dificuldades para captação de artigos, em razão de terem um recorte menos abrangente. Isso leva alguns periódicos a flexibilizar as políticas. “Normalmente, a consistência da política editorial está ligada a programas bem inseridos no campo da pesquisa, legitimados, o que leva tempo. O tempo diz muita coisa. Quanto mais consistente é o projeto, mais possibilidades ele tem de captar recursos”, resume Aparecida.


Receptividade
No geral, os editores das publicações avaliadas receberam bem as indicações feitas pela comissão da Fepae. Vera Lúcia Gaspar da Silva, editora da revista on-line Linhas, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Santa Catarina (Udesc), é um exemplo dessa boa acolhida. A publicação que edita com outros três editores, todos do mesmo programa, tem 12 anos, dos quais os quatro últimos apenas on-line. São dois números anuais no formato dossiê, cada um voltado a uma das linhas de pesquisa do programa: história e historiografia da educação e educação, comunicação e tecnologia.


“Saio daqui com um quadro imediato dos pontos que precisamos melhorar. Como na maioria das revistas, não temos editores profissionais, então esse tipo de assessoria é muito bem-vinda”, diz Vera Gaspar.


No caso da Linhas, que no Qualis da Capes aparece como periódico B3, a avaliação da comissão da Fepae qualificou bem a política editorial da publicação e indicou, ainda, a necessidade de captar mais artigos internacionais e de outras regiões do país. A questão do maior grau de internacionalização é um dos pontos críticos e controversos dos periódicos de educação. Para os pesquisadores da área, as revistas de educação não podem ser submetidas aos mesmos critérios que aquelas das ditas ciências duras – matemática, física, química, bioquímica, etc. – com maior tradição de publicar em periódicos e com pesquisas de caráter mais universal.


Assim, questões ligadas aos modelos educacionais brasileiros ou latino-americanos não seriam de interesse de publicações europeias ou americanas. “A internacionalização é vista como a capacidade de o conhecimento produzido circular, mas isso se dá segundo os moldes de Europa e Estados Unidos. Na educação, além das especificidades, temos um público interno que dá conta da circulação dessa produção”, avalia Vera Gaspar.


Um dos pontos que a própria comissão da Fepae levou em consideração, batizado de “outros fatores de impacto”, foi o fato de as publicações serem bem divulgadas entre docentes da Educação Básica, ajudarem em seu processo formativo e contribuírem para as políticas públicas do setor, ou para a reflexão sobre elas.


Para Rogério Meneghini, coordenador científico do Scielo, biblioteca eletrônica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que reúne 270 periódicos científicos, são três os fatores que dificultam o acesso dos pesquisadores brasileiros (de modo geral, não só os de educação) às publicações internacionais: a qualidade da pesquisa, a baixa proficiência no inglês e um certo preconceito dos editores internacionais.


O preconceito poderia casar com o não entendimento ou a falta de interesse às especificidades mencionadas por Vera Gaspar. Porém, alerta o próprio Meneghini, outras áreas, como saúde pública e agricultura, também com questões bastante específicas, têm tido bom volume de publicações internacionais. “É verdade que existe uma falta de interesse por parte de alguns editores, mas é preciso olhar para a qualidade dos trabalhos, para a metodologia utilizada”, diz ele, sem fazer menção específica à área de educação. E aponta uma tendência interessante de alguns periódicos, que vêm quebrando padrões relativos ao processo de submissão dos artigos. Alguns, ao contrário da avaliação “duplo- cega”, padrão em que autor e avaliador não conhecem a identidade um do outro visando à isenção do processo, promovem uma interlocução direta para a aceitação. “Nesses casos, eles às vezes prestam mais atenção a metodologias e pesquisas inovadoras”, diz.


A barreira da língua
De todo jeito, a língua inglesa resta como uma barreira a ser transposta para os pesquisadores brasileiros, e de maneira ainda mais acentuada na área de educação. De 2007 a 2011, no total da base Scielo, houve evolução de 9,4% para 12,8% do total de artigos publicados em português e inglês. Essa utilização é muito maior nas áreas de biológicas (79%) e de engenharias (49%) do que nas ciências humanas, onde atingem 8,1%, ou na de ciências sociais (11,2%), o que afeta os fatores de impacto dos artigos e periódicos brasileiros, normalmente calculados pelo número de citações.


Outro desafio no caso dos periódicos brasileiros em geral é o de atrair autores estrangeiros que estejam realizando pesquisa de ponta. Nos periódicos nacionais que aparecem no ano de 2010 no Web of Science, indexador científico que congrega várias bases de dados, 87% dos 11.161 artigos brasileiros foram escritos por autores locais, índice próximo do chinês (85% de 26.518). Já países com maior tradição de circulação da produção científica, como Inglaterra e Holanda, têm índices de 12,5% e 3,3%, respectivamente, o que indica que suas publicações são muito atraentes para cientistas de todo o mundo.

Autor

Rubem Barros


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